Festival Cabobu acontece entre os dias 21 a 23 de abril mobilizando diversas atrações culturais e atividades comunitárias
Por Maria Clara Morais Sousa e Stéfane Costa
Tambor é símbolo da resistência cultural e da luta pela preservação das tradições ancestrais Foto: Luis Ferreirah
Retornando após 23 anos desde sua última edição, o Festival Cabobu promete trazer apresentações, oficinas e debates para Pelotas, nos dias 21 a 23 de abril, de sexta a domingo, tendo como palco dos shows o Largo Edmar Fetter, ao lado do Mercado Central de Pelotas. Idealizado pelo mestre e guardião do Sopapo, Giba Giba, o festival estreou em 1999 e faz homenagem aos mestres Cacaio, Boto e Bucha.
A retomada do evento veio da iniciativa da MS2 Produtora e hoje conta com patrocínio da Natura Musical. Nesta edição, Edu Nascimento, filho de Giba Giba, atua como coordenador honorário, junto com José Baptista, filho do Mestre Baptista.
José Baptista é um dos coordenadores do evento que movimentará Centro de Pelotas Foto: Luis Ferreirah
Sopapo: um instrumento de resistência
O sopapo é um tambor de grandes dimensões (1,5 m de altura por 60 cm de diâmetro) encontrado nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre. Inicialmente era feito de tronco de árvores e tocado pelos escravizados nas Charqueadas do Rio Grande do Sul. E hoje é o instrumento de destaque no festival. Chamado de atabaque-rei, pela sua grandiosidade e imponência, o sopapo foi por muito tempo esquecido devido a um processo de “carioquização” do Carnaval de Pelotas.
Recheado de ancestralidade, a teoria mais provável é que nasceu no Rio Grande do Sul. José Batista, filho do Mestre Baptista, conta que o sopapo é sinônimo de intimidade pessoal, um elo atípico. “Pra mim ele é um ser vivo,” diz.
Giba Giba nasceu em Pelotas, e lutou pela preservação da arte musical do tambor Foto: Diego Coiro
O guardião do sopapo
Gilberto Amaro de Nascimento, ou Giba Giba (1940-2014), nasceu em Pelotas, mas foi naturalizado em Porto Alegre, onde fez grandes feitos. Na sua vida, passou por conjuntos musicais, fez parte de espetáculos, fundou uma escola de samba e ganhou diversos prêmios, entre eles a Medalha da Cidade de Porto Alegre e o Prêmio Quilombo dos Palmares (2003).
O filho de Ogum começou fazendo shows em barzinhos ao mesmo tempo em que trabalhava no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Em toda sua carreira fez apenas um disco individual – “Outro Um” -, o qual ganhou Prêmio Açorianos de Melhor CD em 1994.
Seu filho, Edu Nascimento, diz que “ele deu sempre valor ao negro e sua existência, como sua história, ponto de originalidade e pertencente ao mundo”. E desse ponto nasceu o Cabobu, Giba veio para Pelotas para se apresentar com sua banda e ficou surpreso ao perceber que o sopapo não estava presente no Carnaval de rua. A ideia inicial era a construção de 40 sopapos para serem distribuídos para blocos de carnaval, junto com aulas sobre o instrumento.
Atualmente o Festival Cabobu transcendeu sua raiz, virou semente e hoje ele serve para revelar a presença negra na cultura e música gaúcha E como Edu enfatiza, “o Cabobu veio para mostrar as diversidades culturais do nosso estado”.
É graças a esse enraizamento do festival que o babalorixá Juliano Silva de Oxum, diretor espiritual do Ilê Axé Reino de Oxum epandá e Xapanã Jubeteí, uma das personalidades que integra a programação do evento, ressalta a presença da ancestralidade. “Ressignificar a história do povo negro e de terreiro através do Festival Cabobu é manter viva a chama da ancestralidade. Essa ancestralidade que é imaterial, que é imortal, que sobrevive a tudo e a todos, está na luta do combate ao racismo e no fortalecimento de combate à intolerância. O sopapo é uma ferramenta que reconstrói um pouco da nossa história”, comenta.
