Entrevista com Maurício Saraiva na 16ª Festa do Mar

 

por Thuanny Cappellari

Maurício Saraiva esteve em Rio Grande/RS no último sábado (10) para gravação do “Botequim do Maurício” na 16ª Festa do Mar e concedeu uma entrevista exclusiva.

Os convidados para a gravação do quadro foram Valdir Lima, presente no último título do brasileiro de 1979 do Internacional – o “tri invicto” – e Luiz Carlos Lombardi da Silva “Toquinho” que foi jogador do Grêmio e treinador do Sport Clube São Paulo.

Maurício Saraiva nasceu em 1964 e é gaúcho de Porto Alegre/RS. Jornalista desde 1986, iniciou na RBSTV em 1996 como repórter esportivo. Desde 2003 atua como comentarista e apresentador.  Maurício também escreve em seu blog “Vida Real” na Zero Hora.

Quando eu decidi ser jornalista eu tinha cinco anos de idade. Meu pai do lado ouvindo rádio, eu com ele, minha mãe circulando pela casa e eu dizia pro meu pai: “Eu quero ser esse cara aí!“ E ele perguntava: ”Esse cara aí é o que tá jogando? Que tá fazendo gol?”, e eu dizia: “Não. Esse que tá falando”. E eu não sabia na época com cinco anos o nome dessa profissão.

Maurício Saraiva acompanhado por “Toquinho” (esq.) e Valdir Lima (dir.) (imagem: Thuanny Cappellari)

Maurício Saraiva acompanhado por “Toquinho” (esq.) e Valdir Lima (dir.) (imagem: Thuanny Cappellari)

 

O perfil do comentarista esportivo mudou muito nos últimos anos. Passou de só falar sobre o que estava ocorrendo no jogo, para falar o que também poderia vir a ocorrer, influenciando cada vez mais o público. Te consideras um influenciador?

Maurício – É da natureza da profissão do comentarista que ele seja de alguma forma formador de opinião. Ou porque a pessoa vai concordar com ele ou porque vai discordar dele. Ou vai fazer uma síntese entre coisas que concorde e discorde, mas de alguma maneira emitir opinião no microfone, forma opinião ou ajuda a formar. Então quando se comenta um jogo que está acontecendo, não tem como deixar de projetar o que pode acontecer neste ou naquele cenário e isso antes acontecia menos e hoje acontece mais por parte do comentário.

Desde 1986 tu já passaste por vários veículos e emissoras. O que tirastes de aprendizado de tudo isso? E o que foi bom e o que foi ruim?

Maurício – Eu penso no ruim e o ruim foi bom. Ruim é ter a expectativa de alcançar determinado objetivo num ano e alcançar dois anos depois, mas isto é parte da tua experiência. Se não teve atalho é porque não era pra ter atalho, aquilo era pra ter sido daquela maneira. Da mesma forma, como algo que tu imagina que tu vai alcançar daqui há 5 anos e tu alcança 4 anos antes. Então tudo é conserto da carreira que tu pavimenta, da linha que tu pavimenta. Pra não dizer que não teve nada ruim, houve uma frustração em 1994 quando, ainda na Rádio Guaíba, eu tive uma promessa de ir a para a Copa do Mundo dos Estados Unidos e na última hora eu fui “sacado” da equipe. Eu e mais 5 ou 6. Por contenção de custos a equipe diminuiu e era uma expectativa que foi criada e desfeita. Então aquilo ficou marcante como uma decepção, mas é parte do teu trabalho lidar com decepção. Não só a parte boa.

Quais as pessoas que mais te influenciaram na carreira?

Maurício – Eu ouvi rádio desde cedo e os comentaristas eram o Ruy Ostermann e o Lauro Quadros, que viraram referência pelo trabalho que faziam. João Saldanha, o gaúcho do Alegrete que trabalhava na imprensa no Rio de Janeiro, foi um sinal de que é possível ter notoriedade e visibilidade nacional tendo nascido no Alegrete. No interior do Rio Grande do Sul. Então era chamado “João sem medo” porque as opiniões dele eram muito fortes. Não tinha mais ou menos. Então se é um padrão que eu tenho de referência na carreira, seria João Saldanha.

Tu fizeste várias coberturas e inclusive em Copas do Mundo. O que mais te marcou?

Maurício – Quatro pra ser exato. Em 2006, por exemplo, era um país lindo (Alemanha), mas com uma condição de trabalho muito precária. Não foi bom. Só foi bom como parte de um aprendizado de como não fazer. Mas era aquele país divino, maravilhoso e eu pensava em voltar porque o trabalho não estava funcionando. Em 2010, na África do Sul, que é um país menos glamoroso comparado à Alemanha em termos de beleza, história e tudo mais, tudo funcionou no meu trabalho. Então a África do Sul pra mim é uma paixão porque lá tudo deu certo. E a primeira, na Coréia do Sul e no Japão, por ter sido a minha primeira Copa também fica marcado positivamente. Qualquer viagem que a gente faz é sempre uma delícia. Em Abu Dhabi pra fazer o Inter com o Mundial, a equipe acabou perdendo pro Mazembi. Mas essa é a parte do Inter, minha parte foi lá trabalhar e conhecer um mundo completamente diferente.

