Duas mostras até domingo

Reportagem de Anahí Silveira e Larissa Patines –

Gotuzzo e Vinholes: conheça as duas exposições abertas no Malg

Obras de Gotuzzo foram reunidas através da colaboração de diversas famílias pelotenses

Obras de Gotuzzo foram reunidas através da colaboração de diversas famílias pelotenses         Fotos: Anahí Silveira

     Inaugurado em 1986, o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (Malg), vinculado ao Centro de Artes (CA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), comemora seus 30 anos de fundação com duas exposições. Abertas no dia 17 de setembro, as mostras “Leopoldo Gotuzzo: outros acervos”, com curadoria de Carmen Regina Bauer Diniz, e “Sob o olhar do colecionador: Coleção L.C. Vinholes”, com curadoria de Jose Luiz de Pellegrin, apresentam ao público obras reunidas em um formato inédito. Além disso, proporcionam um resgate histórico na forma como cada “personagem principal” traçou sua relação com a cidade de Pelotas. As duas estão abertas à visitação até o próximo domingo, dia 23 de outubro, das 10h às 19h, com entrada gratuita.

 A relação intensa entre Gotuzzo e sua terra natal

      A professora de Artes Visuais do Centro de Artes, Carmen Diniz, conta que a curadoria se deu cerca de dois meses antes da inauguração, em um trabalho de contato verbal e pessoal com os colecionadores, que dispunham de obras do artista. “Leopoldo Gotuzzo: outros acervos” apresenta para o público 77 obras do patrono e que pertencem a 30 coleções externas ao Museu. Elas foram emprestadas por diferentes pessoas e famílias, e muitas passaram por um trabalho minucioso de restauro feito pela equipe do Museu.

     Carmen conta que José Henrique Pires, que já passou pela pasta da Cultura e hoje atua no Ministério do Desenvolvimento Agrário, foi quem lhe deu as primeiras dicas para começar a busca pelas obras. “Como sou bem agitada, telefonava, encontrava as pessoas e já ia perguntando: “Me disseram que tens dois quadros, podes emprestar?”.

     Eis que algumas descobertas foram surgindo, até mesmo fazendo a equipe repensar o que já se sabe sobre as obras de Gotuzzo. “Algumas obras que temos aqui fogem do padrão que conhecemos. Isso nos obriga a investigar outras possibilidades. “Será que ele fez?”. “Será que ele abriu outros caminhos?”. Além dos empréstimos particulares, o restante da coleção foi deixado por cláusula testamentária, incluindo móveis, que serão expostos a partir do dia 7 de novembro, data que marca o aniversário do Museu.

     O também professor do CA da UFPel, Jose Luiz de Pellegrin, que atua nas áreas de Pintura e Prática Profissional e integrante da comissão de curadoria do Malg, descreve suas impressões da exposição: “Sou catarinense, cheguei aqui em 1976 e nunca vi esse conjunto de obras. Estamos tendo acesso a uma produção do Gotuzzo que está em Pelotas, que conta um pouco das vezes que ele passou por aqui, e diz muito sobre ele, com uma variedade que a gente nunca teve a chance de ver. Vai levar uns 50 anos para isso acontecer de novo”.

    Carmen também fala sobre a relação com os doadores. “As pessoas que emprestaram foram muito legais. Tem muita gente e muitos colecionadores envolvidos”. Exceto os dois colecionadores de Porto Alegre – Paulo Raimundo Gasparotto e Bernardino Assis Brasil -, todos os outros são de Pelotas. Já Clarice Magalhães, membro da Sociedade de Amigos do Museu e também doadora, contribuiu muito para a curadoria.

