Reportagem de Anahí Silveira –
Você já passou por prédios vazios, abandonados, ruínas cinzas e silenciosas e se perguntou por que estão ali ou qual serventia poderiam ter? Já pensou nos terraços? O que eles sugerem? Tais perguntas não são lá muito comuns, mas um projeto de videodança, pioneiro em Pelotas, começou a problematizar esses espaços na estrutura urbana da cidade. O Ócio – Experimentos em Videodança é um projeto que se vale do uso da linguagem da videodança, a qual vem ganhando força nas últimas décadas, para propor um diálogo com a cena das culturas locais. O nome ócio se dá justamente pelo desejo de encontrar um lugar ocioso e descobrir nele suas diferentes condições e como pode ser aproveitado.
A bailarina, diretora geral, coreógrafa e oficineira do projeto, Bruna Oliveira, 27 anos, idealizou a experiência a partir de seu envolvimento com esse tipo de arte. “Faço dança desde criança e sempre tentei aplicar minha ideia de dançar fora dos palcos, mas não sabia como fazer”, diz. Ela explica que o fechamento das portas do Theatro Sete de Abril, interditado por determinação do Ministério Público Federal desde 2010, foi um dos motivos para que começasse a arquitetar o projeto, uma vez que a desativação deixou muitos artistas da cidade desamparados, sem um local para expressar suas artes.
Em 2012, Bruna, que é estudante do curso de filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), participou de uma atividade extraclasse na faculdade: uma oficina de videodança, que lhe abriu os olhos para colocar em prática seu desejo. “A ideia era sair do palco, pensar a dança em outro lugar e eu percebi que isso poderia ser feito”.
O projeto Ócio foi arquitetado enquanto um projeto-processo, cujos frutos não surgem somente como fechamento e apresentação de um produto-cultura, mas se desdobram também em sua execução. Sendo assim, as atividades iniciaram quando o grupo de bailarinos, formado por Bruna e mais dois integrantes do projeto, começou o “laboratório de rua”, onde o trio saía em movimentação pela cidade, analisava como o corpo se comportava em determinados lugares, em locais abandonados, e explorava-os. Ela explica que os pontos de atração foram idealizados a partir da zona portuária de Pelotas e pela “vontade de ocupar tais espaços”.
Em um segundo momento, foi criado então o roteiro do Ócio, aos moldes do cinema, mas elaborado para a dança. Construindo a narrativa, Ócio foi concebido para registrar de maneira audiovisual os resultados dessa dança aplicada nos espaços urbanos. “Analisar a tensão dos braços, adequar o corpo à filmagem, esses foram alguns dos nossos desafios nessa parte do projeto. A brincadeira principal é rasgar as paisagens para ver o que acontece, é mostrar os lugares de um ângulo ainda não visto”, destaca.
O projeto dividiu-se em etapas e em cada uma delas a proposta seria estar em conexão com públicos diferentes, para que, no encerramento do processo, os envolvidos tivessem feito também um percurso de observação e reflexão acerca da cena local através dos espaços, pessoas e suas relações. Dessa forma, a primeira etapa teve início com oficinas de “Ação Perfomática”, ministradas pelo artista argentino Javier di Benedictis e direcionadas especialmente a profissionais locais do audiovisual, da dança e outras expressões, promovendo a difusão de experimentos em processos criativos.
Já a segunda etapa do Ócio foi baseada na aplicação de oficinas para alunos da rede pública municipal de ensino nas localidades da Colônia Santa Silvana e bairros Simões Lopes, Fragata e Centro. Bruna justifica a escolha: “Queríamos experimentar esse projeto em contextos diferentes, mas com a mesma proposta. Foi incrível. Tiveram turmas que aceitaram bem, outras demonstraram a clássica vergonha das pessoas para dançar. Em cada escola fomos modificando o processo de acordo com a reação dos alunos”. Exercícios de ritmo, contato com filmagem, lousa no pátio, ocupação do terraço da escola e execução até mesmo do “passinho”, seguindo a sugestão de alunos, foram algumas das atividades empregadas. Durante as oficinas aplicadas em junho deste ano, videomaker, músico e coreógrafa do projeto tentaram promover um espaço de reflexão sobre a relação corpo-ambiente-tecnologia.
Todas as oficinas foram documentadas e neste momento o Ócio passa pelo processo de criação do seu conteúdo audiovisual. Os 300 DVD’s produzidos apresentarão um videodança realizado pela equipe do projeto e um mini-documentário do processo geral e serão distribuídos gratuitamente em instituções de ensino e cultura. O projeto, que aconteceria de abril a agosto deste ano, acabou se prolongando devido à extensa rede de atividades que nem mesmo os produtores imaginaram que teriam.
O projeto Ócio – Experimentos em Videodança é financiado pelo Programa Municipal de Incentivo a Cultura (Procultura/Pelotas). Bruna aproveita a aprovação do projeto na seleção do ano passado para relacionar o programa de incentivo com o fomento das atividades artísticas na cidade. “É legal que tenha bastante demanda para que se perceba a quantidade de propostas que temos na cidade e a necessidade desse incentivo. Muitas ideias não são colocadas em prática pela dificuldade em executá-las sem esse apoio”, avalia.
A bailarina, que nasceu em Dom Pedrito, mas mora em Pelotas desde 1998, atenta para a necessidade de observar a cidade caminhando ou pedalando e fazendo um olhar desautomatizado pelo percurso. “Tem muito a se extrair, só precisamos nos conectar com o meio. O espaço da cidade me sugere o que fazer com aquele lugar. Como apredizado, o Ócio me mostrou como a rotina funciona em grandes proporções, a dança em perspectiva profissional e o caminho gigantesco que ainda preciso trilhar. Pude refletir sobre os espaços e isso me ajudou a propor outros lugares diante da cidade. Pude dançar com a cidade”, destaca Bruna, diante de um balanço sobre o projeto que ganhou força também por ser o primeiro nesta área em Pelotas. O Ócio deverá ser concluído em novembro e nas próximas semanas será lançado o site oficial do projeto, servindo como um mecanismo de acervo dos materiais reunidos até então.
Equipe Ócio – Experimentos em Videodança
Bruna Oliveira – diretora geral, diretora coreográfica, dançarina e oficineira
Gracia Casaretto – diretora de arte e fotógrafa
Tiago Kickhöfel – diretor de vídeo, videomaker, roteirista, editor e oficineiro
Átila Silveira – diretor musical, músico e oficineiro
Guilherme Oliveira – diretor de comunicação, roteirista e assessor e imprensa
Martha Grill – diretora de produção
Fernanda Thiel – dançarina e produtora executiva
Thiago Barbosa – dançarino
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