Vídeo: Meu Tio Matou um Cara
Texto de Rafael Mirapalheta –
DVD – Crítica –
Do diretor Jorge Furtado, ‘‘Meu Tio Marcou um Cara’’ é um exemplo de como uma narrativa simples e genuína pode dar muito certo. A trama se foca no adolescente Duca (Darlan Cunha), que precisa lidar com as questões sociais da vida de um garoto de 15 anos como amigos, paixões e família. Tema recorrente nas produções de Furtado, como em “Houve Uma Vez Dois Verões” (2002) e “O Homem que Copiava” (2004). Mas a trama não se resume a isso, já que o arco central que desencadeia toda a história é o suposto assassinato confesso pelo tio Éder (Lázaro Ramos). A grande sacada do longa é a de não se fixar apenas na comédia. A premissa de uma confissão como a mencionada seria normalmente tratada exclusivamente ou pela comédia ou pelo drama. Mas o que o filme faz aqui é explorar a linha tênue entre essas duas possibilidades. Dosa de forma exemplar os acontecimentos cômicos com o drama vivido por Duca em relação à paixão não correspondida pela melhor amiga Isa. Esta, por sua vez, é apaixonada por Kid, amigo de ambos.
Um aspecto notório logo de cara é o da mistura de gêneros. Nos é apresentado pela história a realidade de Duca, menino negro que por várias vezes analisa situações através do ponto de vista étnico. Como por exemplo a sua piada sobre saber que jamais iria ser ofendido em seu colégio composto majoritariamente de pessoas brancas, pois elas ficariam receosas de serem acusadas de racismo. Questões como essas são sempre tratados com leveza e naturalidade, o que causa no espectador uma sensação agradável.
O adolescente Duca (Darlan Cunha) e seu tio Éder (Lázaro Ramos) são os personagens principais
Porém uma grande virtude da obra de Furtado é a maneira como ela lida com os adolescentes. Aliás, de modo geral, o filme é sobre eles. Os jovens são destacados sempre como pessoas de ótima percepção, que são capazes de ver o mundo de forma crítica e inteligente, na medida que se mostram adaptáveis às mais diversas situações. Nada mais do que um retrato da sociedade em que vivemos, onde os jovens possuem cada vez mais afinidade com tecnologias, com a internet, e com as mais diversas tarefas do dia a dia. Como exemplos disso no longa-metragem destacam-se as cenas em que Duca sugere ao advogado da família o que deveria ser feito para que a polícia não suspeitasse de alguma mentira de seu tio. E também todas as iniciativas de Duca e Isa para contratar um detetive particular e as descobertas decorrentes disso. A narrativa feita pelo personagem principal, constante em todo filme, é uma artimanha que nos faz perceber tudo isso. Ela também cumpre o papel de exercer uma proximidade entre o Duca e o espectador, fundamental para nos apegarmos aos acontecimentos.
Por se tratar de um retrato de pessoas de classe média/baixa do Brasil, para o filme ser fiel à realidade, ele precisaria ter necessariamente diálogos genuínos. Aspecto que não se encontra tão facilmente no mundo do cinema e televisão brasileiro. Aí que entra o grande diferencial da obra; ela liga todos os pontos levantados e se encaixa com todo o contexto apresentado. Os diálogos são muito bem escritos e executados. Você consegue assistir e se identificar com o modo de falar dos personagens, com as expressões utilizadas, com as frases simples que são roteirizadas. Retratando exatamente como é feita a comunicação por grande parte da população, ao invés de textos caricatos que jamais condizem com a realidade de diálogo dos brasileiros e que vimos tão frequentemente por aí em novelas, séries e outros filmes brasileiros. Méritos também para as produções da Casa de Cinema de Porto Alegre, que sempre preza pela qualidade de diálogos em suas obras.
O filme vai chegando ao seu clímax com o afunilamento dos dois arcos centrais: a investigação do assassinato e a relação de Duca e Isa. A forma como elas foram interligadas se mostrou uma solução fácil para o roteiro, mas ainda assim bem executada. Após toda a revelação do caso, a interpretação de Lázaro Ramos funciona bem, pois o ator se mostra confortável no papel para maximizar suas caras e bocas. Não só ele, como também Aílton Graça, Dira Paes, Sophia Reis, Renan Gioelli, Deborah Secco e todo o elenco de apoio estabelecem um domínio seguro sobre seus personagens.
“Meu Tio Matou um Cara” é um exemplo de como uma narrativa simples e genuína deu muito certo. O filme é mais um grande acerto de Jorge Furtado e uma vitória em prol de um retrato realista do povo brasileiro, principalmente dos jovens. Uma recomendação mais do que indicada para os adoradores de filmes brasileiros.
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