Alguns desenhos do pintor apresentavam o tempo de produção, como este feito em menos de cinco minutos

Alguns desenhos do pintor apresentam o tempo de produção, como este feito em menos cinco minutos

Vida e obra

      O pelotense Leopoldo Gotuzzo nasceu em 1887 e morreu aos 96 anos no Rio de Janeiro, em 1983. Fez seus primeiros estudos com Frederico Trebbi – comerciante, fotógrafo, pintor e professor de arte ativo no Rio Grande do Sul entre os séculos XIX e XX -, que o aconselhou a seguir para Roma, onde permaneceu estudando. Transferiu-se para Madri aos 27 anos e retornou em 1919 para o Brasil, ficando no RJ. “Ele tinha uma relação muito forte com Pelotas. Era inclusive muito amigo de Marina de Moraes Pires, fundadora da Escola de Belas Artes de Pelotas, que o convidou para ser patrono da Escola”, conta Carmen. “Então, sempre que vinha para a cidade ele ia à Escola e desenhava. Eu inclusive tive o prazer de assistir o seu trabalho”, relembra. Por ser criador de uma extensa produção e ter mantido esse laço com o município, muitos pelotenses possuem suas obras em casa.

     Em uma viagem ao passado, a professora explica que, por galerias de arte serem espaços recentes, antigamente as obras de Gotuzzo eram expostas em clubes como o Caixeiral, no Grande Hotel, na Bibliotheca Pública, e ainda em vitrines de lojas. As primeiras exposições dele são feitas em 1919, logo depois de retornar da Europa, em Pelotas – quando vendeu cinco quadros, quatro paisagens e uma figura – e em Porto Alegre.

 A riqueza das gravuras japonesas pelas coleções de Vinholes

 

“É a vida gráfica do Japão”, diz o curador Pellegrin sobre acervo reunido por Vinholes

“É a vida gráfica do Japão”, diz o curador Pellegrin sobre o acervo reunido pelo colecionador

     A relação de Pellegrin com o doador das obras integradas de cerâmicas e de gravuras japonesas do século XIX de “Sob o olhar do colecionador: Coleção L.C. Vinholes”, ou seja, o pelotense Luiz Carlos Vinholes, já vem de algum tempo. “Eu fui a pessoa que apresentou o ‘aceite’ quando ele fez a tentativa de doação”, explica, adiantando que a intenção era tornar público um material que não tivesse apenas sentido em si mesmo, mas que fornecesse informações para facilitar a sua apreciação: “Às vezes, as pessoas têm vergonha de perguntar porque não querem mostrar que não sabem, e acham que têm obrigação de saber. Ninguém tem obrigação de saber nada, tem sim o direito de ter acesso”.

     Vinholes é um poeta concretista, pioneiro da música aleatória no Brasil, crítico musical, músico de vanguarda e divulgador da cultura brasileira, que saiu de Pelotas em 1953 para ir a São Paulo estudar música. Em 2014, foi escolhido patrono da Feira do Livro de Pelotas. “Desde o começo as pessoas me diziam: Por que você vai aceitar isso pro Malg? Gravuras do século XVIII e XIX, o que tem a ver com Gotuzzo? Bom, como pintor, sabia que tinha uma importância por se tratarem de obras originais, que artistas do período do começo da modernidade, como Van Gogh e Monet, se encantaram com aquilo e aprenderam muito”, diz Pellegrin. “É uma experiência de conhecer um tipo de solução plástica maravilhosa”, completa.

     Os dois professores explicam que, conforme os livros de História da Arte, em meados do século XIX, há o registro do período do japonismo, quando o Japão abre os portos às nações amigas, levando à Europa diversas mercadorias, louças e cerâmicas, embrulhadas em tecidos com riqueza de estampas e gravuras. “A gravura tinha o papel de registrar o cotidiano”, explica Pellegrin. O ukiyo-e – “mundo flutuante” – é um tipo de gravura japonesa que tinha exatamente essa função.

