Documentário expõe as contradições do uso das mídias sociais e impõe reflexões sobre comportamento humano
Por Paulo Lopes Marques
O documentário “O Dilema das Redes” aborda a complexa relação entre os benefícios oriundos dos avanços da tecnologia e os problemas associados ao uso indiscriminado das redes sociais na internet. A obra é uma produção da Netflix e está disponível nesta mesma plataforma de streaming. O longa com a direção de Jeff Orlowski (diretor dos documentários “Perseguindo o Gelo” e “Em busca dos Corais”) tem a duração de 94 minutos e foi lançado no Brasil em setembro de 2020.
A produção é baseada em depoimentos reais de ex-funcionários de empresas como Facebook, Twitter, Instagram, Google, Gmail, Whatsapp, Youtube, Pinterest e outros aplicativos. Além das entrevistas, atores assumem um papel coadjuvante, encenando um enredo de uma família com dois filhos adolescentes que são usuários compulsivos destas plataformas tecnológicas. Interessante destacar a palavra usuário, pois ela aparece em um depoimento ao longo do filme que afirma que este termo é utilizado apenas por dois segmentos de indústrias para nominar seus clientes (o de drogas e o de internet), sugerindo o nível de atividade viciante que estaria atrelado ao uso excessivo e sem controle dos aplicativos de mídias sociais.
O protagonista de destaque no documentário é Tristan Harris, um ex-funcionário da área de designer do Google e que era responsável pelo departamento ético da empresa. Além de Harris, há vários outros depoimentos de ex-funcionários das múltiplas plataformas sociais, sendo que muitos deles exerciam cargos de direção nas empresas.
No transcorrer do documentário, os depoimentos dos profissionais vão se intercalando e atestando aquilo que os atores encenam na ficção, que é a dependência que as pessoas desenvolvem no uso das plataformas digitais, principalmente através do uso de smartphones.
Nas entrevistas, os especialistas das áreas de tecnologia afirmam que as plataformas foram criadas para facilitar a vida das pessoas e que, lá no início, não se imaginou os efeitos colaterais que poderiam causar. É inegável o avanço conquistado ao se pedir um carro de transporte ou uma refeição na porta de casa, o encontro de amigos e parentes que se havia perdido o contato, a união de pessoas em busca de doação de órgãos e outras formas de cooperação e solidariedade que se utilizam das redes. No entanto, os profissionais também não se furtam em questionar a gratuidade destes aplicativos. Embora não cobrem diretamente dos usuários pelo produto que oferecem, os próprios utilizadores são parte do produto. Com seus sistemas inteligentes composto por algoritmos, as plataformas conseguem monitorar os gostos e desejos das pessoas, seus pensamentos e movimentos e, desta forma, sugerem notícias, vídeos e, principalmente, publicidade de produtos e serviços, que são realmente quem financia as redes sociais e, não à toa, essas empresas de tecnologia estão entre as mais ricas.
Este monitoramento e manipulação das pessoas são demonstrados no documentário em forma de ficção, em que três administradores de mídias sociais exercem a função que seriam de algoritmos, instigando a todo momento o interesse dos usuários em se manterem conectados, aumentar o engajamento e, paralelamente, manterem-se vinculados às suas bolhas. O ser humano é comparado a um avatar, em que seu cérebro é condicionado à vontade de quem administra as mídias.
O documentário também dá voz a profissionais da área de psicologia, que expressam a preocupação com a dependência das pessoas estarem conectadas o tempo todo às redes, sobretudo os mais jovens e os adolescentes. Sentimentos de ansiedade, frustações, diminuição de autoestima e depressão são alguns dos efeitos danosos causados e que, em casos extremos, podem levar ao cometimento de suicídio, fato que tem aumentado entre os jovens nos últimos anos.
Além dos problemas de saúde mental ocasionados nas pessoas, o uso indevido das redes sociais está acarretando uma série de outros problemas de ordem social. Entre os principais, pode-se destacar a ignorância proporcionada pela proliferação de mentiras, a radicalização das opiniões, a polarização política e a ameaça às democracias. Focando em temas bastante atuais, o documentário expõe as fragilidades e perigos das mídias sociais, mostrando as interferências constatadas nas últimas eleições em países democráticos como Estados Unidos e Brasil, além da enxurrada de falsas informações e de debates ideológicos inflamados no período de pandemia mundial da Covid-19.
Os profissionais da área de tecnologia entrevistados demonstram a preocupação com o rumo que a utilização das redes sociais pelas pessoas está tomando e que alguma coisa dever ser feita em breve para frear este movimento, seja em formas de regulamentação por parte dos governos, seja pela conscientização da sociedade de que estamos ficando doentes tecnológicos. A tecnologia em si não é a ameaça, mas a forma como ela usa a psicologia a seu favor, acaba tendo a capacidade de despertar o pior na sociedade, como a distração, a alienação, a falta de capacidade de focar nos problemas reais, a falta de confiança no outro, a incivilidade, o discurso de ódio, resultando, por exemplo, na expansão do populismo, em fraudes eleitorais e revoltas contra a democracia.
O documentário pode até ser considerado um pouco sensacionalista. Logo no início, por exemplo, aparece uma frase filosófica que compara a internet a uma maldição. Os personagens não possuem limite algum em sua vontade própria e são facilmente levados pelos comandos dos algoritmos das plataformas digitais, o que pode ser considerado um certo exagero. Mas, em suma, a produção é um excelente exercício de reflexão sobre o uso destas tecnologias e os perigos que se escondem por trás das telas de interação.
Segundo os especialistas entrevistados, estamos cruzando uma fronteira muito tênue entre a era da informação para uma da desinformação. Eles sugerem que as pessoas desinstalem dos seus aparelhos de celular tudo aquilo que não for realmente imprescindível e desativem as notificações. Além disso, aconselham que os pais tentem evitar que seus filhos façam uso indevido das redes sociais. É preciso um redirecionamento. Usar com mais cautela essas tecnologias; pensar em quais aplicativos são realmente essenciais e fazem diferença em nossas vidas; não expor tanto os nossos dados; escolher os vídeos pela nossa vontade e não simplesmente porque são recomendados; checar as informações e suas fontes antes de compartilhar; sair um pouco das nossas bolhas, seguindo pessoas que pensam diferente de nós; são algumas das sugestões dadas para alterar a lógica na qual a sociedade está inserida. Desta forma, poderíamos usufruir melhor dos benefícios que seriam os objetivos originários quando da criação das mídias sociais.
COMENTÁRIOS:
Essa resenha realmente foi muito bem escrita, e acima de tudo, faz nós leitores entrarmos em uma reflexão, mesmo não assistindo ao documentário. E uma parte que achei muito interessante foi a que faz uma ponte entre estarmos a todo tempo conectados e a ansiedade, baixa autoestima, depressão, etc. Porque realmente isso acontece. Vemos ali pessoas “perfeitas” com vidas “perfeitas” e começamos a nos sentir inferiores a elas sem ao menos saber a real verdade sobre aquela pessoa. E concordo que realmente nós devemos nos redirecionar, e usar a tecnologia para o bem, para o que ela realmente foi planejada e criada.
Bruna Rodrigues Félix Duarte
Muito obrigado pelo texto!
Verônica
eu quero videooooooooooooooooooooooooooooooooo com o resumoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Anônimo
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