Ele também conta sua ligação com o sopapo e o convite para participar da abertura do festival. “Minha passagem pelo Cabobu se dá através de Zé Batista, Edu Nascimento e Sandra Narcizo, que fizeram o convite pela luta contra a intolerância, pela luta contra a discriminação na cidade de Pelotas e também levando um pouco desse ser religioso que luta, desbravando contra todo tipo de intolerância, seja ela racial, religiosa ou até mesmo de gênero”.
Silva vai iniciar o ritual de abertura do Festival Cabobu no dia 21 de abril, a partir das 15h. “Sopapo, Cabobu, Festival Natura Cultural é o momento de celebrar a cultura negra, a religiosidade e a vida. Passamos por momentos difíceis na história da cidade de Pelotas. Da sua construção, negros e negras, reis e rainhas, príncipes e princesas que vieram escravizados, trouxeram na sua bagagem a cultura, a culinária, a dança, a oralidade e também a musicalidade, que por muito tempo foi silenciada. Hoje festejamos, com o grande festival as portas se abrem, e os palcos, as cortinas se descerram para que a ancestralidade faça seu desfile”, comemora.
Por fim, o babalorixá comenta a importância do retrato cultural plural para a cidade. “Pelotas do samba, do pop, do rock, do choro, Pelotas de alegria. Pelotas do charque, do doce e das gostosuras. Esta é Pelotas que estará representada nos dias 21,22 e 23 com a sua pluralidade, com a sua diversidade de ações, de pessoas, religiões, e também da área musical. Pelotas que permanece viva, e não morta e açoitada, Pelotas que é raiz ancestral do Rio Grande do Sul. Construídos casarões a ferro e a fogo, mas deixou marca milenar, deixou marca ancestral da África Mãe, mãe que abraça o mundo, mãe que abraça a Terra, mãe que abraça todos. Esta é Pelotas que estará representada no Festival Cabobu”, finaliza.
Expectativa do Festival
Para a produtora Sandra Narcizo, a expectativa em torno do festival é grande, principalmente após mais de duas décadas de espera. “Acredito que o fato deste festival ter um hiato de 23 anos, para quem conhece e espera há tanto tempo a expectativa seja muito grande, para a nova geração que ouviu falar e aos que agora estão se inteirando do evento, cria-se uma expectativa muito maior, ao mesmo tempo em que estamos tendo o maior cuidado para entregar todos os aspectos das áreas da cultura preta”, pontua.
Ela também detalha que o evento vai muito além do eixo musical, tendo espaços até mesmo para o empreendedorismo. “Não é um festival comum, já que a programação envolve shows musicais, dança, mesas redondas, oficinas, e uma feira do empreendedorismo do povo preto, que envolve alimentação, vestuário, artesanato, projetos ecológicos, projetos da educação, da música, porque esta feira é feita pelos próprios construtores deste evento, então, a população determina o que quer mostrar neste espaço cultural e social”, detalha.
Nesta edição, o projeto concorreu a um edital lançado pela Natura, que hoje apoia o evento. “Quando abriu o Edital da Natura em 2021, submeti o projeto, que foi selecionado entre os 3720 projetos enviados por todos os estados brasileiros, e, entre os 33 selecionados, estávamos entre os sete festivais brasileiros. A partir disso, submeti à Pró Cultura no sistema da Lei de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul e também fomos contemplados, com o mérito de ser considerado prioritário para o RS”, explica.
Sandra também faz seu agradecimento especial à Pró Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) pela parceria que abraçou o evento. “Muito felizes com essa parceria que não pode faltar”, diz.
Cerca de 50 mil pessoas são esperadas em toda a instalação do parque cultural Cabobu, que mobilizará o Centro Histórico de Pelotas.
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COMENTÁRIOS
Informações extremamente necessárias, pois contribuem para a ampliação e esclarecimentos sobre as vivências dos povos africanos e suas respectivas obras de arte, constituídas no saber histórico.
Elizabeth Morais
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Vai ter grupo organizado partindo de Porto Alegre para o evento?
Joana
Resposta:
A organização está fazendo contatos para conseguir descontos para quem vir de outras cidades. As novidades serão divulgadas nas redes sociais e este é o link para a página do Facebook do evento: Festival Cabobu.
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A programação de shows já está definida? Seria possível adiantar nomes já confirmados?
Roberto
Resposta:
Deveremos publicar uma nova reportagem com os destaques da programação em datas mais próximas do evento! Muito obrigado pela sua leitura do site Arte no Sul!
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