20 de setembro celebra cultura gaúcha, mas relembra data e período envolta de significados políticos

Em meio a desfiles e celebrações, o contexto político e econômico da data é cada vez menos relembrado

Por Douglas Rafael Duarte

Desfile 20 de Setembro Porto Alegre – Reprodução Samuel Maciel/Correio do Povo

Desde 1978, quando foi sancionada a lei 4.473, o 20 de setembro passou a ser feriado e a designar oficialmente a celebração do chamado “Dia do gaúcho” em todo o estado do Rio Grande do Sul. A data, que com o passar do tempo notabilizou-se por marcar os desfiles de cavalarianos e o término dos festejos da Semana Farroupilha, foi perdendo um pouco o seu significado político.

Revolução FarroupilhaO 20 de setembro a que se faz alusão na verdade é o de 1835. Neste dia, os farrapos, liderados pelo General Bento Gonçalves, venceram a batalha da Ponte Azenha e entraram na (então província) de Porto Alegre. Tinha início então a Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha. A luta dos rebeldes com a coroa brasileira duraria dez anos (de 1835 até 1845), sendo até hoje o mais longo conflito da história nacional.

A principal motivação para o confronto foram os altos impostos sobre o charque, o principal produto comercializado pelos estancieiros e oligarcas do Rio Grande do Sul. Mas não apenas isso. De acordo com Edgar Gandra, Prof. Dr. do curso de História da Universidade Federal de Pelotas, com a renúncia de D. Pedro I em 1831, e com o Brasil sendo governado por regentes até que D. Pedro II alcançasse a maioridade em 1843, a elite gaúcha buscava aproveitar o momento de instabilidade do Império para aumentar sua influência política.

“O objetivo inicial de muitos dos revoltosos não era a separação, mas maior atenção e importância nas decisões do governo imperial”, pondera Gandra. “A estratégia de comércio do Governo Regencial privilegiava parceiros da região do Rio do Prata, mas prejudicava os interesses da elite gaúcha. Os rebeldes esperavam que o conflito pressionasse o Império a mudar tal postura”, acrescenta ele.

Edgar Gandra – Arquivo pessoal

Ideais republicanos

Apesar da mudança de regime não ser a principal razão para o conflito, é inegável a influência das ideias republicanas entre os líderes farroupilhas. Se é fato que a Guerra dos Farrapos foi uma revolta das elites, isso não significa que ela não representasse alguns avanços diante daquele contexto. Boa parte dos generais e lideranças rebeldes haviam sido inspirados pelos ideais da revolução francesa.

Mesmo com todas as limitações não se pode desconsiderar que os farroupilhas protagonizaram em 1836, com a Proclamação da República Rio-Grandense (ou República do Piratini) e a eleição de Bento Gonçalves como Presidente, um dos primeiros experimentos republicanos em solo brasileiro. Algo que só seria concretizado em todo o território nacional cerca de cinquenta anos depois, em 1889. Os farrapos ainda deixariam de legado a sua constituição, concluída no ano de 1843 e considerada por muitos o berço legítimo do Direito Republicano brasileiro.

“Os estancieiros, para os padrões da época, podem ser considerados progressistas. Afinal, eles defendiam a democracia em substituição ao velho modelo da monarquia”, alega Ivonei Lorenzi, formado em história (licenciatura plena) pela Universidade de Caxias do Sul.

Ivonei Lorenzi – Arquivo pessoal

Porongos

Logo no início da revolta os farroupilhas perceberam que não dispunham de soldados suficientes para sustentar o embate com as tropas imperiais. Para suprir essa debilidade os revoltosos passaram a incorporar combatentes negros com a promessa de alforria ao fim da guerra. Nascia então o corpo de lanceiros negros, um batalhão de infantes (soldados a pé), liderados pelo General Neto.

No entanto, próximo ao fim do conflito e diante da iminente derrota, os líderes revoltosos tentavam costurar um acordo. A questão é que dentre os termos para o armistício, o Império exigia a devolução dos negros escravizados. Isto significava que os líderes da revolução faltariam com sua palavra.

Diante deste impasse, os indícios sugerem que o General David Canabarro traiu suas próprias tropas e fez um conchavo com o Barão de Caxias. Canabarro escreveu ao comandante imperial indicando a data (14 de novembro de 1844) e o local do ataque ao acampamento (o Cerro dos Porongos, atual município de Pinheiro Machado), além de minimizar alertas sobre a movimentação de forças inimigas e desarmar os lanceiros na véspera do combate. No massacre morreram mais de cem soldados negros.

“O combate de Porongos, que mais foi uma matança de um só lado do que peleja, dispersou a principal força republicana, e manifestou estar morta a rebelião”, escreveu Tristão de Alencar Araripe no livro de memórias “A Guerra Civil no Rio Grande do Sul”, publicado em 1881. De fato, poucos meses depois, em 28 de fevereiro de 1845, o mesmo Canabarro assinaria o acordo de Poncho Verde, marcando o fim da revolta. Apesar de negociar entre os termos de rendição a liberdade dos negros escravizados que lutaram pelo exército da República Rio-Grandense, os líderes farroupilhas não se esforçaram para garantir o cumprimento da promessa.

Massacre de Porongos – Reprodução TVE

Legado

Mesmo diante das contradições que permearam o conflito e a utilização posterior do mesmo para a construção de um mito um tanto exagerado do gaúcho, é inegável que a Revolução Farroupilha deixou marcas profundas no imaginário do nosso povo. Além da preservação de traços da nossa cultura e da nossa história, o confronto foi ainda muito importante para a afirmação da nossa identidade e até na luta por demandas políticas e econômicas do estado.

“Apesar de ser um evento ressignificado, ele tem valor concreto no tempo presente, que dá unidade, dá ufanismo que por muitas vezes é utilizado em prol dos interesses do Rio Grande do Sul”, afirma Edgar Gandra.

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