Uma experiência cinematográfica fora da curva
O Cine UFPel é uma excelente alternativa para quem busca um cinema diferente, diverso, gratuito e com uma experiência que vai além da tela
Por Felipe Boettge e Jaime Lucas Mattos / Em Pauta
Pelotas tem uma história com a sétima arte que acompanha a história do cinema no Brasil. Ao longo do século XX houve vários cinemas de calçada espalhados pela cidade. Com o avanço da tecnologia e a popularização de outros meios de consumo, como a televisão, as salas de cinemas acabaram fechando, por conta da falta de demanda do público.
Hoje, a cidade possui dois cinemas comerciais, o CineArt e o Cineflix, que, juntos, possuem nove salas de cinema. No entanto, também existe um cinema universitário, trazendo uma proposta diferente.
O Cine UFPel tem em sua essência a busca pela exibição de filmes que não são projetados pelos grandes cinemas. Com essa proposta, o Cine UFPel abre espaço para diferentes perspectivas, com olhares que vêm de diferentes países, com uma diversidade de diretores, elencos e narrativas.
Criado em 2012, através de uma iniciativa dos professores dos cursos de Cinema da universidade, o Cine UFPel passou a funcionar em 2015 no auditório do prédio da Agência Lagoa Mirim. O projeto foi primeiramente coordenado pela professora Cintia Lange, e atualmente tem Roberto Cotta como coordenador.
“O objetivo do Cine UFPel é contribuir com a formação de repertório para a comunidade pelotense. Exibir filmes de diversos países, de diversos tempos históricos, tentando fazer com que a comunidade tenha acesso a um cinema diversificado” – Roberto Cotta.
O projeto possui uma sala de cinema com projeção digital, tendo uma capacidade de público de 82 pessoas. A entrada é sempre gratuita, e as próximas sessões são divulgadas na página do Instagram do Cine UFPel.
“Eu acho um privilégio enorme a gente ter o Cine UFPel, tanto para a cidade quanto para nós, universitários, porque é uma chance de ter o cinema perto da gente, de uma forma completamente diferente do que vemos em shoppings” – Maria Clara dos Santos Souza, estudante de Cinema e curadora do cineclube Zero4.
As sessões do Cine UFPel, provêm de um projeto de extensão da universidade, além de cineclubes organizados pelos próprios estudantes dos cursos de Cinema. Dentre os projetos do Cine UFPel, há o de extensão, que busca pela exibição de filmes nacionais, enquanto o cineclube Cassiopeia é dedicado ao cinema de animação e a Mostra Transviada é dedicada a filmes com representatividade LGBTQIA+.
Nós do Em Pauta fomos em uma sessão organizada pelo cineclube Zero4, na exibição de um projeto chamado 1+UM, no qual um curta e um longa são exibidos de forma que conversem um com o outro. A ideia surgiu como uma forma de introduzir os dois tipos de produção para o público, permitindo a apresentação de histórias de diferentes movimentos, diretores e diretoras dos mais variados países e escolas.
O Zero4 conta com uma curadoria feita por estudantes de Cinema que são membros do cineclube. Além disso, faz parte da composição do projeto um debate que acontece após o fim de cada sessão, através do qual os curadores abrem o espaço para uma conversa sobre o que foi assistido.
“A gente tenta prezar pela escolha de filmes que acabam complementando um ao outro de maneira direta. Por exemplo, a gente sempre tenta escolher um filme brasileiro, filmes dirigidos por cineastas mulheres, de diferentes nacionalidades. E assim, a gente consegue ter uma grande amplitude para que a nossa seleção seja bem ampla e vasta, e que acabe concentrando diversas experiências, que possam acabar acrescentando bastante as pessoas.” – Pedro Bournoukian Moura, estudante de cinema e curador do cineclube Zero4
Na sessão a qual assistimos foram exibidos os filmes “Pequenos Momentos do Cotidiano” (de título original “Passionless Moments”) e “Toda Uma Noite” (“Toute Une Nuit”).
O primeiro filme é um curta-metragem australiano de 1983, com duração de 12 minutos, dirigido por Jane Campion e Gerard Lee. O curta apresenta pequenas histórias cotidianas que narram situações estranhas, constrangedoras ou fúteis. Somos apresentados a histórias como a de uma criança que comprou feijão no mercado e, no trajeto de volta a casa, fantasia que ele tem 20 segundos para chegar senão os feijões explodirão. Outra situação é a de um homem que enganosamente acena ao vizinho porque achou que ele havia acenado para si antes.
O curta-metragem traz uma atmosfera de momentos fúteis do dia a dia, que não parecem ter importância o suficiente em nossas vidas, mas que na perspectiva de Campion e Lee ganham um novo significado. Vale mencionar que a diretora Jane Campion é vencedora dos Oscars de melhor roteiro original, por “The Piano” (1993), e de melhor direção, por “Ataque dos Cães” (2021).
Já o segundo filme que pudemos assistir é dirigido e roteirizado por Chantal Akerman. Lançado em 1982, é uma produção belga-francesa que acompanha um grupo de pessoas durante uma noite em Bruxelas. O filme apresenta uma série de encontros e desencontros amorosos, explorando o contexto urbano e a poluição sonora da cidade, em contraste com os momentos de silêncio entre os personagens.
Em diálogo com o filme anterior, “Toda Uma Noite” também nos proporciona fragmentos de histórias, onde o real protagonista da narrativa é o cenário da noite belga. Os casais que encontram-se e desencontram-se, as decisões que são feitas e desfeitas, os abraços e “desabraços”, são o que conduzem a narrativa pela extensão da noite, até que chega o amanhecer. O vazio, o jogo de luzes e sombras e essa confusão de sentimentos dos personagens acabam atingindo o público também, que sente a solidão e, ao mesmo tempo, o acalento de determinadas situações.
A melhor parte da nossa experiência no Cine UFPel, além de poder assistir filmes que fogem do padrão do que estamos acostumados a ver no cinema, foi poder assistir ao debate feito após a exibição. Esse debate enriquece o repertório e abre novas perspectivas sobre os filmes que assistimos. A partir disso, o Cine UFPel se torna espaço não só de entretenimento, mas de aprendizado e compartilhamento de sentimentos e emoções, contemplando a sétima arte da forma que ela deve ser contemplada.
“[O debate] é importante porque, além de expandir o nosso ponto de vista, também acrescenta coisas a quem acaba de assistir o filme […]. Com o debate, a gente consegue entender mais o que foi passado.” – Alan Islabão, estudante de Cinema e espectador do Cine UFPel.
Para quem gostou do projeto e do nosso relato e quer conhecer mais, o Cine UFPel fica localizado no prédio da Rua Lobo da Costa, 447, com entrada pela Rua Álvaro Chaves. As sessões são gratuitas e ocorrem em dias específicos, geralmente entre quarta e sexta. O público pode acompanhar as novidades através do Instagram do projeto.