“Um Defeito de Cor”: romance histórico antirracista

Por Nathalia Farias Borges

O romance histórico “Um defeito de Cor” (2010) é o resultado de uma longa pesquisa da autora Ana Maria Gonçalves para poder reconstituir a história de vida da personagem Kehinde em um tom memorialista. Kehinde pode ser Luísa Mahin ou Luísa Gama, a suposta mãe do poeta e advogado negro Luiz Gama. A obra literária recebeu o prestigioso prêmio Casa de las Américas, escolhido entre 212 concorrentes, em decisão unânime dos jurados.

O livro pinta uma tela, quase que literalmente, do Brasil Colônia e da vida daqueles que foram escravizados e trazidos para trabalhar para brancos brasileiros e estrangeiros. Extremamente detalhado, a autora retoma desde o início da vida na África da personagem principal, que também pode ser chamada de Luísa (seu nome católico). O leitor acompanha todos os sentimentos, medos e expectativas de Kehinde, que com apenas 10 anos faz a viagem de navio para o Brasil, com sua irmã gêmea e avó. Ao longo das mil páginas, a escrita amadurece juntamente com a protagonista e o leitor pode perceber o crescimento daquela que narra.

Antes da metade do livro, o formato da narrativa muda e passa a ser uma carta para o segundo filho de Kehinde, Luis, usando o pronome de tratamento ‘você’ e focando o discurso para o filho. O enfoque passa a ser Kehinde explicando e documentando tudo para Luís, sempre lembrando o leitor com frases do tipo ‘gostaria de te levar lá um dia’ e ‘peço que você me perdoe’. Apesar do pesar e arrependimento que a protagonista carrega, ao longo dessa carta ela lembra que não esqueceu do filho. Destaca outras partes da vida, elementos importantes que ela viveu e ela acredita que são essenciais para Luís, quando ele ler as cartas.

É interessante perceber a relação de Kehinde com escrita e a leitura. Essa dedicação começou bem cedo, e passou a ser muito importante para a sua evolução como pessoa e empreendedora. Também muito importante como um registro de sua vida. O livro chama a atenção para o fato da protagonista ter uma vida marcada por andanças: Savalu, Uidá, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, por quase todo o Brasil até a sua volta à África. Mudanças que modificaram Kehinde ao longo do tempo. Além do maravilhoso registro, do detalhamento, da quantidade incontável de histórias que as 947 páginas carregam, “Um Defeito de Cor” não é sobre uma vítima. É sobre uma criança submetida a violências tanto na África como no Brasil, que participa de levantes contra a ordem estabelecida em Salvador, torna-se fugitiva, mulher, amante, mãe, é abandonada e se forja em uma empreendedora. É sobre o desespero e a esperança de uma mãe incansável.

Pode-se separar os livros favoritos em duas seções: livros em que você sente que é o protagonista, que está em sua pele, e livros em que você sente que é a melhor amiga do protagonista, que o protagonista está revelando seus maiores segredos para você. “Um Defeito de Cor” pode ser classificado na segunda categoria, pois você se sente um confidente de Kehinde. Vibra-se com cada pequena vitória, chora-se com a crueldade que ela foi tratada e passa-se a admirá-la, ainda que muitas vezes queira-se repreendê-la por decisões tomadas.

Um Defeito de Cor é um romance que deveria ser obrigatório nas escolas, que abre olhos e planta empatia na mente de qualquer pessoa que leia.

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COMENTÁRIOS

Ao ler “Defeito de Cor” com 74 anos tive minha vida definitivamente mudada.
Obra necessária para o entendimento de um Brasil que não encontramos nas escolas. Salve Luisa, Luis Gama, e os escravizados no Brasil e neste mundão dos deuses, orixás e revolucionários da ficçao e vida.

Brenno

Vilma Rodrigues Mantuan

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