Monquelat vive e escreve história de Pelotas

Adão Fernando Monquelat dedica-se para a sua livraria e o resgate histórico de Pelotas       Foto: Lucian Brum

Por Lucian Brum

Em companhia de sua parceirinha, Adão Fernando Monquelat vinha se aproximando à entrada da Bibliotheca Pública Pelotense. Era início de tarde, horário em que tem frequentado diariamente a hemeroteca para pesquisar a história de Pelotas nas páginas dos jornais. Cumprimentamo-nos e perguntei se poderia entrevistá-lo: “Amanhã de manhã, passa lá na livraria”, indicou. E foi subindo as escadas com sua parceira, a yorkshire Lola, o único cão da cidade com carteirinha de pesquisador.

“Estás 24 horas atrasado”, exclamou o livreiro, quando adentrei a Livraria Monquelat na primeira hora da manhã um dia após o combinado. Sentado em sua escrivaninha, os pés fora da sandália, tomando chimarrão (com erva mate moído fino), ele estava escrevendo um artigo sobre coqueiros. Sim, esse coqueiro que dá coco, árvore que enfeitava diversos pontos centrais da cidade. E segundo o artigo publicado no blog Pelotas de Ontem, a Rua General Neto, por volta das décadas de 1815 e 1835, chamava-se Rua Coqueiro.

Adão Fernando Monquelat é uma autoridade na matéria história de Pelotas: livreiro, pesquisador, historiador, escritor, são algumas de suas atribuições. Com sede de conhecimento e paixão pelos livros, é um dos precursores da construção da atual historiografia pelotense. “A pesquisa, fora da atividade como livreiro, é minha paixão”, revelou.

Foi no início da década de 1980, quando mantinha a Livraria Lobo da Costa (na Rua Dom Pedro), que despertou para o ofício da pesquisa. Como a livraria era xará do poeta, os leitores apareciam para procurar seus livros, mas era raro encontrar editadas suas poesias. Em consequência, o livreiro se dispôs a investigar sobre o poeta nos arquivos das bibliotecas de Pelotas e Rio Grande, e encontrou um farto material. Dessas pesquisas nasceu o clássico — Antologia poética (e alguma prosa de e sobre) Lobo da Costa (1988).

“Livros de medicina em promoção”, informava o cartaz colado na estante em frente à porta de entrada. A livraria Monquelat, hoje na Rua General Teles, é uma sala onde os livros estão acomodados do chão ao teto. Sentado próximo da vitrine, ponto em que há mais luz natural, segurando a cuia firme para roncar o mate, o livreiro fixou o olhar para baixo e teve algumas reminiscências da infância. Época em que atuou pelo Santa Tecla F.C., time organizado, presidido e treinado por um barbeiro entusiasta do futebol (dono da bola e das camisetas). É nessa fase das calças curtas, que começou a assimilar na rotina do pai, o hábito que levaria para vida toda: “Eu sempre via o meu pai lendo aquele livrinho de bolso que ele tinha. Lembro-me dele no bolso de trás da calça. Sempre aqueles livros pequeninhos”, descreveu.

Sempre há movimento na livraria Monquelat: clientes que vão atrás de novas leituras, amigos que chegam para conversar, estudantes atrás de algum livro específico, pessoas querendo vender livros, passantes pedindo informação. Todos são recebidos com a mais sincera educação.

É uma das mais antigas lojas de livros da cidade, no entanto, não participa da Feira do Livro desde 1992. Da livraria já saíram títulos como: Notas à margem da história da escravidão (2009); Senhores da carne: charqueadores, saladeristas y esclavistas (2010); e Pelotas dos excluídos: subsídios para uma história do cotidiano (2014); entre outros que relatam a história do negro pelotense.

Quando indagado sobre a feira do livro trazer o tema no ano passado: “A Alvorada – imprimindo o alvorecer dos negros em Pelotas”, o livreiro desabafou: “Está atrasado. Essa homenagem já era para ter sido feita. Aliás, há uma dívida que Pelotas tem com a etnia negra, que acho que está começando a pagar. Mas não tem nenhuma rua homenageando um negro, não tem nenhum monumento, nenhum museu — tem museu para tudo —, e não tem o museu do negro. Espero que a cidade consiga fazer autocrítica. Há muito tempo que Pelotas deve isso à etnia negra”.

Reencontrei o Monquelat na hemeroteca da Bibliotheca Pública Pelotense. Ele procurava uma matéria que correspondesse à presença do Assis Brasil no Hotel Scheffer, para um artigo sobre antigos hotéis da cidade. Folheando o caderno do primeiro semestre do Diário Popular de 1924, a primeira reportagem que lhe chamou atenção foi sobre a fundação da Ponte do Retiro. Apanhou sua Canon powershot e fotografou a página. Só é permitido transcrever, ou fotografar (sem flash) o acervo de jornais, a maior fonte primária da história de Pelotas. Pois, muitas edições estão inacessíveis pelo ressecamento do papel devido ao manuseio com a fotocopiadora. “A digitalização do acervo é fundamental para salvaguardar o documento original. Se a biblioteca usou o acervo como fonte de renda, isso também contribuiu para que parte do acervo esteja deteriorado”, afirmou.

Historiador sem academicismos, sua obra foi construída com a curiosidade do saber. Juntou o gosto pela leitura com o fascínio da descoberta: “Olhando para o passado tu consegues comparar com o presente. É como alguns dizem — a história é uma roda. E o bicho que move essa roda é o mesmo. Ele só troca de roupa, e de interesse”. Monquelat passou cerca de uma hora folheando os jornais, fotografou algumas matérias que se interessou, mas não encontrou a referência sobre o Hotel Scheffer. Fechou o caderno no dia 15 de setembro. Despediu-se dos funcionários com intimidade, falando alto, com a naturalidade de estar em casa. Desceu as escadas com calma e atravessou a rua em frente à biblioteca. Costeando a praça, acompanhando da Lola em seu encalço, foram abrir a livraria.

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