O sentido dos cursos de cinema

– Reportagem de Calvin Cousin e Gabriela Schander – 

Uma conversa sobre a produção técnica e cultural nas formações em audiovisual –

 

A Universidade Federal de Pelotas (UFpel) tem a distinção de ser a única universidade federal no Rio Grande do Sul com um curso em Cinema e Audiovisual e uma das únicas no País com o curso de Cinema de Animação. A primeira experiência da instituição com um bacharelado voltado para a sétima arte se deu em 2007, com a fundação do curso de Cinema e Animação, que posteriormente foi dividido em graduações distintas, conforme relata a coordenadora dos cursos, a professora Carla Schneider: “Descobriu-se que o perfil do aluno que quer fazer cinema live-action, com atores, é muito diferente do de quem quer fazer cinema de animação. Então, o curso de Cinema e Animação foi extinto e, em 2010, abrimos Cinema de Animação e, no ano seguinte, Cinema e Audiovisual. São formações muito específicas”.

Carla Schneider: coordenadora dos cursos de cinema da UFPel

Dialogando constantemente com o corpo estudantil, os responsáveis pelo funcionamento dos cursos buscam atualizar aspectos do currículo a cada dois ou três anos, assim como ressaltar a necessidade e importância de um maquinário de boa qualidade para a formação dos alunos. “No momento que dá um problema aqui, tudo para de funcionar, pois sem equipamento não tem como ensinar”, descreve Carla. Para tanto, uma disciplina de Operação de Equipamentos Audiovisuais é obrigatória para os alunos do primeiro semestre de Audiovisual, com o intuito de preservar e orientar o uso do material disponível. A disciplina faz parte da proposta pedagógica de horizontalidade que os cursos propõem.

A horizontalidade integra disciplinas que apresentam alguma relação em cada semestre com o intuito de conseguir dos alunos um produto cinematográfico coeso e bem elaborado. No curso de Cinema e Audiovisual, os estudantes produzem, em média, um material por semestre, inclusive no primeiro, algo que não acontece em Animação. Através de relatos das turmas, professores do curso perceberam que pedir um trabalho de maior duração para ingressantes seria algo além da conta, então o que é solicitado é um pencil test, mais curto, que costuma durar trinta segundos.

Para obter a graduação em Audiovisual na UFPel, os alunos necessitam um produto final, que corresponde ao trabalho de conclusão de curso. A graduanda Júlia de Moura, matriculada no sétimo semestre, contou um pouco sobre sua produção: o longa-metragem “Despedida”.

O primeiro longa produzido por uma equipe de alunos da universidade promete mostrar o lado sensível, poético e subjetivo das relações humanas. O enredo envolve Sofia, uma mulher que retorna à casa distante que morou durante sua infância depois da morte do pai. Por meio desse retorno, a personagem entra em conflitos internos e, então, acontece uma simbiose simbólica entre a Sofia adulta e a criança. O filme é sobre as várias despedidas que as pessoas vivenciam interiormente e as inúmeras questões que cercam nossa existência e que podem ser reveladas por meio da interferência do ambiente em que nos encontramos. Com roteiro e direção de Júlia de Moura, direção de fotografia de Juliana Pancinha, direção de produção de Mateus Armas e direção de som de Gabriel Blaas, o longa atualmente se encontra em fase de pré-produção e tem previsão de lançamento para setembro desse ano.

Sobre a produção de um filme na universidade, Júlia contou que as adversidades enfrentadas em uma produção feita por estudantes, muitas vezes, tangem problemas financeiros. A casa encontrada para locação de filmagem é em Santa Maria, e isso “já demanda gastos com deslocamento, alimentação, etc. Além disso, mobiliar uma casa vazia conforme o roteiro é bem difícil, levando em consideração o baixo orçamento, já que não existe nenhum apoio financeiro da universidade”, afirma a estudante.

Essas questões, porém, foram sendo conversadas ao longo da fase de pré-produção e resolvidas conforme as demandas. Nessa fase também aconteceram as decisões prévias de direção e direção de arte e fotografia, além de decupagens e escolha de elenco. Júlia afirma que esse “é um período bem extenso, de escolhas e de conseguir tudo que de fato vai precisar durante a produção. É bastante chato, mas é quando colocamos a mão-na-massa para conseguir todo o material necessário para produzir o filme”.

Cena do filme "Despedida": lançamento previsto para setembro

Cena do filme “Despedida”: lançamento previsto para setembro

Já na fase de produção, quando o produto foi gravado, as decupagens já estavam prontas com todos os planos e os cronogramas estabelecidos. Nessa fase, a ideia de fazer um curta-metragem se transformou na preparação de um longa, para que a história não fosse cortada e ficasse com lacunas. A última parte, mais longa e trabalhosa, foi a da pós-produção, período de montagem, correção de cor e efeitos especiais.

Quando questionada sobre a visibilidade que os curtas e longas produzidos pelos alunos da universidade têm, Júlia é categórica: “poderia ser melhor”. Ela menciona a Lei do Curta, estabelecida pela Lei Federal 6.281 de dezembro de 1975, que estabelece a obrigatoriedade de exibição de um curta-metragem nacional antes de qualquer longa-metragem estrangeiro. A lei, contudo, não é cumprida, o que torna a produção universitária mais desvalorizada, visto que a produção desse tipo de material tem vida curta e são difíceis de distribuir em território nacional.

Apesar das dificuldades, na UFPel existe o projeto do Cine UFPel, um espaço conquistado pelos cursos. A proposta do projeto é a de trazer filmes sensíveis e humanos, de preferência nacionais e com apresentação de curtas antes de sua exibição.

A coordenadora Carla aponta uma série de dificuldades para a manutenção dos cursos, eis que, tendo em vista o contexto econômico e político do país, esses estão recebendo uma cota de 25% do valor recebido em 2015. Todos os recursos recebidos, sejam para eventos ou para compra de material, se dão através dos editais que a universidade propõe e isso acarreta na impossibilidade de abrir um acervo, como uma videoteca, para que as pessoas tenham acesso a toda a produção cinematográfica da instituição. Ainda assim, Carla conta que o material encontra outros meios de chegar ao público: “O que se consegue agora é disponibilizar num portfólio online, mesmo que os materiais disponíveis não sejam os mais recentes, pois os alunos geralmente assinam um termo de direitos que resguarda um ano de ineditismo do trabalho feito. Nesse período, eles optam por circular pelos festivais.”

Apesar das dificuldades, a professora acredita que os cursos já causam impacto na região, com a inclusão de alunos trabalhando com o audiovisual nas campanhas políticas, por exemplo. Ela salienta o papel da universidade no ato de fazer cinema e o papel do cinema no cotidiano: “Estamos em uma época muito audiovisual, de muita produção. Fazer cinema é transformar pensamento em imagem. Temos a função de fazer as pessoas verem a profundidade que um filme pode ter, além do entretenimento: a possibilidade de tocar o público com a questão que apresenta. É uma experiência bem forte se quisermos levar a sério”.

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Sucesso!

Rosa Elaine Gonçalves

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