Com Diana e Thatcher, The Crown tem quarta temporada

Por Milena Schivittez

Drama biográfico retorna com ar mais crítico e politizado no streaming

Não há como negar que desde o início do reinado de Elizabeth II, em 1953, a monarquia britânica virou um espetáculo televisivo. São décadas e décadas acompanhando a família real através das câmeras em seus casamentos luxuosos e divórcios, em nascimentos e funerais, mas nunca de forma crua e realista. 

“The Crown”, a série mais cara da Netflix, chegou neste mesmo formato, acompanhando o início da trajetória da rainha da Inglaterra, expondo alguns escândalos, mas ainda tímida ao fazer críticas aos membros da realeza. Ao longo das primeiras três temporadas, a série de Peter Morgan vai crescendo, mas não o suficiente para “cutucar a ferida”. Até agora.

A tão aguardada quarta temporada estreou dia 15 de novembro e com duas importantes adições à história, Lady Diana Spencer, interpretada por Emma Corrin e Margaret Thatcher, interpretada por Gillian Anderson. A temporada também será a última de Olivia Colman no papel de Rainha Elizabeth, Helena Bonham Carter como Princesa Margaret e Tobias Menzies como Príncipe Philip.

Agora ambientada nos anos 80, a nova fase começou focando no fato de haver, pela primeira vez na história da Inglaterra, uma chefe de Estado e uma chefe de governo, ambas mulheres, dando uma falsa ideia de que haveria uma romantização do thatcherismo e da relação entre a rainha e a primeira-ministra. Porém, logo na primeira reunião semanal entre a soberana e a governante, Thatcher afirma que não acredita que mulheres são aptas a exercer cargos importantes. 

                    A atriz Emma Corrin está no papel de Diana, a princesa de Gales                   Foto: Reprodução/Netflix

Essa é só a primeira das diversas falas preconceituosas e sem fundamento que Margaret profere ao longo dos 10 episódios. Inclusive, a própria representação da Gillian Anderson já nos apresenta um desconforto, com trejeitos e entonações caricatas que já causam estranheza a imagem de Thatcher. Durante a temporada, Morgan não se intimidou em mostrar que a primeira-ministra foi responsável por aumentar os índices de desemprego, apoiar o apartheid e governar a favor de seus interesses pessoais e de membros de sua família.

Contudo, Thatcher não foi a única a receber críticas nesta temporada. A mesquinharia, soberba e até mesmo crueldade dos membros principais da família real foram abertamente mostradas, com destaque para o segundo, sétimo e nono episódios.

Lady Di
Um dos maiores acertos da temporada foi a Lady Diana interpretada por Emma Corrin. A interpretação de Corrin, junto com a construção de personagem de Morgan, fizeram questão de humanizar ainda maia figura de Diana Spencer, que já era adorada tanto na Inglaterra quanto fora. Foram abordados seu transtorno alimentar, a forma como era tratada dentro da família, a infelicidade no casamento, a infidelidade de Charles e a própria infidelidade, a solidão, a maternidade e o carinho que recebia das pessoas como seu conforto e refúgio. A performance de Corrin chegou a ser elogiada pelo biógrafo de Lady Di.

               Gillian Anderson encarna Margaret Thatcher: proeminência política                   Foto: Reprodução/Netflix

O mesmo aconteceu com a Princesa Margaret que, desde a primeira aparição, tem sido mostrada como a principal prejudicada por todas as ações feitas em nome da Coroa. Helena Bonham Carter, repetindo o feito da temporada anterior, rouba a cena em episódio dedicado a falar dos quadros depressivos que a irmã da rainha enfrentava.

Olivia Colman, em seu último ano como Elizabeth II, até então tinha apresentado uma nova faceta à rainha, a do conformismo. Até a segunda temporada, a Rainha Elizabeth era representada como uma soberana que tentava, mesmo que na maior parte das vezes sem sucesso, equilibrar os interesses da Coroa com os pessoais e de sua família. Desde a mudança de fase, vemos uma rainha que cansou de dialogar por causas perdidas. E esta faceta continuou por alguns episódios, até chegar o momento do “embate” entre Elizabeth e Thatcher, no qual há um resgate dessa antiga característica da monarca. Colman também conseguiu encerrar sua passagem por “The Crown” de forma excepcional.

O ponto mais baixo desta temporada acabou sendo o pouco aproveitamento de Tobias Menzies, que também encerrou sua passagem pela série. Houve pouquíssimas cenas com uma presença relevante do Príncipe Philip, o que acabou reduzindo o personagem de Menzies à meia dúzia de comentários irônicos distribuídos em 10 episódios e não contribuindo para o desenvolvimento do personagem para as próximas duas temporadas. Jonathan Pryce, que irá assumir o papel na temporada seguinte, não terá muito no que se basear para construir o seu Duque de Edimburgo.

A quarta temporada de “The Crown” é, sem dúvidas, a melhor até então. Ela trouxe justamente o que faltava, uma posição menos favorável e uma interpretação mais críticas dos fatos abordados, mesmo daqueles que foram dramatizados para fazerem jus à narrativa. É uma temporada que não teve medo de mexer em situações desconfortáveis para as pessoas reais por trás dos personagens que ela representa, nem medo de apontar para situações que até hoje reverberam. São os primeiros passos para tornar essa série, que já caminha para o fim, na mais grandiosa entre as produções de streaming.

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