Menos rebeldes do que nunca

A segunda temporada do reboot de Rebelde feito pela Netflix chegou à plataforma no final do mês de Julho, apenas 6 meses após a sua estreia no catálogo.

Por Sarah Oliveira

Os alunos do Elite Way School estão de volta./Foto: Reprodução Netflix

Mais uma nova temporada surge para acompanharmos os atuais estudantes do famoso colégio Elite Way School. Agora a série começa recriando o enredo da segunda temporada de “Rebelde” (2004): a chegada de um novo diretor à escola.

Nas versões de 2002 e 2004, o novo comandante do EWS é um diretor que adota medidas extremas na instituição, além de ser um homem de índole repugnante ao abusar de seu poder como superior do colégio para humilhar e assediar de diversas formas os alunos e alunas do Elite Way. E dessa vez não foi diferente.

Ao assumir o posto, usurpando a cadeira da diretoria que estava no comando de Celina Ferrer, (Estefania Villareal), o professor Gus Bauman (Flavio Medina) – que já estava pondo as suas garras no Programa de Excelência Musical (MEP) através de uma reformulação completa do curso – começa a aplicar as suas ideias radicais por todo o colégio, a fim de garantir a sua nova fonte de talento musical inesgotável. Juntamente com a chegada do novo docente, também temos o ingresso de dois novos personagens que irão se relacionar diretamente com os já conhecidos protagonistas, causando novos dramas entre todos.

Falando em protagonistas, neste ano temos os oito principais de volta à escola e dessa vez todos estão em novas fases de suas vidas, que são tão decepcionantes e vergonhosas quanto a que eles estavam na temporada de estreia – com exceção de Dixon.

Sendo o único que é realmente autêntico e fiel ao que acredita, Dixon (Jeronimo Cantillo) é o verdadeiro rebelde dessa nova geração. Ao não ter medo de falar o que pensa, enfrentar aqueles que atrapalham o seu caminho e ser sempre o primeiro a se manifestar quando algo errado está acontecendo, o colombiano é de longe o mais interessante de se acompanhar, por justamente carregar em si aquilo que os seus antecessores sempre fizeram no Elite Way School, sem deixar de ser original a sua própria maneira.

Nesta fase, encontramos Dixon mais focado do que nunca para realizar o seu sonho de ser um grande rapper e ele inicialmente trilha este caminho através do MEP, mas após ver os valores do programa serem investidos pelas ideias contraditórias do novo professor encarregado, Dixon faz questão de se retirar do ambiente e ir em busca do aperfeiçoamento de sua música sozinho. Dessa maneira, Dixon se consagra como, não só um grande artista, mas também o melhor de todo o EWS – dentro e fora do MEP.

Dentre todos os alunos, Dixon é o verdadeiro revolucionário do novo EWS. /Foto: Netflix

Em contrapartida, temos os outros dois membros da classe de 2022 que chamam a atenção são os controversos Sebas e Luka. 

Conforme a série vai acontecendo, Sebas (Alejandro Puente) é o segundo mais interessante de se olhar. O vilãozinho da trama que, apesar de ser irritante e odioso pelas suas ações na primeira temporada, nesta parte vemos um Sebas que ainda tem os seus trejeitos de bad boy, mas também o seu esforço em tentar ser uma pessoa decente devido ao seu afeto por MJ (Andrea Chaparro). Tal dinâmica faz com que o personagem vá ganhando de pouquinho em pouquinho a atenção de uma maneira que, mesmo ainda possuindo posicionamentos questionáveis, você acaba criando uma boa expectativa de que ele faça algo bom para que ele evolua como pessoa ou até mesmo algo ruim pra que pelo menos haja alguém que movimente a história, nem que seja de um jeito minimamente interessante e – como já visto antes por parte dele – malvada.

Igualmente ao que estava na primeira temporada, Luka (Franco Mansini) continua sendo irritantemente atraente, porém dessa vez ele extrapola todas as barreiras e expectativas esperadas para ele se tornando o mais improvável: um de traficante de drogas – que nesse caso são pílulas de remédios restritos – para poder suprimir a falta da mesada que foi cortada por seu pai. Mesmo sendo uma atitude bastante discutível, ao longo da história percebemos que palavras como “questionável” e “duvidoso” são as que regem a vida de Luka no EWS e, por mais que soe estranho, essa é uma das coisas que o torna um dos mais interessantes de se acompanhar na trama.

Insuportável desde o seus primeiros minutos, Jana (Azul Guaita) apenas dá mais motivos para que tanto os seus colegas na ficção quanto os espectadores no outro lado da tela não gostem dela. Mesmo nos momentos em que ela tenta entregar o mínimo de carisma ou algum feito que poderia vir a ser icônico,  no final se torna apenas vergonhoso.

Apesar de ter talento, sua personalidade de patricinha – que agora também quer ser malvada e debochada – a deixa mais intragável do que nunca, principalmente ao declarar sua rixa com MJ. Sua constante necessidade de aprovação alheia faz com que Jana saia perdendo desde o início, pois enquanto ela tenta buscar a validação dos outros em todos os momentos, MJ apenas se reafirma como a artista talentosa que ela é, não para terceiros, mas para si própria.

