Excelência e resistência
Artista pelotense Myah entrega tudo que promete e deixa com vontade por mais
Por Maria Clara Morais Sousa / Em Pauta
Na última quarta-feira (28), dia do orgulho LGBTQIAP+, o Johnnie Jack ficou pequeno para a intensidade e grandeza da drag queen Myah e seu grupo de dançarinos. O time realizou um show de duas horas e meia chamado “Divas Experience”, em homenagem às divas do pop Madonna, Britney Spears, Beyoncé e Lady Gaga.
Os ensaios começaram há dois meses, mas o idealizador da Myah, Victor Oliveira, diz que desde que olhou para o palco do bar Johnnie Jack, profetizou: “Eu vou fazer um show aqui”. A ideia era um espetáculo de uma hora, mas a administração pediu um tempo a mais e foram duas horas e meia de coreografias e beleza.
As divas
A escolha foi minuciosa, Victor conta que cada uma tem um motivo específico. “A Madonna na questão da performance, de como ela traz a teatralidade para a música”, diz ele. Já sobre Beyoncé, ele confessa que tudo começou com o álbum Renaissance, o qual foi lançado ano passado pela cantora para homenagear o movimento LGBT e seu falecido tio, que fazia algumas das suas roupas e era gay.
Quando Victor fala de Britney Spears ele fica sem palavras e conta que assistia o clipe de Toxic desde pequeno, acredita que é algo bem sentimental e fala “fazer Britney é extremamente libertador, sabe?”. Sobre Lady Gaga, a escolha partiu da forma como ela o inspira para ser quem ele é “literalmente existe tanta gente normal já, então se for para viver – a única vida que a gente tem – vamos viver do jeito que a gente supostamente é para viver.”
Os dançarinos
Há uma relação de família e afeto entre todos que dançam no ballet da Myah, “A Myah é uma pessoa incrível, ela é uma pessoa ótima para trabalhar” afirma um dos dançarinos mais novos, Erick Gusmão. Isso fica óbvio ao participar dos ensaios, a maneira como todos se ajudam a entender os passos e melhorar suas performances. O dançarino Gabe Moura, conta que “como esse show é maior, foi quando a gente teve realmente que dar a cara a tapa pra opinar”.
Victor fala que em uma equipe de dançarinos LGBT, eles criaram um sentimento de “família escolhida”, inclusive afirma “eu amo todos, são meus filhos, são todos meus bebês”. E no próprio palco ele apresentou todo seu time e os agradeceu, “eu tenho essa benção que são meus grupos de bailarinos que não me deixam passar por tudo sozinha”.
Porém para algo tão grande foi preciso aumentar o ballet, com isso o artista chamou Erick Gusmão, Nicolas Flores e Laura Beatriz para entrar no seu time. Laura conta que ficou emocionada com o convite, “fico feliz dele ter pensado em mim para isso tudo porque eu gosto muito de dançar”.
Mesmo assim ainda houve necessidade de pessoas extras e, por isso, Myah contou com uma participação especial da turma de dança da Malu Fagundes da escola de dança Adágio. Malu conta que já havia trabalhado com a drag queen antes, e quando houve o convite, todas as suas alunas toparam. Sobre sua participação ela fala “poder estar proporcionando isso para minhas alunas também, essa experiência de participar de um verdadeiro espetáculo que vai ser hoje, me deixa muito feliz”.
Foi o primeiro show de drag queen no Johnnie Jack e a casa lotou com famílias, adultos, crianças, todos interessados por essa arte. A estudante de Medicina, Antonia Laranjeira, disse que decidiu ver o show pois foi a “primeira vez que vi que ia ter show de drag em Pelotas”, e ficou muito emocionada disso acontecer.
Maicon Bastos, gerente do estabelecimento, explica que, mesmo o local tendo foco no nativismo (cultura do gaúcho misturada com a cultura dos caubóis) a casa é aberta para mais vertentes e todos os públicos são bem-vindos à casa.
A data foi significativa no dia do orgulho, Myah decidiu fazer algo que ia “emocionar bem Pelotas” nas palavras da sua dançarina Eduarda Medina. Já seu outro dançarino, Yan Paiva, diz que a apresentação começou “um movimento muito incrível na cena LGBT pelotense”.
O coreógrafo Thalles Gabriel conta que o show traz um pouco da essência de cada bailarino, “nós nos expormos justamente nesse dia que é um dia tão especial onde cada pessoa se sente incluída”. E Nicolas Flores concorda, define o show como a “realização de um sonho”, já que todos cresceram ouvindo essas divas e querendo se apresentar assim como elas.
Já a bailarina Aline Coutinho usa Victor como inspiração, diz que ama a oportunidade de mostrar sua arte e aspira “um dia ser que nem a Myah e me apresentar e ter meus próprios bailarinos”.
A pessoa criadora de tudo
São 4 anos que Victor Oliveira encarna Myah para fazer o que ele ama. Embora hoje tenha uma percepção diferente, ele conta que antes achava estranha a arte de fazer drag e assemelhava a “querer ser mulher”. O que mudou sua opinião foi o show RuPaul ‘s Drag Race, a partir desse contato ele passou meses pensando em tentar criar sua drag queen até nascer a Myah, em fevereiro de 2019.
Sua mãe, Angelita Oliveira, diz que isso não é algo novo, “O Victor, desde criança, sempre foi muito artístico”. Ela nos conta que, por alguns anos, ele se interessou em fazer cosplay e assim começou a criar roupas. Seu pai suspeitou quando ele comprou uma máquina de costura, olhou para a esposa e disse “eu acho que o Vitor vai fazer drag”, e deu seu apoio o ensinando a costurar.
Na sua primeira apresentação, na balada The Way, Angelita foi junto, apreensiva e com medo desse universo novo que o filho estava entrando, mas, logo depois, percebeu que estava tudo certo e ali “era o melhor lugar do mundo” para ele estar. Atualmente, a mãe é muito orgulhosa e diz estar feliz “me sinto realizada vendo ele realizar o sonho dele”.
Para Victor, Myah é única e seu objetivo é emocionar e causar sentimento nas pessoas, tudo isso vem da sua conexão com a arte. “Sempre foi muito inspirador, muito bom ver como as pessoas conseguem expressar ideias, sensações, sentimentos através da música, da dança, principalmente, da performance” , diz ele.
Mesmo tendo sofrido vários casos de homofobia durante sua vida, o artista afirma ter nascido com “o botãozinho do dane-se ligado” e é muito da resistência, “eu sou o tipo de pessoa que eu não vou pedir respeito, eu vou e exijo respeito, você não tem a opção de me desrespeitar”. Ele realmente entende que certas violências doem, mas prefere não se abalar “A gente tem só uma vida, eu não vim para cá para viver me abalando por qualquer coisa”.
Sua relação com a arte é de amor e ódio, como nesse show que foi desenvolvido e criado quase todo sozinho, mas ele diz que não há a opção de desistir. Para o futuro ele planeja pequenas férias e um show em Porto Alegre junto com outra drag em um bar.
Depois de muito cansaço, suor e danças repetidas de manhã à noite, o “Divas Experience” no Johnnie Jack nos deixa um legado de história e resistência, como Lady Gaga diz “Eu estou no caminho certo, baby, eu nasci desse jeito”.