Em um país cuja história oficial tentou apagar os povos originários, a moda indígena surge como um grito de resistência
Por Vanessa Oliveira

Ana Paula Tenhfú da Silva e Kellen Kamin da Silva vestem os grafismos do povo Mehinako e Ariadiny Kaingang está usando as roupas com grafismos de sua cultura de origem
Quando pensamos ou ouvimos falar em moda, a primeira coisa que imaginamos é, look do dia, tendências, grifes, desfiles e afins. A moda vai muito além disso, ela também é expressão, resistência e identidade. É nesse universo da moda como ferramenta de expressão e resistência que nasce a coleção “ÉG | AITSU | NÓS”, da marca gaúcha Moldô Moda Autoral e Arte.

Carolina Biberg Maia contou com artistas indígenas para criar coleção de roupas Foto: Fábio Alt
Fundada pela gestora cultural Carolina Biberg Maia, em colaboração com artistas indígenas como Ontxa Mehinako e Ariadny Kaingang, a coleção une ancestralidade, arte e economia criativa. Mais do que roupas, as peças carregam histórias, saberes e símbolos dos territórios e povos que representam.
“Essa ideia nasceu do desejo de apresentar e valorizar a arte indígena do Rio Grande do Sul e do Brasil, mas também com um olhar muito atento ao impacto social e ao fortalecimento da economia criativa local”, explica Carolina. Com formação em Artes Visuais e especialização em Patrimônio Cultural, Carolina é uma referência no fomento aos chamados “territórios criativos”, espaços nos quais tradição, inovação e empreendedorismo se encontram para transformar a realidade.
A ideia da coleção surgiu a partir das experiências de Carolina como gestora pública no Programa RS Criativo, iniciativa com objetivo de ampliar a visibilidade e as oportunidades para empreendedores criativos pretos, pardos, indígenas, quilombolas, ciganos, pessoas trans e com deficiência. Hoje com a Moldô, ela promove um movimento cultural, que conecta artistas visuais, artesãos e designers em criações autorais que respeitam os saberes tradicionais.
O lançamento da coleção ocorreu no mês de fevereiro no espaço cultural Casa Baka, em Porto Alegre, com apoio da Escola Fluxo e da marca Regis Duarte. Participaram também artesãs locais como Rita Zanfra com suas aquarelas; Mara Roxo e seus crochês; e Juciara Dantas com perfumes inspirados na natureza.

Lançamento da Coleção ÉG | AITSU | NÓS no dia 25 de fevereiro em Porto Alegre Foto: Fábio Alt
“Me senti muito emocionada e honrada ao ver os grafismos do meu povo representados na moda. É uma sensação difícil de explicar, mas que enche meu coração de orgulho. Cada traço carrega história, identidade e sabedoria dos nossos ancestrais, então ver isso ganhando visibilidade é muito importante e especial”, relata Ariadny Kaingang, de 19 anos, assistente administrativa e uma das artistas participantes da coleção. Ela acredita que compartilhar a cultura Kaingang por meio da arte é uma forma de resistência e conexão. “É mostrar que estamos presentes, que temos voz, e que a nossa cultura tem beleza, força e significado. É manter viva a memória do meu povo e fazer com que outras pessoas conheçam e respeitem o que somos.”

Ariadny Kaingang participou da criação artística da coleção Foto Fábio Alt
O povo Kaingang é um dos maiores povos indígenas da região sul do Brasil, com presença significativa nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Falam a língua Kaingang e mantém uma forte relação com a natureza, a ancestralidade e os saberes tradicionais. Os grafismos do povo Kaingang, por exemplo, carregam significados ligados à dualidade sagrada entre o sol e a lua. Elementos fundamentais da cosmologia do povo.
O artista Ontxa Mehinako, de 34 anos, da etnia Mehinako do Alto Xingu (MT), é estudante de Administração de Sistemas e Serviços em Saúde na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Para ele, ver os traços de sua cultura ganharem espaço no vestuário é motivo de orgulho. “A moda é uma forma poderosa de expressão. “Ver grafismos e elementos culturais ganhando espaço nesse universo é uma maneira incrível de contar histórias visuais e manter tradições vivas e poder compartilhar a cultura do meu povo através da arte significa conectar gerações, transmitir valores e mostrar ao mundo a riqueza das influências que moldam nossa identidade.”

Ontxa Mehinako vê com entusiasmo grafismos do seu povo no design de moda Foto: Fábio Alt
O povo Mehinako vive na região do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso, e faz parte do Parque Indígena do Xingu. Sua cultura é marcada por rituais tradicionais e por uma rica produção artística que inclui cerâmicas, grafismos corporais e cantos sagrados.
Iniciativas como a ÉG | AITSU | NÓS mostram que moda também é território. Um território onde o tecido vira memória e onde vestir-se é, antes de tudo, uma forma de existir – com orgulho, beleza e identidade. Para conhecer mais sobre a marca e os artistas, acesse @moldoarte no Instagram.

Grafismos da cultura Mehinako estão presentes nas peças
COMENTÁRIOS
Acho incrível o colorido da Arte Indígena. Parabéns Carolina!
Paulo Fernando Macluf Biberg
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