Obra valoriza a arte de mulheres negras da região Sul

Por Gabriella Cazarotti     

E-book “Do Fogo que Arde em Nós” registra poeticamente vivências de autoras gaúchas    

A pesquisa de mestrado de Ediane Oliveira rendeu muito mais do que conteúdo acadêmico. A jornalista e militante dos movimentos negros percebeu que o material que ela vinha estudando desde 2019 era poético e valioso, uma escrita potente o suficiente para virar algo a mais. Um e-book de “escrevivências”. A partir dos seus estudos, a pesquisadora percebeu a importância da escrita poética como expressão da identidade e o resultado mais recente foi a publicação “Do Fogo que Arde em Nós”, com livre acesso na internet.

Este projeto surge conectado à pesquisa de mestrado de Ediane em Antropologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O princípio do projeto era registrar a vivência de mulheres negras. “Eu estava estudando epistemologia e experiências de mulheres negras em Pelotas e um dos métodos que eu utilizei foi o método da ‘escrevivências’, termo cunhado pela escritora Conceição Evaristo. Esse método é utilizado dentro das Ciências Humanas para pensar a experiência vivida por mulheres negras”, explica a jornalista.

Entretanto, o que Ediane registrava ia além de academicismos com a poesia do que era dito e escrito. A arte contida nas palavras era muito forte para passar despercebida. A jornalista sempre teve mais afinidade com a área de Jornalismo Cultural, e soube identificar o conteúdo artístico que estava escrevendo. “Ao longo do processo do mestrado, eu comecei a perceber a potência dessa pesquisa. A construção desse estudo foi se transformando em uma reunião de ‘escrevivências’ de algumas mulheres muito referenciais para mim aqui na cidade de Pelotas.”

A experiência de pesquisa da jornalista se transformou em um projeto cultural, buscando dar visibilidade a outras expressões identitárias e poéticas. Em 2020, com a pandemia, Ediane resolveu escrever o projeto na categoria literária do edital diversidade das culturas da Fundação Marcopolo com o apoio da lei Aldir Blanc. Com o recurso que recebeu, pode dar início ao e-book que visa valorizar e divulgar as obras poéticas de mulheres negras.

O título do projeto é o mesmo da dissertação e ele se conecta diretamente com um poema da autora Conceição Evaristo que fala sobre “o fogo que arde”. Ediane logo relacionou a palavra “fogo” com o ato de resistência do povo negro. “O mercado editorial exclui as escritas negras, Conceição Evaristo foi uma autora que levou muito tempo para ser reconhecida dentro do espaço da literatura nacional, esse é um ponto que sempre me chamou muita atenção, como o racismo atravessa todas as estruturas da sociedade, inclusive os espaços da arte”, conta a autora.

Ediane Oliveira, organizadora e idealizadora do projeto literário

O processo de escolha das autoras e dos poemas foi feito por Ediane, que já possui experiência em curadoria com outros projetos que participa, como a revista de literatura Mandinga. Houve uma chamada pública de escritoras negras de todo o estado do Rio Grande do Sul, e em seguida, Ediane aplicou critérios para contemplar a arte de quatro autoras para participar do e-book “Do Fogo que Arde em Nós.” As participantes desta edição são Agnes Mariá, Claudia Daiane Garcia Molet, Eliana Marah e Pérola Negra.

A pesquisa não termina no e-book. Os próximos passos do projeto é um dos maiores desejos da organizadora, transformar o material on-line em livro físico e abranger mais pessoas. No site do projeto, o conteúdo de todas as escritoras que se inscreveram para participar do e-book será divulgado, para que todas tenham visibilidade em suas escritas.

Para a jornalista, a produção de literatura feminina negra no Brasil está passando por um grande processo de mudança. Um momento de visibilidade, fruto de uma resistência do movimento negro que lutou para ocupar esse espaço. Entretanto, nem tudo está resolvido, Ediane ainda acredita que os espaços de publicação editoriais de mulheres negras ainda são restritos e seletivos por parte das editoras. “O que se pode fazer para apoiar e viabilizar a existência de escritoras no Brasil são mais fomentos públicos para que se tenha de fato a valorização das produções artísticas. Que essas mulheres recebam conhecimento, não apenas simbólico, mas financeiro, pois viver de poesia não é fácil no Brasil.”

O e-book pode ser acessado neste site e os próximos passos do projeto podem ser acompanhados pelas redes sociais.

 

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