Por meio do grafite, jovens com Síndrome de Down encontram uma forma única de expressão, conquistando autonomia, pertencimento e mostrando ao mundo uma poderosa ferramenta de inclusão e transformação social
Por Bruna Garcia e João Victor Rodrigues

Integrantes do Graffiti Down, aprendendo técnicas e fortalecendo laços de amizade
O grafite, que um dia foi considerado mera rebeldia nas ruas, hoje se torna símbolo de resistência, uma linguagem capaz de se comunicar com todos, independentemente de sua origem ou condição. Nas décadas de 1960 e 1970, quando o grafite surgiu nas ruas de Nova York, ele carregava em sua essência a voz de uma juventude periférica, excluída e silenciada. A tinta nas paredes era um grito, um manifesto que ecoava pelas avenidas, como se o mundo tivesse que ouvir o que aqueles jovens tinham a dizer.
Hoje, essa mesma arte, que em outros tempos era marginalizada, é celebrada mundialmente, transcende fronteiras, culturas e gerações. No Brasil, grafiteiros como Eduardo Kobra e Os Gêmeos levaram as cores vibrantes de suas obras para as galerias mais prestigiadas do mundo, mas, para alguns, o grafite não é apenas sobre estética. É sobre dar voz a quem o sistema tenta calar.
Em Pelotas, Gabriel Veiz encontrou no grafite a sua forma de expressar a dor, a revolta, mas também a beleza. Nascido e criado na cidade, Gabriel se perdeu e se reencontrou na arte. Seus primeiros traços, nas ruas, eram uma forma de desafiar a vida, de colocar para fora tudo o que o mundo tentava impor. Mas, com o tempo, ele percebeu que o grafite poderia ser mais que um grito de resistência. Ele poderia ser uma ponte de conexão, uma ferramenta de transformação. Foi inspirado por seu irmão Eduardo, que tem Síndrome de Down, que Gabriel decidiu criar o projeto Graffiti Down.
O Graffiti Down não se trata apenas de um projeto com o objetivo de ensinar técnicas de spray, mas sim de criar e oferecer um espaço em que jovens com deficiência possam se sentir pertencentes, vistos e, o mais importante, reconhecidos. Mais do que muralistas, esses jovens são poetas de cores, que têm uma história para contar ao mundo, uma história de superação, de luta, de identidade.

Gabriel Veiz, criador do projeto Graffiti Down, usando a arte como forma de expressão e inclusão
“Eu comecei a grafitar porque sentia que precisava me expressar. Mas hoje, o grafite é minha forma de dar algo para o outro, de transformar a vida de alguém. O Graffiti Down é minha forma de devolver para a comunidade tudo o que a arte me deu”, diz Gabriel. “Minhas artes podem ser encontradas em lugares como BGV, Dunas e Pestano, onde as paredes falam com as pessoas de uma forma diferente. Eu sempre quis levar a arte para as comunidades mais carentes, assim como ela mudou minha vida, como aqueles lugares me acolheram, hoje eu tento mudar a vida de outros. O grafite, pra mim, é uma maneira de ajudar a transformar realidades, de dar a quem não tem voz, a chance de ser visto, de se expressar e, quem sabe, até de sonhar mais alto.”
Gabriel Veiz tem obras expostas em festivais de arte de rua no Brasil e na Europa. Seu trabalho é uma fusão única de letras estilizadas e elementos do graffiti europeu, influenciado tanto pelo concretismo quanto pelo abstracionismo geométrico, criando uma linguagem visual que dialoga com diversas formas de expressão artística. Essa experiência internacional enriqueceu ainda mais sua visão sobre o grafite e sua missão com o projeto, levando a arte além das fronteiras pelotenses.
“Ver esses jovens com Síndrome de Down se expressando, cada um com suas cores, suas formas, seus sentimentos… Isso é mais que arte. É a oportunidade de ser ouvido quem, muitas vezes, é silenciado, ” (Gabriel Veiz)
Para fortalecer a conexão dos jovens com o meio artístico, o projeto realiza visitas a galerias de artes e exposições, proporcionando não apenas o aprendizado de novas técnicas, mas também a inserção dos participantes em um cenário cultural amplo, em que podem trocar ideias com outros artistas. E, entre as tintas e os sprays, Gabriel destaca que não vê seus alunos como apenas integrantes do projeto, mas como amigos, e que o Grafitti Down vai além das pinturas. “A gente se diverte junto. Saímos para beber, fazer rolê, dar risada, assistir ao pôr do sol, nós vamos juntos para algumas galerias de arte quando tem alguma exposição na cidade, essas são algumas das atividades que fazemos além das aulas. A gente compartilha a vida, eles são meus amigos!”, conta Gabriel, com uma risada sincera. “O que mais me faz feliz é ver que, para eles, a arte não é só um hobby.” Ele observa com orgulho o desenvolvimento de seus alunos, vendo a arte se tornar algo muito mais profundo e significativo em suas vidas.
O impacto do Graffiti Down vai além das paredes da cidade. Ele se reflete na transformação que ocorre dentro de cada participante, que, por meio da arte, aprende a se colocar no mundo, a se sentir parte de algo maior. Cada obra é uma metáfora de superação, um grito silencioso de quem conquistou, finalmente, um espaço de fala. Quando esses jovens criam, eles não estão apenas desenhando; estão redefinindo seu lugar no mundo. Estão dizendo que não serão mais ignorados. O Graffiti Down tem sido uma revolução silenciosa. Não apenas nas ruas de Pelotas, mas na alma da cidade, na mente de cada jovem que teve a chance de dar o seu toque pessoal ao mundo. A arte, que antes era apenas uma forma de protesto, hoje é um ato de inclusão, de amor e de aceitação.
“Muita gente nos procura pra falar sobre o projeto somente perto de datas simbólicas como o Dia Internacional da Síndrome de Down. Mas não é isso que queremos, não é isso que precisamos, eles são pessoas normais dentro dos seus limites. Eles namoram, vão a festas, curtem a vida e não merecem ser lembrados somente em um único dia do ano” (Gabriel Veiz)
Cada participante do projeto tem a sua história, São histórias que falam mais alto que qualquer palavra, expressões que não precisam de justificativas. E ao fazer isso, o Graffiti Down não só transforma o espaço físico, mas redefine o que significa inclusão. Ele transforma a cidade, os corações e as mentes daqueles que, muitas vezes, são invisíveis.
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