Os dias são pedaços de nós

Por Marcelo Nascente

Imagem: Divulgação

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As cidades são histórias. Como as das novelas, ou como as dos livros do Stephen King.

E cada quarteirão é como se fosse um conto, com personagens independentes e complexos. De uma forma ou de outra (se fosse King seria através de um fio invisível ligado acima da cabeça em direção ao céu) as histórias acabam se interligando. Sempre.

E se descobre, por exemplo, que a vizinha, aquela velhinha simpática, que sempre te cumprimenta, em um dia de chuva te dá um empurrão pra subir antes no ônibus…

As casas, pequenos manicômios, com neuras que atravessam gerações. Às vezes recebem uma demão de tinta, o que só engana os que moram mais longe.

Bípedes entram em seus carros e partem em missão. Qualquer um que julguem que os estejam estorvando são imediatamente considerados inimigos. Mas tem cada vez mais gente. E cada vez mais carros…

Não assisto mais televisão. Futebol, noticiário, propaganda de sutiã que inventa um peito. Aos poucos vou me tornando um chato, mas me interessa saber que num lugar, que eu não faço ideia de onde fica, aconteceu uma explosão e nasceram centenas de estrelas.

As capas de jornal contabilizam os mortos, e cavalos e pessoas ainda puxam charretes. Mas não me leve a mal, não quero parecer pessimista. Ainda há poetas que rimam, falando sobre folhas caindo, suavemente ao chão… Mas todas as terças, quintas e sábados, eu fico pensando no porquê de aqueles caras terem que carregar o meu lixo.

Pode ser que o inverno torne as pessoas mais solidárias, não sei. A esperança é meia-irmã da frustração. O que eu sei, de verdade, é que todos os dias quando o sol nasce, aqui em casa ele bate primeiro na janela do quarto. E ali tem uma roseira amarela, que dá flor o ano inteiro.

Uma vizinha passa pra ir à padaria. Outra pessoa, no sentido contrário, com um carrinho de mão. Seu Zé sai de carro, atrasado pra levar o guri pra aula. Vejo a fumaça do cano se dissipando e sinto o cheiro do combustível.

Quantos assuntos carregam na cabeça? Quantas respostas indesejadas serão capazes de dar hoje? E quantos, novos, trarão para dentro de suas casas na volta pra casa?

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