Minissérie expõe feridas raciais

Por Nathalia Farias

História retoma questões antigas que continuam mais vivas do que nunca

Personagem dos quadrinhos é reverenciado por outros heróis da ficção e do mundo real

A questão racial nos Estados Unidos deve ser um dos temas principais de “Falcão e o Soldado Invernal” (“The Falcon and the Winter Soldier”), a minissérie criada para o Disney+ por Malcolm Spellman, baseada nos personagens da Marvel Comics Sam Wilson/Falcão e Bucky Barnes/Soldado Invernal. A primeira temporada foi lançada no dia 19 de março. A produção não só coloca um dos (poucos) heróis negros como protagonista – Anthony Mackie como Sam Wilson/Falcão – como discute essa pouca representatividade no próprio roteiro.

 

Atores Sebastian Stan e Anthony Mackie fazem os personagens protagonistas         Imagem: Divulgação

No segundo episódio, um personagem que foi criado nos quadrinhos, justamente como uma crítica a esse ponto, foi apresentado à trama. O personagem Isaiah Bradley, vivido por Carl Lumbly, lutou na Segunda Guerra Mundial. Buscando recriar o super soro que transformou Steve Rogers no Capitão América, o exército norte-americano selecionou 300 soldados negros como cobaias. Para acobertar os testes, o governo americano executou o pelotão inteiro, do qual retirou os soldados e informou às famílias nos EUA que todos – incluindo aqueles que passariam pela experiência – morreram em combate. Entre esses selecionados, apenas cinco sobreviveram aos experimentos, incluindo Isaiah, com o soro causando deformidades em alguns deles.

 

O personagem Isaiah Bradley lembra o triste episódio do estudo de Tuskegee               Imagem: Divulgação

O enredo é inspirado em um episódio real: o Estudo da Sífilis não Tratada de Tuskegee, um experimento médico que envolveu 600 homens negros e foi conduzido sem o benefício do consentimento informado dos pacientes – e muitos inclusive tiveram danos cerebrais devido à pesquisa. Em 1932, o Serviço de Saúde Pública e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA firmaram parceria com o Instituto Tuskegee, uma universidade predominantemente negra, para testar os efeitos prolongados da sífilis em homens negros. Seiscentas pessoas foram selecionadas para o estudo de Tuskegee, sendo 399 infectadas sem saber pela sífilis, com 201 homens não infectados servindo como grupo-controle. Eles foram usados como cobaias para monitoramento e o estudo só foi encerrado nos anos 1970.

Nos quadrinhos, Isaiah se torna uma lenda na comunidade negra. Heróis negros personificados como Luke Cage, Pantera Negra e Tempestade o reverenciam. Personalidades das áreas política e cultural do mundo real, como Malcolm X, Mandela, Angela Davis e outros também. Outros super-heróis e produções também já fizeram duras críticas nesse sentido: Luke Cage, outro super-herói do universo da Marvel, ganha seus poderes na cadeia por meio de experimentos com o mesmo soro.

Por irônica coincidência e para nossa infelicidade como brasileiros, no mesmo dia em que Isaiah foi apresentado na série, a apresentadora e cantora brasileira Xuxa declarou que era favorável a usar pessoas encarceradas como cobaias para experimentos de remédios e vacinas pois “pelo menos eles serviriam pra alguma coisa”.

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