Sobre o blog. Por que Vida Real?

Maurício – Porque eu gosto da ideia de trazer pra realidade coisas que no futebol tem muita fantasia. A pessoa “bota” a paixão e lá pelas tantas começa a ver algo que tá descolado da realidade. E a minha pretensão, usando sensatez, razão e lógica é trazer pra vida real. Do tipo, os juízes não roubam do Grêmio e do Inter porque Grêmio e Inter estão na ponta do país. OS juízes não roubam, eles erram. Um verbo é diferente do outro. Mas o torcedor na fantasia dele acha que estão roubando do time dele, que está tudo armado e que estão contra o time dele. E o meu papel, me parece, é dizer: “Olha vocês já pensaram que pode ser só um erro e o Inter pode ter perdido ou o Grêmio pode ter perdido, por erro dele Grêmio ou Inter e não porque o juiz roubou?” E assim como ganha, Inter e Grêmio ganham pelos méritos deles e não porque o juiz jogou a favor ou contra. Então é um pouco presunçoso talvez, trazer para vida real, mas é algo que eu tento fazer todo o tempo.

O torcedor sempre pensa que o juiz roubou pra prejudicar o time dele, não é?

Maurício – Essa é uma cultura. É do princípio da suspeição que as pessoas partem de que tudo é desonesto. De que todo mundo faz tudo com uma segunda intenção. E isso não é só no futebol. Isso é um pequeno universo da maneira como nós vivemos. Tu olhas para a CBF e tem o Presidente que tá preso e o outro que não pode sair do país porque pode ser preso. A presidenta está com as contas sob suspeição. O Presidente da Câmara está do jeito que está. Então tu olha pra todos os lados e parece que tudo é suspeito. Então tu traz pro futebol.

Tu consideras que o olhar do veículo interfere no modo como as pessoas recebem a informação sobre a corrupção?

Maurício – Me parece invertido. O que o jornal está noticiando não é uma coisa que o jornal criou. Isso existe e se ela (a corrupção) existe, ela foi feita por cidadãos. Corruptor e corrupto são brasileiros e cidadãos. Eles não foram no jornalista e disseram: “Olha aceita uma propina aí pra fazer a foto e virar notícia.” A notícia existe porque aconteceu.

Maurício Saraiva como jogador é um ótimo comentarista?

Maurício – Nossa, eu não jogo absolutamente nada! Porque desde pequeno eu sempre gostei mais de ver o futebol do que jogar. Quando eu decidi ser jornalista eu tinha cinco anos de idade. Meu pai do lado ouvindo rádio, eu com ele, minha mãe circulando pela casa, e eu dizia pro meu pai: “Eu quero ser esse cara aí! “E ele perguntava:” Esse cara aí é o que tá jogando? Que tá fazendo gol?”, e eu dizia: “Não. Esse que tá falando”. E eu não sabia na época com cinco anos o nome dessa profissão. Depois que eu fui saber o que era. Então não tive crise vocacional.

Que recado podes deixar pro pessoal que está iniciando agora no jornalismo, está saindo da universidade e enfrenta esse mercado que é tão difícil?

Maurício – Ah, é difícil mesmo! Cada vez mais. A primeira sugestão é que a pessoa se comunique quando entrar no mercado com o seu gestor imediato para que ele saiba o que você quer fazer na vida. E a anterior: entra no mercado mesmo que fora da tua função original. “Ah, eu quero ser um locutor, mas só tem vaga pra produtor”. Entra de produtor e depois que tu estás por dentro, já no mercado, começa a caminhar na direção que tu pretendes. Comigo pelo menos funcionou assim. Eu entrei na produção da Rádio Guaíba. Eu era muito mau produtor. Eu não queria fazer aquilo. Eu não me aperfeiçoei naquilo porque eu queria microfone. E a primeira coisa que eu fiz quando eu entrei foi dizer pro meu chefe: “Olha quando tiver uma vaga de microfone, eu quero a chance.” Tanto que o cara saiu da empresa, foi pra outra empresa, lembrou daquilo e me chamou pra outra empresa. Quando eu fui fazer, ele me contou que se aquilo fosse um desejo secreto, não falasse pra ninguém, talvez não tivesse acontecido.

 Então se comunicar em volta, dentro do mercado, com as pessoas que mandam fazer boas relações e leitura permanentemente. Leitura não é leitura de tablet. Leitura de livro, papel. Que tu vira a página sabe? O tradicional vocabulário para te dar informação. Hoje com internet e tudo mais, tu tem que estar permanentemente informado pra que tu não dê um chute que seja descolado da realidade e o teu público diga: “Mas que mundo esse cara vive que não sabe o que está acontecendo?!” Conexão permanente de todas as contas. Se não for assim, a pessoa não vira jornalista.

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