Exposição abre com bate-papo

 

Obra “Vertigem” está ao chão, no centro da sala,  interagindo com os espectadores e os demais trabalhos

 

Por Gilmar Hermes

     A exposição “Campo Minado” abriu dia 17 de maio com um bate-papo na galeria “A Sala”, do Centro de Artes da UFPel (rua Alberto Rosa, 62, Pelotas). Como pode ser visto na conversa de abertura, as obras representam parte de um conjunto de trabalhos de cada uma das 12 artistas, Amanda de Abreu, Bruna Silva, Camila Cuqui, Fabiana Faleiros, Jéssica Porciúncula, Julia Pema, Lua Miranda, Mariane Simões, Martha Gofre, Rafa, Rafaela Inácio e Stela Kubiaki.

Artistas Amanda de Abreu, Stela Kubiaki e a curadora deram início à conversa

     A mostra dá espaço para as artistas apresentarem o conjunto de seus trabalhos e as questões do nosso tempo que estão procurando refletir através deles. Alguns dos trabalhos apresentados – objetos, esculturas, desenhos, vídeos e fotografias – estão relacionados a performances, ações artísticas em que as autoras produzem intervenções plásticas em diversos lugares, inclusive espaços públicos da cidade. Os materiais organizados em objetos, imagens e formas tridimensionais refletem a identidade feminina entre os contextos público e privado.

     São várias propostas diferentes que estabelecem relações diversas com o espaço de exposição e consequentemente com o visitante que interage fisicamente nesse local. As obras são pensadas em como são dispostas em relação não só à visão, mas também em relação ao corpo dos espectadores em movimento pela sala.

     As circunstâncias do nosso tempo em relação às jovens mulheres estão simbolizadas na própria condição material de algumas obras, por exemplo, a apropriação de utensílios domésticos, objetos de uso íntimo, obras que fazem registros de intervenções em espaços públicos e materiais frágeis como as folhas de papel para a construção de estruturas.

“Capacho” é o trabalho de Jessica Porciuncula, logo na entrada da exposição

     A curadora Alice Porto ficou sabendo no dia da abertura da aprovação da sua candidatura para cursar doutorado na Bélgica, onde dará continuidade às suas pesquisas artísticas. A notícia foi mais um motivo de entusiasmo para o grupo. Estabelecendo várias ações colaborativas, as artistas reuniram-se por uma série de afinidades e a formação de uma rede de criação artística.

     A proposta da mostra foi juntar trabalhos de artistas mulheres que pensam e trabalham as questões femininas na cidade de Pelotas, tendo também proximidade com o ativismo feminista. Para ter uma ideia da força do movimento das mulheres na cidade, Alice lembrou que basta observar as inscrições nas ruas e levar em conta os espaços culturais voltados para essas questões.  Ainda citou que, na área de literatura, a autora pelotense Angélica Freitas tornou-se um marco nas reflexões de gênero com o livro de poesias “Um Útero é do Tamanho de um Punho”.

Objeto-vestígio de ações artísticas: “Rente”

DA CIDADE PARA A EXPOSIÇÃO

     Uma das obras apresentadas, “Ação Vermelha”, de Amanda de Abreu, traz o registro fotográfico da performance “Feminicídio”, em que a cor vermelha e a forma de um círculo evidenciam a ação em um espaço público, o que traz muitas lembranças para quem presenciou o acontecimento. É uma das obras que não se restringe aos espaços restritamente artísticos e, por isso, está relacionada à receptividade do ativismo feminista e às ações artísticas na cidade de Pelotas. Também evoca as várias simbologias associadas às cores e atuação das mulheres no cotidiano da cidade. Está relacionada aos questionamentos que outras obras e performances vêm fazendo da naturalização que se faz no cotidiano do uso do corpo como uma forma de afirmação, submissão ou opressão identitária, seja por parte das mulheres, seja por parte dos homens.

“Ação Vermelha” é um registro de uma performance realizada em um espaço público de Pelotas

     O trabalho de videoarte “Sem Título”, de Stela Kubiaki, registra uma performance no Museu da Baronesa em que o espaço arquitetônico serve para pensar a condição feminina.  Está acompanhado pelas fotos digitais que levam o nome “Fiada”.

Detalhe da obra “Capacho” que traz objetos domésticos para reflexão política

     A obra “Capacho”, de Jessica Porciuncula, confunde-se com um tapete para limpar os pés na porta da exposição, mas foi feito de esponjas. O material muito conhecido por cumprir com o ritual doméstico de lavar louças ganha o formato da bandeira brasileira e, assim, materializa em uma montagem o problema de ser mulher no contexto sociopolítico brasileiro hoje. O lugar de apoio para os pés oferece instabilidade e risco. Em tempos de desmanche das políticas públicas, este é um trabalho que contrapõe o espaço público ao espaço privado, remetendo às coisas caseiras elevadas à dimensão pública. Os materiais ligados às mulheres, enquanto enquadradas nos estereótipos do espaço privado, são deslocados para a ambiência pública e política, como também ocorre com “Do Rigor”, que Martha Gofre criou com tecido, madeira e pratos de louça.

Camila Cuqui apresenta “duas e quatro cadeiras”

     A artista Camila Cuqui cita em seu trabalho “duas e quatro cadeiras” a obra geralmente citada como referência da arte conceitual, “Uma e Três Cadeiras”, de Joseph Kosuth. Questiona sobretudo a heteronormatividade,  criando uma definição visual de cadeira na perspectiva de uma problematização da identidade sexual.

     O objeto “Rente”, com roupas íntimas femininas, é originário de uma outra performance da artista Lua Miranda. No lugar de usar como registro fotos ou vídeo, como ocorre em outros trabalhos, é usada uma vestimenta que foi parte de uma performance. A roupa íntima que protege está repleta de alfinetes, que na sua profusão deixam de ser inofensivos instrumentos de costura.

     Com seu trabalho “Trama”, Julia Pema fez um bordado sobre fotografia. O trabalho não foi posicionado em relação aos olhos, mas ao ventre do espectador, que é o lugar anatômico que abriga os órgãos vitais. Ela bordou sobre um ícone fotográfico da pele humana, limite entre o mundo e a estrutura interna do corpo. As formas de casas são associadas às células humanas, pensando na ideia de mundos em construção e inter-relacionados, na vida social/urbana e na interioridade da pessoa.

“Trama”: Bordado sobre fotografia de Julia Pema foi colocado na altura da cintura dos espectadores 

     Rafa fez a instalação “Vertigem”, explorando a discrepância do olhar dos espectadores em relação à distância do chão aos seus pés. Criou uma metáfora que se ajusta perfeitamente ao título da exposição “Campo Minado”, pensando na necessidade de cuidado em todo o percurso ao caminhar. Algo pode cair ou ser atingido e é necessário sempre prestar atenção no percurso. O trabalho tem uma dimensão escultórica, mas, no lugar de materiais resistentes como pedras e metais, ela faz uso de folhas de papel. Apesar das circunstâncias, ela busca estabelecer uma estrutura estável e resistente.

Obras de doze artistas dialogam entre si no espaço da exposição “Campo Minado”, no Centro de Artes

PRIMEIRA PÁGINA

COMENTÁRIOS

Comments

comments