     É curiosa a semelhança de Vinholes com Gotuzzo, entre idas para o exterior e vindas para a Princesa do Sul, conforme explica Pellegrin. O poeta acaba indo para o Japão como estudante, através de uma bolsa, e lá começa a divulgar a música erudita contemporânea e a poesia concreta. A Embaixada Brasileira percebe então que ele passa a fazer uma grande divulgação do país e o contrata. O foco que Pellegrin buscou foi em abordar a figura do colecionador. Portanto, duas páginas escritas por Vinholes estão presentes na exposição, nas quais ele conta como iniciou a coleção. “Ele fala sobre quando chegou no Japão, no período pós-guerra, e por isso faz essa conexão Pelotas-Japão, através de cidades irmãs. Conhece duas americanas que estavam procurando arte japonesa e iam para os antiquários, e ele foi junto. Nisso, fica amigo do professor Kenzo Tanaka que lhe apresenta a história de Suzu [cidade japonesa]”, explica. Artista plástico e ensaísta, Tanaka concebeu o projeto da Praça Jardim de Suzu, que inicialmente ficaria ao lado da Rodoviária de Pelotas, depois seria no Aeroporto, e hoje se localiza na avenida República do Líbano.

     O acervo de doação de Vinholes tem em torno de duas mil obras. “O que está exposto é um recorte mínimo que eu fiz. Minha escolha foi pela gravura porque tem essa importância de influenciar a arte moderna. E, ao mesmo tempo, apresenta uma grande qualidade gráfica”. Exemplo disto são artigos como um livro, em forma de “mostruário”, datado de 1890, um pôster escolar que ilustra todas as posições de um exercício físico, e um material que demonstra o “tintamento” feito em peixes para registrar dados como que tipo foi fisgado e quem realizou a pescaria. “É a vida gráfica do Japão”.

     Pellegrin se apropriou de um recurso utilizado por Vinholes, com a inclusão na mostra das definições das técnicas presentes nas obras, como recurso informativo e como forma de apresentar o “discurso dele”. “Tem muito texto por causa disso e também para que as pessoas possam ler e entender. Acho que a exposição é generosa nesse sentido. Alguém que visitar a exposição vai ter informação pra ler, saber quem doou e de onde veio”.

     A exposição também conta, como de praxe, com um texto do curador. “Eu quis que a gente começasse a pensar: O que são coleções? Como se formam coleções? O que move o colecionador? É juntar, escolher, procurar, comparar, discutir, organizar e depois pensar: O que eu faço com isso?”.

     “É bonito como esses dois homens têm um carinho por Pelotas, como eles percebem que a cultura aqui tem um valor grande, tanto é que querem que a cidade cuide da cultura que eles produziram e recolheram. Eles fazem uma trajetória semelhante com 50 anos de diferença”, avalia Pellegrin, que também traça um paralelo com o outro evento: “A exposição que a Carmen faz é uma prova do reconhecimento que a cidade tem com o Gotuzzo”.

     Os dois curadores destacam também a atuação de toda a equipe do Museu, sobretudo da museóloga Joana Lizott, que “tem muita paciência” e é responsável pela manipulação das obras.

     Carmen é presidente da Sociedade Amigos do Museu e aproveita as exposições para divulgar a existência de um grupo que colabora com o fortalecimento do local. “O Museu é da Universidade, ele tem seus custos fixos, mas os gastos diários, com as exposições, aquisição de obras novas, sai da Sociedade”. Para se tornar sócio, basta preencher a ficha de inscrição disponível no Museu e contribuir com o valor de R$ 30 por trimestre. Alguns impedimentos, por exemplo, são enfrentados pela equipe do Malg e não chegam ao conhecido público, como é o caso do pagamento do seguro das obras, recurso indisponível para o Museu.

     Os dois professores ressaltam ainda a importância da gratuidade no local – tanto para entrada no Museu, como na visitação das exposições. “Muitas pessoas não sabem que o Museu é gratuito e não entram com medo de terem que pagar entrada ou que se sentem constrangidas. E é justamente isso que a gente não quer. Esse Museu é da cidade, é dos estudantes, e ele deve ser frequentado”, enfatiza Pellegrin. O Malg fica localizado na rua General Osório, nº 725, no Centro de Pelotas.

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