Danças de Matriz Africana combatem racismo

Grupo de Daniel Amaro realiza a Dança dos Orixás sempre na frente da antiga senzala da Charqueda          Foto: Luiz Henrique Schuch

Por Marcela Lima

A cena pelotense fica mais bonita, pois se constrói de muita arte e de eventos culturais. Diversos festivais, apresentações e concertos são realizados na cidade, possibilitando opções bem atrativas para quem aprecia uma boa agenda cultural. O Museu do Doce, localizado no Centro Histórico de Pelotas, ajuda a impulsionar diversos projetos culturais, assim também como as universidades de Pelotas. No entanto, para entender a cultura que move a cidade de Pelotas, é bom observarmos os lugares que impulsionam as mais diversas manifestações culturais. Alguns pontos turísticos bem conhecidos da cidade nos remetem para um passado de ancestralidade e pluralidade cultural. As Charqueadas, por exemplo, é um desses lugares na qual carrega uma bagagem histórica muito forte no contexto histórico local, e anualmente tem potencializado a manifestação da Dança de Matriz Africana.

Companhias de dança, como a do professor, bailarino, coreógrafo e diretor artístico Daniel Amaro, ajudam a compreender o processo da Dança de Matriz Africana a partir de quatro linhas diferentes – a dança afro-brasileira, dança de originária de Benin, do Senegal e a dança afro contemporânea, estabelecendo uma fusão dessas técnicas. A propagação da Dança de Matriz Africana leva ao público a possibilidade do contato com uma cultura enérgica, forte e cheia de ritmo, que contagia qualquer pessoa que queira prestigiar.

O grupo de Daniel Amaro  realiza a Dança dos Orixás, sempre na frente da antiga senzala da Charqueda São João, construída em 1803. O espetáculo envolve, dança, música e capoeira, sendo que a décima edição do evento aconteceu no dia 21 de setembro. A história começa a ser contada na entrada do local e percorre todo um trajeto que destaca cada aspecto histórico importante para o contexto da narrativa. Cada orixá é representado por um movimento específico de dança e a narração é feita por uma atriz. A coreografia é desenvolvida e marcada ao som dos tambores dos ogans, percussionistas nas liturgias das religiões de matriz africana.

Carregada de significados religiosos, marcada pelos tambores e músicas, a Dança dos Orixás tem como objetivo resgatar a cultura negra como formadora da sociedade brasileira nas áreas social, econômica, política e cultural. Torna o contexto histórico do negro em Pelotas visível, para que seja compreendido que o povo oriundo da África foi escravizado e atuou como principal força de trabalho das charqueadas pelotenses.

É notável a visibilidade que tais eventos proporcionam para a população negra de Pelotas, que busca ainda hoje um protagonismo em suas atividades, sejam elas no âmbito acadêmico, cultural ou de empreendedorismo. Um intercâmbio cultural é estabelecido, quando pessoas de diversas raças e credos apreciam a Dança de Matriz Africana, que pode ser vista também em inúmeros eventos realizados em parcerias com as universidades, Prefeitura e companhias de dança na cidade.

Expressão artística soma para refletir sobre a contribuição afro-brasileira  Foto: Acervo de Juliana Coelho

A Dança de Matriz Africana desperta identificação

Juliana Coelho é uma mulher negra, atriz, bailarina e professora, trabalha com questões sobre como ser negro na cidade de Pelotas e utiliza da dança como meio principal para potencializar de forma interdisciplinar a manifestação de libertação do preconceito, mostrando a contribuição dos africanos escravizados e dos seus descendentes como apoio para com a sociedade brasileira e principalmente com a cidade de Pelotas. Juliana trabalha com o processo da linguagem artística da dança provocando um anseio de identidade tanto para ela quanto para as crianças da escola onde atua.

“Eu utilizo do meu corpo como instrumento para representar, trabalho a teoria e a prática com os meus alunos e proponho pensar sobre gênero, classe social e religião, para levantar questões sobre ser negro, no lugar onde moramos, e sobre quais lugares são esses que temos dentro da cidade de Pelotas, que marcam a presença negra”, comenta Juliana.

Segundo a artista, foi por meio da dança africana que a auto identificação dela foi descoberta, nesse interesse de dançar sobre as manifestações negras, que fizeram com que Juliana além de se conhecer melhor, pudesse compartilhar o que é a negritude e como os negros conseguem se relacionar com os processos artísticos, que são necessários.

Juliana também faz parte do espetáculo Dança dos Orixás, e diz que acredita que o projeto consiga com êxito desmistificar para a sociedade pelotense a falácia de que “tudo que é relacionado ao negro é ruim”, explica. A arte-educadora ainda finaliza a entrevista dizendo: “Muitos dos meus alunos ainda não se enxergam como negros, e é com a dança que eu consigo fazer a educação mudar. A dança afro me aproximou mais dos alunos, quando eu aprendendo sobre a cultura, consigo inserir isso dentro do meu trabalho na escola. Pois a dança, no meu processo, me tornou negra, até porque ‘ser negra não é uma condição dada a priori’, tornar-se negra é uma conquista diária. A Dança de Matriz Africana me ajudou muito na construção de quem eu hoje eu sou”.

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