Diversidade de ideias em mostra cinematográfica

Por Thiago Lehn

Festival Levante trouxe animações, curtas, memórias e muitas propostas

O Festival Levante ocorreu em março divulgando e debatendo filmes independentes. O evento ocorreu no Youtube  e mantém uma página no Facebook . A sua Mostra Retrospectiva foi uma das atrações que contou com homenagens. Já as mostras voltadas para cinema de animação tiveram a participação de cineastas com origens diversas em debates sobre seus filmes produzidos. Entre as mostras de curtas puderam ser conferidas propostas criativas e como estão surgindo novos talentos entre as produções de cinema independente. Também houve a Mostra Paralela, com filmes já em circulação.

Mostra Retrospectiva

A Mostra Retrospectiva teve uma conversa mediada pelo professor de cinema da UFPel Roberto Cotta, que rememorou a obra do cineasta pernambucano Felipe André Silva, com sete curtas e dois longas, além de seus trabalhos como crítico e curador de cinema. Ao longo da live, os assuntos variam sobre os aspectos mais comuns aos seus filmes, suas referências e sobre a vontade de produzir sobre cinema sempre. A obra “Diálogo” tem grande destaque durante toda a apresentação. “Já me disseram que a minha obra tem dois temas: Amor e falta de amor”, conta o realizador.

Mostras animadas

Para a primeira mostra animada, os participantes convidados foram: Jaime Campos (diretor e realizador de “O D.uelo”), Marco Arruda (diretor de “Magnética”) e Vivian Altman (diretora de “Tandem”).

Jaime Campos é estudante do curso de animação da UFPel. O curta “O D.uelo” partiu de uma escolha pessoal dele e roteirizado em conjunto com a equipe de colegas. A ideia de fazer um filme de caubói veio da inspiração nos westerns que também fazem parte da história de convívio do diretor com o seu pai.

Marco Arruda conta que seu filme “Magnética” é um projeto de dez anos. A película traz uma colagem de muitos filmes admirados pelo mesmo e que, através da animação e sonorização, busca trazer uma experiência diferente a quem assiste, uma viagem audiovisual muito impactante. O projeto do seu curta pensou em como utilizar diversas técnicas, tais quais o desenho a mão, a animação 2D e 3D e tem inspiração em filmes que misturam o live action com a animação ao estilo de “Roger Rabbit”.

Formada na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, em 1985, Viviam Altman desde então trabalha com animação entre idas e vindas da profissão. Trabalha com filmes autorais desde 2000. A diretora conta que o projeto do curta estava na gaveta há muito tempo, falando sobre o relacionamento entre um homem e uma mulher. Usando uma boneca de tecido produzida por amigas e seus recursos de animação, o projeto tomou forma.

Segunda Mesa sobre Animações

Para a segunda mesa de conversa sobre animações os realizadores convidados foram: Alex Sandro (diretor de “Subnews”), Ana Paula Romero (diretora de arte de “Vida Dentro de um Melão”) e Marcos Buccini (diretor de “Nimbus”).

Alex Sandro é diretor amador, trabalhava com fantoches em apresentações em hospitais, entre outras atividades. Percebeu porém que seu filho Gabriel era apaixonado por filmes. Por conta de seu autismo, o menino se concentrava muito nas histórias e, assim, o pai viu nisso uma chance de se conectar mais ainda com o filho. A história de “Subnews” é toda passada com uma animação stop motion dentro de um submarino em apuros e contou com a dublagem do próprio Gabriel. “Eu não tenho experiência com os filmes, festivais e tudo mais, porém já estou montando uma equipe para após a quarentena produzir filmes mais profissionais”, diz o diretor empolgado com o resultado do seu filme.

Ana Paula Romero é diretora de arte e animadora do projeto “Vida dentro de um melão”, o filme é uma obra idealizada e realizada pela diretora Helena Frade, baseada em matérias de filmagens feitas desde a infância com lembranças da moradia com os pais e avós, usando bonecos com fios de nylon. A obra foi realizada na Universidade Federal de Juiz de Fora, porém com o tom remodelado após a perda do avô de Helena.

Diretor de “Nimbus”, Marcos Buccini, teve de uma vez a ideia do curta quando fora convidado a produzir um clipe da música “Tempestade”, da banda Cordel do Fogo Encantado. O objetivo era fazer uma fábrica de chuva no céu. O plano acabou não acontecendo por falta de estrutura, mas ficou no pensamento essa inspiração. Marcos reformulou o projeto para um curta e o submeteu três vezes ao edital Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura. Foram dez anos para o projeto ficar pronto. Ao fim rodou apenas em festivais on-line e o diretor conta: “É muito legal, porque muita gente, que não veria, agora tem acesso. Mas, eu, por exemplo, nunca vi o filme na tela grande, isso faz falta”, lamenta.

