A brutalidade do desconhecido
“Noites Brutais” estreou no Star+ no último dia 26 e traz no elenco Georgina Campbell, Bill Skarsgård e Justin Long em um terror moderno e peculiar.
Por Jaime Lucas Mattos
“Barbarian” (título original) é daqueles filmes que quanto menos você souber, melhor. Eu não recomendaria nem que você assistisse o trailer, apesar de que ele não entrega quase nada da história. Nessa resenha, vou me ater ao básico da trama para não entregar spoilers, mas sugiro que você assista o filme antes da leitura, para melhor experiência.
A premissa do filme me pareceu interessante desde o princípio: uma mulher, Tess (Georgina Campbell), alugou um airbnb para passar um tempo em Detroit, onde ela teria uma entrevista de emprego. No entanto, quando chega na casa, à noite, a chave não está alocada no lugar combinado e a agência de locação não atende o telefone. Para a surpresa de Tess, um homem chamado Keith (Bill Skarsgård) está alugando a casa também, através de outra plataforma de locação. Como está chuvoso e nenhum hotel da cidade está disponível, Tess acaba aceitando se hospedar na casa junto com o desconhecido.
Indo na contramão dos clichês de filmes de hóspedes indesejados, “Barbarian” tem uma protagonista inteligente. Apesar de aceitar ficar na casa mesmo neste contexto duvidoso, Tess desconfia do homem e busca checar se a história que ele havia contado era verdadeira, além de não aceitar beber nada do que ele tivesse servido e se certificar de registrar a identidade do homem no celular.
Após um tempo de conversa e certificações por parte da personagem de Campbell, Keith parece estar mesmo falando a verdade. Até um clima de comédia romântica é instaurado. No entanto, a narrativa começa a ficar com uma atmosfera sinistra quando um porão, no mínimo estranho, é descoberto por Tess. É quando tudo o que ela sabia poderia não ser o que imaginava.
“Barbarian” é um filme que brinca com sugestões e com as nossas expectativas. A todo instante pensamos que sabemos para onde a narrativa está caminhando, desconfiamos das coisas tanto quanto (ou até mais que) a protagonista, mas o roteiro consegue modificar todas as nossas previsões e passar por um caminho diferente do que imaginávamos.
Com um primeiro ato muito bem construído, conseguimos nos afeiçoar pelos personagens, e ao mesmo tempo sermos captados pelo clima de tensão e desconfiança – que são acertos tanto do roteiro e da direção (ambos de Zach Cregger) quanto das impecáveis atuações de Campbell e Skarsgård. O medo do desconhecido também é muito bem explorado pelo filme, nas diferentes definições de “desconhecido” que o filme pode nos proporcionar.
A direção do longa se mostra madura no primeiro ato, com planos mistos que vão do belo ao claustrofóbico. A partir do segundo ato, a direção perde um pouco o tato, mas utiliza bem a iluminação para trazer uma atmosfera aterrorizante, tanto aos personagens quanto ao público.
Uma das coisas que mais me agrada em “Noites Brutais” é as diferentes formas que esse filme pode ter. Assim como outros filmes de terror moderno (estaríamos diante de um movimento?), “Barbarian” abraça a atmosfera sombria, mas intercala com situações fora do clichê, além de trazer outros gêneros para dialogar com a narrativa. Além disso, temos aqui várias formas de se fazer terror e suspense reunidas em um mesmo filme, como o terror gerado através das relações pessoais, o medo do desconhecido, o terror urbano, o gore, e outros elementos.
A ambientação geral do filme – a cidade de Detroit (Michigan, EUA) – permite que os terrores instaurados pela narrativa sejam verossímeis. Detroit é conhecida pela falência gerada pela decadência da indústria automobilística na região e pela ampla violência. A cidade tem áreas que são “cidades-fantasma”, com locações abandonadas, e, além disso, o racismo e violência policiais são destaque negativo na imagem da cidade. Esses elementos permitem que as críticas sociais sejam inseridas na narrativa de forma sutil.
Mesmo tendo uma ótima construção e ambientação, alguns pontos deixam a desejar. Algumas explicações ficam faltando, e a finalização é em um tom amargo. Isso pode ser visto tanto como um ponto positivo – vários filmes de terror contemporâneos estão usando desses mesmos artifícios – quanto negativo – esses elementos podem ser cruciais para que você sinta que não gostou do filme.
Apesar disso, “Barbarian” consegue terminar com um saldo positivo. Tanto a narrativa quanto a estética – méritos do roteiro, da direção e da produção – são muito bem construídas e trabalhadas durante o filme, mantendo o espectador ansioso para saber o que vem a seguir, e completamente confuso e surpreso com as situações que vão surgindo. O elenco, em especial Georgina Campbell e Bill Skarsgård, consegue segurar a atmosfera do filme com atuações impecáveis e completamente verossímeis, transmitindo os sentimentos necessários de acordo com o que pede cada situação.
“Noites Brutais” está disponível no catálogo do serviço de streaming Star+.