Estudantes tomam as ruas do Rio Grande

Nem a chuva e nem o frio atípico para outubro impediram que centenas de estudantes tomassem as ruas do centro de Rio Grande nesta terça-feira (18)

Por Vitor Porto

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O dia começou antes do nascer do sol para muitos deles. No frio da madrugada, os estudantes iniciaram o dia de luta bloqueando as entradas do Campus Carreiros da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) com o único objetivo de forçar o cancelamento das aulas e permitir que todos os estudantes da universidade participassem dos protestos. E o dia não poderia começar diferente, vitória dos estudantes. Em portaria publicada durante a manhã, o Reitor em exercício Renato Duro suspendeu todas as atividades a partir do meio-dia. Depois de ocupar a FURG, chegou a hora de ocupar as ruas.

O ato em defesa da educação estava marcado para começar às 14 horas, no coração da cidade, o Largo Dr. Pio. Apesar da melhora do clima, o movimento no início da tarde ainda era tímido. Os primeiros a chegarem no local foram os sindicatos e os estudantes que montaram tendas para exibir à comunidade os seus projetos de pesquisa, ensino e extensão desenvolvidos dentro da universidade.

A movimentação despertou muito interesse das pessoas que passavam por ali. Muitos paravam para conversar com os manifestantes, entoavam palavras de incentivo, pegavam adesivos oferecidos por coletivos, sindicatos e partidos políticos e colavam em seus peitos com orgulho.

Conforme o tempo piorava, a multidão ganhou forma, como uma convocação para enfrentar a tempestade que nos assola. Por volta das 16 horas, centenas de pessoas já se faziam presentes na manifestação quando começa a se escutar um som de bateria na direção do Calçadão. Todos os olhares se viraram para a origem daquele som. Com muita música, faixas, cartazes e, o mais importante, empolgação, dezenas de estudantes do Instituto Federal juntaram-se à manifestação.

“Desde que começou o governo Bolsonaro, nós tivemos muitos cortes na educação. Não é ajuste de orçamento, é corte. Como ele tira, congela o dinheiro do mês da gente (Institutos Federais) e joga isso para frente como se não houvesse despesas que foram planejadas para serem pagas. É importante estar aqui defendendo porque se a gente não defender futuramente, se o Bolsonaro ficar no poder, a gente não vai ter universidade, Institutos Federais, a gente não vai ter nada. Nossos filhos depois não vão ter uma educação pública de qualidade, porque é isso que o IF é, é isso que a faculdade pública é.” –

relata Gabriela, uma das estudantes do IFRS – Campus Rio Grande que se juntaram à manifestação.

 

Muitos vieram de longe para participar do ato. André, estudante do Campus São Lourenço do Sul, veio de ônibus, disponibilizado por sindicatos, junto com seus colegas.

“Desde que eu entrei na faculdade em 2019 a gente vem sofrendo um corte excessivo de verbas na educação. Hoje está quase inviável para o meu curso de hotelaria estudar, não temos mais saída de campo, basicamente o nosso campus está abandonado, sofreu uma grande evasão. Não tem como a gente não parar pelo menos hoje para tentar fazer o que for possível, pelo menos até dia 30, para reverter. O governo que está aí hoje é um governo que não pensa na universidade pública, a gente pode ver pelos sucessivos cortes. Por isso estamos aqui hoje.” – explica o motivo por ter viajado mais de 100 quilômetros.

O sentimento de indignação com o atual governo estava presente em quase todos (senão todos) os presentes. A estudante de geografia da FURG expressa o seu sentimento em relação ao presidente. – “Eu entendo que é necessário a gente estar nas mobilizações de rua novamente. É uma das primeiras vezes que o (Largo) Dr. Pio está cheio desde 2020 e também eu penso que a gente já devia ter tirado o Bolsonaro antes, mas todo o momento que a gente tem para afirmar que este cara (Bolsonaro) não deve estar no governo a gente aproveita ele. Todos esses cortes que vem acontecendo eles não dizem respeito só ao econômico, mas um projeto de destruir a universidade pública.”

Até mesmo quem já se formou se fez presente no ato em defesa da educação. Gabriela viajou de Pelotas ainda no dia anterior para participar do bloqueio das entradas da universidade.

