Laura Marques
Um Jay-Z que talvez não agradará qualquer fã de rap. Shawn Corey Carter, lançou “4:44” no dia 30 de junho deste ano e com ele revelou a face mais humana do gangsta rap de antigamente. É o décimo terceiro álbum da carreira do rapper, projeto que dá seguimento à “Magna Carta – Holy Grail”, de 2013. Neste ponto da carreira, Hov, como também é conhecido, já é considerado uma lenda. Nascido em 4 de dezembro de 1969, Jay aparenta estar tendo o melhor momento de sua vida – lembra pouco a figura intocável de outros álbuns.
A impressão é de que Jay fez “4:44” para ser honesto consigo mesmo e com seus fãs. É facilmente o projeto mais intimista, pessoal e artesanal lançado por ele até agora – de forma que a gravação dá ares de crua, inacabada – em um bom sentido. É como se o rapper estivesse fazendo freestyle por todos os 36 minutos e 11 segundos de música, de modo a contar uma história, passar uma mensagem.
Produzido por Dominic Maker, James Blake, Jay-Z e No I.D., a obra é totalmente diferente dos trabalhos que o rapper já lançou – não há hits de balada nem agressividade. Para se ter uma ideia, Hov foge totalmente de tendências produzidas por artistas do cenário de hip-hop atual como Migos e Future, por exemplo.
O álbum “4:44” é simples, direto, esquelético – muitas das faixas parecem ter sido resultado de outras recortadas – criando 13 músicas que mais lembram uma colagem sonora de feats, samples e versos. A estrutura das faixas é tão simples quanto – nem chega a quatro minutos de duração a grande maioria.
A escolha por um som mais pé no chão fica clara nos samples, quando extrai um trecho de uma gravação e usa para a construção de uma nova música, e nos feats. Nina Simone, Stevie Wonder e The Fugees são alguns dos artistas que foram sampleados no álbum, sonoridade que se completa perfeitamente bem com os feats de Frank Ocean, Beyoncé e Damien Marley.
Jay-Z chama o ouvinte para dentro do álbum, de maneira que fica impossível não prestar atenção no que ele está falando. Temas que envolvem sua vida, como o luxo, sucesso financeiro, a paternidade, cultura negra, o rap e, talvez, o assunto mais polêmico, a infidelidade, são gritantes.
Em “4:44”, faixa número 5, Jay-Z pede desculpas abertamente a Beyoncé pela traição e demais erros que cometeu durante o relacionamento. Em entrevista à iHeart Radio, ele afirmou que o título da faixa é uma referência ao horário em que a escreveu. “Acordei literalmente às 4h44. É o título do álbum porque é uma música poderosa e acredito que é uma das melhores que já escrevi”.
Trecho:
“Eu vi a inocência deixar seus olhos
[…]
Peço desculpas a todas as mulheres
brinquei com suas emoções porque eu estava sem emoção
Peço desculpas porque no seu melhor você é amor
[…]
[Verso 3: Jay-Z]
E se meus filhos soubessem, eu nem sei o que faria
Se o olhar deles para mim não é mais o mesmo
eu provavelmente morreria com toda a vergonha
‘Você fez o quê com quem?’
Pra que um ménage à trois quando você tem uma alma gêmea?
[…]
Meu coração se parte esperando o dia que terei de explicar meus erros”
Em outra faixa de maior sucesso, “The Story of O.J” fala como na América do Norte não importa se você é rico ou pobre – se você é negro, ainda tem de lidar com o racismo diariamente.
“[Nina Simone]
A pele é, pele é
Pele preta, minha pele é negra
[Jay-Z]
Negro claro, negro escuro, falso negro, negro real
negro rico, negro pobre, negro da casa, negro do campo
Ainda negro, ainda negro
[…]
O.J disse: ‘Eu não sou preto, sou O.J’,
Ok!
Negro da casa, não tira comigo
Eu sou um preto do campo com talheres brilhantes
Quartos banhados a ouro onde os mordomos estão
Eu toco as esquinas onde os malandros estão
[…]
Negro claro, negro escuro, falso negro, negro real
negro rico, negro pobre, negro da casa, negro do campo
Ainda negro, ainda negro
Negro claro, negro escuro, falso negro, negro real
negro rico, negro pobre, negro da casa, negro do campo
Ainda negro, ainda negro”
Destaque para o clipe de “The Story of O.J”, vídeo que traz referências da escravidão e do sofrimento vivido pelo negro através de uma estética cartoon.
Faixas como “Bam”, colaboração com Damien Marley, traz a leveza do reggae pro álbum – assim como “Smile”, faixa de sonoridade gospel que relata a relação de Jay-Z com sua mãe.
“Caught Their Eyes”, a quarta faixa do álbum traz o feat de Frank Ocean e sample Nina Simone é outro ponto alto do álbum, sendo “Marcy Me” o momento mais pessoal de todo o projeto, em que o rapper fala de sua juventude, envolvimento com drogas e passado no Brooklyn.
Faixas:
- Kill Jay Z
- The Story of O.J.
- Smile (Ft. Gloria Carter)
- Caught Their Eyes (Ft. Frank Ocean)
- 4:44
- Family Feud (Ft. Beyoncé)
- Bam (Ft. Damian Marley)
- Moonlight
- Marcy Me
- Legacy
- Adnis
- Blue’s Freestyle/We Family (Ft. Blue Ivy Carter)
- MaNyfaCedGod (Ft. James Blake)
Confira alguns dos samples utilizados no álbum:
- The Story Of O.J
Usa sample de Nina Simone – “Four Women”
- Smile
Usa sample de Stevie Wonder – “Love’s in need of love today”
- Caught Their Eyes
Usa música de Nina Simone – “Baltimore”
- 4:44
Usa a música Hannah Williams – “Late Nights & Heartbreak”
- Family Feud
Usa música de The Clark Sisters – “Ha Ya”
- Bam
Usa Sister Nancy – “Bam Bam”
- Moonlight
Usa música de The Fugees – “Fu-Gee-La”
- Marcy Me
Usa Quarteto 1111 – “Todo Mundo e Ninguém”
No geral, “4:44” é muito mais um álbum para escutar nos fones ou em casa, em um momento de reflexão em que todos os detalhes possam ser notados. Jay-Z se mostra não só como um artista extremamente bem sucedido, mas também como um ser humano que possui problemas vividos por qualquer cidadão.
Não é qualquer fã de rap que vai apreciar a obra. O álbum “4:44” é para o fã hardcore de Jay-Z – e também para quem quer conhecer Shawn Carter.
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