As ruínas do Museu Nacional e o espaço que ocupamos
Por Nágila Rodrigues
Eu nunca fui ao Museu Nacional. E nunca irei. Nem meus filhos, nem meus netos. Nem os teus. Nunca é uma palavra forte, não é? A gente sente o peso da eterna impotência, do não poder, de ser privado. Até mesmo a coisa mais desimportante nos impõe aquela vontade visceral de realizá-la. Basta dizer: nunca.
No ano de comemoração do bicentenário do Museu Nacional, o presente que nós demos à história do Brasil foi uma enorme fogueira de perdas irreparáveis. Presenteamos as gerações futuras com a queima de conhecimento, com um grande “nunca”. E essa impossibilidade é o que despertou aos que, assim como eu, seja pela distância geográfica, falta de conhecimento, vontade ou incentivo ao saber, nunca pisaram no Museu Nacional.
Também despertou os que já estiveram lá, mas não tinham tempo para lembrar do velho casarão que durante dois séculos reuniu um acervo com vinte milhões de peças arqueológicas, etnográficas, paleontológicas, botânicas e outras raridades que permeiam a história da humanidade. Despertou porque tudo que o Museu representa foi engolido pela nossa própria construção social, que escolhe a cada dia apagar e esquecer de onde viemos. O fogo que consumiu aqueles pavilhões foi ateado pelas nossas mãos, guiadas pelos nossos corpos cegos: de consciência política.
O que causou o incêndio foi a falta de amparo à cultura, alimentada por um sistema político que não quer que o seu povo tenha acesso e refinamento intelectual.
A cultura sempre foi deixada de lado, entretanto após o golpe parlamentar a situação piorou. Ou alguém esqueceu que Temer chegou a falar em acabar com o Ministério da Cultura? É possível que nem tenham ouvido sobre o assunto. Afinal, a cultura não é importante e o jornalismo não cobre com a seriedade que essa editoria merece. O Jornalismo Cultural acostumou-se a fazer divulgação, ao passo que deveria falar das crises que a área enfrenta por falta de apoio governamental. Investigar o sucateamento da cultura, também é Jornalismo Cultural.
Com a posse de Temer, a direção do Museu relatou que há meses não era possível fazer a manutenção das salas, algumas infestadas de cupins, problemas nas fiações elétricas também eram comuns e a verba destinada para reestruturação e expansão em 2018, até o momento, foi de R$ 17,838 mil.
Representantes partidários também foram despertos após o ocorrido, encheram as redes sociais de comunicados lamentando a tragédia. Alguns lamentando muito mais o declínio do prédio do que os longos anos de pesquisa científica que se tornaram ruínas. Infelizmente, isso não é surpreendente. Nós somos as mãos que os colocaram lá e, por cumplicidade, as mãos que alimentaram o fogo do último domingo.
E como ser responsável pelo desmonte de um patrimônio tão rico, pela perda da história dos nossos povos originários, uma cultura que foi quase toda extinguida pela desapropriação territorial que paira sobre essa terra desde que ela tornou-se Brasil. Como dizer aos que dedicavam seus dias naquele prédio, que seus estudos não poderão ter continuidade, porque a perda daqueles dados é irreparável.
Ser responsável é difícil! Dói, quando há entendimento que o movimento da sociedade depende da nossa consciência, que o retrocesso que o país vive é porque não temos políticos qualificados para garantir o pensamento coletivo e distribuição digna de acesso à educação, pesquisa e do contexto histórico. Um povo que não conhece o seu passado jamais terá bases firmes para construir indivíduos que não permitam serem tratados com descaso por aqueles que eles mesmos elegeram.
Que as ruínas do Museu Nacional nos ensinem que o futuro só é benéfico quando o passado é tratado com dignidade.