 

 

História de “Subnews” ocorre em submarino e foi feita em animação stop motion por Alex Sandro  

Terceira roda de debates da mostra animada

A terceira e última roda de debates da mostra animada contou com Ralph Friederick, diretor de “Aventuras e Desventuras de Gregor na Cozinha”; Alanis Machado, diretora de “Algum Espaço de Conforto”; e Jefferson Nascimento, diretor de “A inveja de Cléber e um Cigarro no Banheiro”.

Ralph Friederick é graduado na Universidade Mackenzie, de São Paulo, e dono da produtora Matriz Filmes. Coordena oficinas com crianças de diversas classes sociais. Observando as oportunidades, o realizador se propôs a fazer uma animação que usasse recursos acessíveis como um celular Android, um software gratuito de edição e luzes básicas. A animação se passa em uma cozinha e traz referências aos personagens bíblicos Davi e Golias, mas, principalmente, à novela “Metamorfose”, de Franz Kafka.

A diretora Alanis Machado é estudante de cinema da Unespar e conta que o seu filme surgiu de uma motivação de produzir filmes durante a quarentena. O projeto se utiliza da internet, a tela de um computador e tem o jogo Minecraft como cenário, além de cenas de anime para ilustrar e contextualizar.

O estudante de animação da UFPel Jefferson Nascimento realizou seu filme em parceria com colegas para uma cadeira de animação 3D. Com um roteiro experimental, a obra trata do tema da inveja tendo como protagonista um pássaro. “Eu gosto muito de fazer coisas que ainda não tentei. Sou contra coisas ditas como impossíveis de fazer”, conta o diretor.

Mostra Levante

Os convidados da primeira live da Mostra Levante foram: Vitor Senra (produtor de “O Último Cinema de Rua”) Bruno Maciel (diretor de “Dez Conto”) e André Diniz (diretor de “Rebolation”). Bruno Maciel gravou um filme caseiro com seus amigos com um roteiro simples, uma briga por dez reais. O objetivo era fazer um filme de ação que usasse a violência, o humor e a câmera em movimento. Defensor de um cinema popular, o diretor quer não só que todos entendam os seus filmes, mas que também se divirtam.  

Vitor Senra relata que o filme “O Último Cinema de Rua” surgiu do projeto de TCC do diretor Marçal Vianna que tratava dos cinemas da cidade de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. Nisso surgiu a ideia de gravar um filme que homenageia a cidade, os lugares e os artistas da sua comunidade.  “A gente quis demonstrar de uma forma honesta e real, porém com uma luz e uma reflexão”, conta o produtor.

O projeto de André Diniz, “Rebolation”, nasceu de uma disciplina da faculdade e da sua vontade de falar da internet nas produções de cinema, de forma mais condizente com a realidade do mundo virtual. O filme usa as imagens do Youtube e prova a força da memória dessa plataforma nas novas gerações.

Cena do de “O Último Cinema de Rua” que homenageia os lugares e os artistas de Nova Iguaçú

A segunda live contou com Fernando Marques (diretor de “Aquela Noite”), Lucas Martins (diretor de “À beira do Gatilho”) e Clara Henriques (codiretora de “Quarta – Dia de Jogo”). Lucas passou para a tela a visão e noção de uma Manaus urbana não muito vista no cinema, como disse um dos curadores. O diretor planejou o filme sob uma estrutura das narrativas policiais, mais especificamente no subgênero dos filmes de detetive particular. Foi o seu primeiro projeto com orçamento, pois foi contemplado em um edital da Lei Aldir Blanc. Com relação às ambientações e montagens, o cineasta comenta que esses filmes sempre têm ambientes como pontes, postes e que, observando à sua volta, ele via elementos semelhantes na sua cidade e teve assim a visualização mental do que faria.

Fernando teve o desafio de produzir o seu filme “Aquela Noite”, com atores interagindo durante a pandemia do novo coronavírus. Por isso, aproveitou a chance para incluí-la em cena, com máscaras e tudo mais. Porém a pandemia não é o tema da obra. A violência e a antítese entre dois personagens centrais movem a narrativa por completo. “Eu pensei o filme como duas histórias diferentes que se completassem”, descreve o diretor.

Clara Henriques dirigiu seu filme, “Quarta – Dia de Jogo”, conjuntamente com Luiza França, sua colega. A realizadora conta que a inspiração do filme surgiu de um livro lido na faculdade sobre música brega. Surgiu aí a inspiração da cultura popular não elitizada das décadas passadas, por isso, o rádio tem função predominante no filme, além de elementos de futebol.

