O fascinante universo de Jéssica
– Reportagem de Calvin Cousin e Gabriela Schander –
Arte e representação feminina na cena artística pelotense –
Jéssica Porciúncula trabalhando em seu ateliê: o próprio quarto
Pintora, serigrafista, escultora, desenhista, tatuadora, poetisa, canceriana com ascendente em Áries, feminista e mulher artista. Jéssica Fernandes da Porciúncula, 23 anos, é um universo inteiro em uma pequena porção – ela mesma conta que seu sobrenome tem esse significado. E não é para menos: sua inspiração é a poética e a paixão pelo que faz transborda aos olhos.
Estudante do nono semestre do curso de bacharelado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas e atualmente participante do coletivo ArtCidade Criativa (rua Padre Anchieta, 949), a interiorana de São Luiz Gonzaga respira a arte desde menina – seu pai é artesão e sua mãe pinta tecidos. Explorando a linguagem na arte, Jéssica reflete em seu ofício o infra-ordinário: uma porta vira mesa, seu corpo vira poesia, sua arte vira exposição. Assim, Jéssica retrata seu pequeno mundo de porções extraordinárias. Confira a entrevista que fizemos com a artista.
Arte no Sul: Como surgiu teu interesse pela área da arte?
Jéssica Porciúncula: Desde criança eu sempre gostei de arte. Durante o colegial, eu cheguei a trabalhar em alguns estúdios de fotografia, na cidade onde eu morava, além de desenhar sempre em casa. Mas eu nunca tinha pensado na arte como uma profissão. Eu sempre gostei de ler, escrever e desenhar então esse perfil acabou se criando na infância, esse gosto pelo fazer mais manual, mais poético, mais artístico.
AS: E tu costumas trabalhar com quais materiais?
JP: Eu trabalho com vários materiais. Sempre procuro experimentar ou aprender uma coisa nova, mas a essência, para mim, é o papel e caneta, eu estou sempre desenhando. Qualquer outro trabalho que eu vá fazer, mesmo que seja um móvel, por exemplo, antes eu vou desenhar nos meus cadernos. Então, eu tenho um apego muito forte com o desenho e com a escrita, mas fora isso eu trabalho com madeira, xerox, colagem, estêncil, gravura, alguns trabalhos em cerâmica e também estou começando um estúdio de tatuagem.
AS: Quais temas tu costumas abordar no teu trabalho? Tens alguma inspiração?
JP: Eu não sei se eu tenho uma grande inspiração, eu vejo mais como uma poética, alguma coisa em comum no meu trabalho que eu já percebi que acaba sendo comum em vários outros trabalhos meus de forma inconsciente. Eu gosto muito de relacionar coisas com o universo, que dão a entender o quão pequeno nós somos diante dele e, ao mesmo tempo, o quão grande são as nossas decisões e o quanto elas afetam o mundo assim como ele nos afeta. Também gosto de ir ao significado das palavras, tenho um apego muito forte com a linguagem e com o que as palavras podem significar em certos contextos.
AS: Como tu enxergas o cenário em Pelotas para os artistas independentes?
JP: A gente tem que correr atrás, pois a cidade em si não dá suporte para os artistas. O que sustenta a cultura, nesse ponto de vista, é a universidade, mas universitário vem pra cá, fica quatro ou cinco anos e vai embora. Eu vim para cá em 2012, já passei desses quatro anos, então já dá pra ver a movimentação do pessoal que fazia o cenário cultural. As pessoas vão embora e surgem, aos poucos, outros grupos, outros coletivos e fica sempre assim, como se fosse uma maré.
AS: Tu participas do coletivo cultural ArtCidade Criativa. Podes explicar como ele funciona?
JP: O ArtCidade é um coletivo que existe há uns quatro anos, eu entrei nele faz quatro meses. Ultimamente a gente tem produzido mais eventos aqui dentro da casa, antes eram mais eventos de rua. A ideia é produzir eventos numa casa aberta com uma pegada mais política, social e que seja de graça. Vivemos fazendo oficinas, de estêncil, de mobiliário sustentável, de origami, etc. Além disso, sempre deixamos aberto para outros grupos realizarem eventos aqui. Queremos que as pessoas utilizem esse espaço, pois às vezes elas têm a ideia de produzir alguma coisa, mas não podem fazer isso na rua por questões de infraestrutura ou não têm recursos para fazer em outro lugar, então a casa está sempre aberta para esse tipo de proposta.
A exposição “Mesma” pode ser vista no ArtCidade Criativa
AS: Quais eventos que já aconteceram no ArtCidade ou que vão acontecer em breve?
JP: Nessa nova sede, a primeira exposição que teve foi a minha, “Nebulosa”, e agora é uma exposição coletiva, “Mesma”, sobre a representação feminina, que deve ficar por uns dois ou três meses. Depois, nós vamos chamar um artista independente para expor, pois pra quem é artista a exposição individual tem um peso muito grande no currículo e queremos dar a oportunidade pra quem está aqui em Pelotas ter essa oportunidade.
AS: Qual tu acreditas que seja a importância do empoderamento feminino na arte?
JP: Historicamente, mulheres vêm sendo oprimidas e desde sempre temos homens no poder. Ser alguém que acredita, que age e que promove oportunidades para mulheres se expressarem é conseguir quebrar um pouco o machismo da sociedade. Na história da arte a gente só estuda sobre homens e tudo o que a mídia nos apresenta é uma ideia de mulher que não é real, uma mulher que foi escrita e pintada por homens que apresenta como devia ser nossos corpos e como deveríamos viver. Esse empoderamento é dar a voz para que uma mulher fale e faça por si. É colocar mulheres no cinema, no jornalismo, no teatro, enfim, em cargos de poder.
Desenho inspirado no termo “infinitesimal”
Dicionário Porciunculês
O trabalho de Jéssica vai para além da poesia – ela mistura linguagem, contextos e significados que produzem sentido às suas criações. Relacionando o universo com a natureza ínfima das situações cotidianas, a artista tem uma gama de palavras que ela toma como norte para retratar sua realidade. A seguir, selecionamos algumas dessas palavras que são a essência dos trabalhos de Jéssica e pedimos que ela desenhasse alguma delas, suscitando com papel e caneta sua arte.
INFRA-ORDINÁRIO – algo que está tão intrínseco à rotina que passa despercebido. É como aquele desenho na parede do trabalho ou uma pichação num muro pelos quais as pessoas passam todos os dias e não percebem.
INFINITESIMAL – termo matemático para se referir aos objetos que têm corpo de massa tão pequeno que não podem ser medidos, porém é maior que zero. É algo tão pequeno que não há como medir, porém sabemos que esses objetos de fato existem.
PATAFÍSICA – área da ciência que estuda as exceções. É a ciência do imaginário porque de certa forma não se faz ideia por que que existem certas exceções. Um exemplo seria o besouro. Anatomicamente, seu corpo não é aerodinâmico, impossibilitando que o animal voe. Porém, ele voa.
PORCIÚNCULA – termo para definir o diminutivo de porção. É a parte menor de algo.
Contato
O ArtCidade Criativa é um coletivo que funciona desde 2012 e procura fomentar o debate sobre economia criativa e cidades criativas por meio de oficinas, palestras, rodas de conversa e outras atividades, priorizando o caráter gratuita das iniciativas. A sede está localizada na Rua Padre Anchieta, 949 e tem uma página no Facebook. Especificamente os trabalhos de Jéssica Porciúncula também podem ser acompanhados na rede social.
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