“Sou psicóloga formada pela FURG e mesmo não estudando mais na universidade, a gente continua entendendo o quanto a universidade contribui para a nossa constituição não só como profissionais, mas (também) pelo nosso entendimento como ser humano. Acho que defender a universidade, defender o funcionamento dela, ser contra o bolsonarismo não deve ser apenas nas eleições, esperar que somente através das eleições a gente consiga combater esse projeto. Que é um projeto genocida, é um projeto que visa destruir a educação, a saúde e a segurança também. O governo Bolsonaro dedicou bilhões para o orçamento secreto, retirando da educação, fragilizando as universidades. Então não é uma pauta somente dos estudantes que estão hoje na universidade, é uma pauta contínua. Eu estou aqui hoje porque acredito na importância da universidade, na importância da educação pública e gratuita, na defesa de uma universidade verdadeiramente popular, que não seja uma universidade que a gente garanta somente a inserção do estudante, mas que a gente garanta, do ínicio ao fim, que o estudante seja amparado, receba auxílios, tenha a oportunidade de desenvolver ensino, pesquisa e extensão. Então não se trata somente de pautas que devem ser defendidas por quem ainda está na universidade, mas por todas as pessoas, por toda a população, por todos nós. Devemos defender a existência da universidade e a ampliação e construção de uma universidade verdadeiramente popular. – explica a psicóloga formada pela FURG.

Por volta das 17 horas, o microfone foi aberto para representantes de movimentos, partidos políticos, sindicatos, coletivos e qualquer pessoa que quisesse expressar a sua indignação, ideias e sentimentos. 

Quem abriu as falas foi a presidenta da AproFurg, a professora Márcia Umpierre, uma das organizadoras do evento. Ela ressaltou a importância da universidade pública e dos institutos federais. Alertou que os cortes afetam o funcionamento e prejudicam a economia local. 

Uma das presenças do ato foi o deputado federal eleito Alexandre Lindenmeyer (PT), que recebeu 93.768 mil votos nas últimas eleições. Ele saudou todos os presentes no ato, que classificou como histórico, ainda defendeu um país “soberano e possível para todos os brasileiros”. E pediu votos para o candidato à presidência Lula, pedido que encontrou eco na multidão, que prontamente interrompeu a fala do deputado com gritos “ole, ole, ole, olá, Lula, Lula” e com muitas mãos fazendo o “L”, gesto característico da campanha política do ex-presidente. 

Umas das falas mais marcantes e aplaudidas pelo público foi do estudante e membro da União da Juventude Comunista (UJC), Grégory.

“A gente tá aqui para mostrar a força do movimento estudantil, a força das juventudes. Hoje é um dia mais do que importante, esse ato é decisivo, esse ato é importantíssimo e nós, enquanto juventude, nós enquanto estudantes da FURG, dos IFs, das escolas estaduais, de todo movimento estudantil universitário e secundarista, estamos aqui para dizer que basta de cortes, basta desse governo fascista e desse projeto liberal. Não vamos esquecer que isso não é um devaneio, é um projeto de governo. Não é porque ele é louco, não porque ele é incompetente, ele é muito competente no que ele faz, ele é um destruidor do Brasil, ele é um entreguista do Brasil e ele quer ver os pobres, os trabalhadores abaixo da miséria.” 

Após as falas, chegou a hora de tomar as ruas. A passeata começou quase pontualmente às 18 horas. Com muita música e empolgação, os manifestantes começaram o trajeto pelo Calçadão. Com gritos de “Trabalhador do seu lado, nosso futuro não será precarizado”, a manifestação encontrava simpatia dos funcionários do comércio local, que gravavam os estudantes com seus celulares e sorrisos em seus rostos e eventuais gestos de “L” com a mão.

Ao final do Calçadão, a passeata adentrou a Rua Benjamin Constant, interrompendo parcialmente o tráfego, mas nenhum motorista pareceu se importar. Foi nesse momento que a chuva e o vento se intensificaram, a qual os estudantes responderam cantando “ Pode chover, o céu cair, o nosso lema é ocupar e resistir”. 

A manifestação prosseguiu por diversas ruas do Centro da cidade. Recebendo apoio dos moradores, que iam para suas janelas manifestar sua solidariedade com gritos, acenos, bandeiras do Partido dos Trabalhadores e, novamente, gestos de “L”.  

O trânsito foi parcialmente interrompido nas ruas em que os estudantes passaram, apenas os corredores de ônibus nas ruas General Neto e 24 de Maio foram liberados. Dentro dos coletivos foi comum observar manifestações de apoio ao protesto de passageiros, cobradores e motoristas. 

Às 19 horas a passeata encerrou no ponto onde começou, no Largo Dr. Pio. Em clima de festa, estudantes dançavam ao som das músicas da campanha eleitoral do ex-presidente Lula, cheios de esperança em um país melhor e com a sensação de estarem participando dessa construção.  

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