Para a última transmissão da mostra levante de curtas live action os convidados foram Erick Ricco (diretor de “Disneyloka 2093”), Larissa Muniz (diretora de “Ela viu Aranhas”) e Gabriel Borges (diretor de “Eu te amo, Bressan”).

Erick dirigiu “Disneyloka 2093”, que brinca com o formato de filmes super oito. A gravação ocorreu em localidades periféricas da cidade de Barcelona no período em que morava na Espanha. Durante a pandemia, resolveu produzir um filme que prestasse homenagem aos suportes analógicos do cinema. Usa materiais de arquivo e cria uma história distópica, que brinca com a ficção científica que lhe inspira muito.

Larissa produziu o filme “Ela Viu Aranhas”, que trabalha com algumas mulheres com personalidades distintas. “O filme tem uma base de cinema feminista, eu quero dialogar com uns filmes dos anos 1970 e antigas teorias”, diz a diretora. Por razões diferentes, as personagens se confinam em um prédio, onde se passa toda a história. A relação entre elas e com o seu ambiente busca conversar com os conceitos de bolhas sociais e ideológicas.

Sendo um dos integrantes da “Coco Filmes”, Gabriel participa do festival com o filme “Eu Te Amo, Bressan”. Fala sobre o término de um relacionamento e conta com artifícios diferentes do cinema de roteiro, com tons e dinâmicas de diálogos inovadores. Trata das diferentes fases da vida e como se encontrar em novos lugares. É um filme leve e bem-humorado.

Mostra Paralela

A Mostra Paralela foi uma atração do festival que contou com a apreciação de filmes não tão recentes e que já estavam em circulação. Para essa apresentação foram convidados o João Folha (diretor de “Ainda Somos os Mesmos na Memória do Passado”), Pedro Tavares (diretor de “Não se Pode Abraçar uma Memória”), Duda Gambogi (diretora de “Endless Love”), Lincoln Péricles (diretor de “Filme de Domingo”), Bruna Castro e Bruna Barros (diretoras de “A Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente”) e Rebeca Francoff (diretora de “Comboio pra Lua”).

João conta que usou no seu filme câmeras, filmagens e materiais que estavam em casa pegando pó. E resolveu dar vida às memórias, justamente por conta de um momento nostálgico que o diretor estava passando.

Pedro, ao gravar o seu filme “Não se Pode Abraçar uma Memória”, disse que originalmente o pensou com duas pessoas e suas relações, porém depois da morte de Eli Hayes, grande cineasta e amigo pessoal, o diretor resolveu fazer um filme baseado na obra de Eli. Usou imagens de arquivos,  somadas à sua ideia original de uma trama que falava de ruptura, usando texturas e composições. “Acabei fazendo um filme sobre o fim do filme em película e o início do digital, mas que se relaciona com o fim da vida de certo modo”, relata o diretor.

Duda nasceu em Belo Horizonte. Vindo a ser estudante no Rio de Janeiro, tornou-se uma apaixonada pelos karaokês e o seu poder de unir as pessoas com a música. O filme “Endless Love” trata dessa realidade e da construção de uma coletividade.

“Filme de Domingo” trata da temática da solidariedade diante do sofrimento do luto

Lincoln apresenta  a sua produção como filmes da quebrada, produzidos por ela e muitas vezes sobre ela. Seu “Filme de Domingo” passa pela temática da união após a perda de uma pessoa próxima. E mostra a solidariedade de alguns parentes para simbolizar que a história de quem fica deve seguir, sempre com união e muito amor.

Rebeca gravou o seu filme “Comboio pra Lua” quando foi selecionada para uma bolsa de estudos em 2018, ao mudar-se para Portugal. O curta era um exercício de documentário e que só foi terminado na sua volta para o Brasil ao ingressar na UFPel. A diretora diz que, quando estava na Europa, viu-se diante da macro política e a quebra da visão do Primeiro Mundo. Ela reparou o fascínio dos estrangeiros com relação ao Brasil e, ao longo da realização do trabalho, foi descobrindo personagens e personalidades diferentes. É um filme que fala de distância e saudades.

As diretoras Bruna Castro e Bruna Barros contam que o projeto “A Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente” foi feito durante a pandemia. Mas seu processo é alheio ao período por ser um filme com imagens de arquivo. Trata dos afetos e relações com as mães das diretoras. Produzido pela Universidade Federal da Bahia para uma cadeira de produção de documentário, a obra, assim como as demais da mostra, também se relaciona com afeto, relações humanas e memória.

Veja mais em “Festival Levante Divulga Cinema Independente”

Entrevista com os realizadores do evento.

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