Jana e MJ: A rivalidade se estabelece na 2 temporada. /Foto: Reprodução Netflix

Além disso, Jana constantemente faz o uso do argumento de que é uma cantora com anos de carreira – que até hoje nem os personagens nem o público tem a certeza se tal carreira foi conquistada por mérito próprio ou pela influência de seu pai rico e famoso no ramo musical – para sair por cima e isso só a faz se afundar na sua prepotência. 

De longe o pior de todos, Esteban (Sergio Mayer Mori) tem o pior e o mais desinteressante enredo de todos. A sua jornada nesta temporada faz com que o seu plot anterior e previsível na estreia da série seja uma obra de arte comparada com a sua nova fase de conquistador barato. Além de sua transformação vir junto com uma imensa decadência moral ao fazer de tudo para ser o queridinho do professor, Esteban se converte cada vez mais em uma cópia fiel de seu pai biológico, o empresário Marcelo Colucci, um homem sem escrúpulos e corrupto que anos atrás foi o responsável pela falência do negócio e o motivo do suicido do pai de Miguel Arango (Alfonso Herrera). 

Nem mesmo nos seus poucos momentos de decência é possível ter algum sentimento bom pelo personagem, pois depois de tantas ações deploráveis vindo do jovem, reparar elas minimamente não é mais do que sua obrigação. Ademais, a performance entediante e sem graça do ator responsável pelo personagem também não ajuda em nada no desenvolvimento de qualquer simpatia pelo jovem.

O novo estudante do colégio e do projeto musical mais disputado, o cantor adolescente Okane (Saak) é o novo centro das atenções do Elite Way. Apesar de ser um personagem promissor, Okane acaba se tornando tão ordinário quanto os outros já existentes na trama, tendo como o seu único destaque a sua personalidade duvidosa, porém impactante como o seu único diferencial entre os seus colegas – isso, além de ser uma espécie de mula do novo diretor para vender as pílulas aos alunos e ser seu capacho oficial. Em paralelo a ele, a nova aluna do EWS é totalmente esquecível. Totalmente reduzida a par romântico de Esteban, Ilse não acrescenta em nada na história, tanto que havia momentos em que nem lembrava de sua existência.

As outras duas protagonistas de “Rebelde” (2022) possuem seus enredos entrelaçados. Sendo um dos poucos casais coerentes da série, o relacionamento de Emília (Giovanna Grigio) e Andi (Lizeth Selene) acaba logo de cara quando o desespero da brasileira e a impulsividade da mexicana entram em conflito. Para poder ter a sua estadia no México garantida por mais um ano, Emília rouba uma canção que Andi escreveu e a apresenta para o novo professor afirmando que a composição era sua para impressioná-lo. Depois de descobrir o feito da menina, Andi, durante um exercício em aula, expõe a namorada na frente do professor e da classe inteira, fazendo com que Emília seja expulsa do colégio e sua saída do país seja adiantada.

Após o ocorrido, Andi se sente tão culpada que, para poder esquecer do mal que fez a sua agora ex-namorada, recorre às pílulas que Luka e Okane estão vendendo pelo colégio. Assim, conforme o seu vício vai crescendo mais a cada dia, a jovem chega ao ponto de diversas crises de abstinência e também a uma quase fatal overdose no meio da aula. 

Para os que já estão familiarizados com o universo de “Rebelde”, nesta temporada temos um assunto que já lhes foi apresentado tanto na versão original argentina de 2002 quanto no remake mexicano de 2004, que é o uso de drogas entre adolescentes. Nas novelas pioneiras, o personagem que trouxe esse enredo para a trama era o aluno Joaquim, um jovem atleta e novo estudante do Elite Way, que ingressa no meio da primeira temporada e conquista a atenção de Marizza (Camila Bordonaba) e Mia (Luisana Lopilato) na Argentina e de Roberta (Dulce Maria) e Mia (Anahí) no México. Apesar de ser um rostinho bonito, Joaquim faz um uso de uma grande quantidade de drogas com a desculpa que elas o ajudam a manter o bom desempenho nos esportes que pratica, mas isso não passa de uma grande mentira. Ao longo dos capítulos, vemos Joaquim tentando persuadir outros alunos a fazer uso dos entorpecentes e ele até consegue convencer alguns, mas tempos depois ele sofre uma overdose e também é expulso do colégio.

E nesta temporada da série reboot da Netflix temos um plot similar com Andi.

Seguindo os passos de Joaquim Arias (2002) e Joaquim Mascarô (2004), Andi é a vítima das drogas desta versão de ‘Rebelde”. (Foto: Flickr/Rebelde Wiki/Netflix)

Como dito previamente, a menina desenvolve uma grande dependência química graças aos remédios que Luka e Okane estão vendendo pelo colégio e vemos ela se afundando completamente em seu vício, trazendo uma boa representação do quão longe o uso de drogas nessa idade – e em qualquer outra – pode chegar, apesar de geralmente ser vista entre os mais novos, dentro e fora da tela, como algo “legal” e “descolado” de se fazer uso. É uma pena que toda essa construção seja deixada de lado nos episódios seguintes com apenas um resumo de que ela foi internada e ficará bem. O assunto só volta a ser tocado quando Andi retorna perto do final da temporada, não como uma crítica, mas na forma de mais um ponto na lista dos crimes de Bauman, que está prestes a ser exposto pela turma.

Indo em direção ao antagonista desta nova fase, temos o professor e diretor Gus Bauman que é a mais nova releitura dos outros diretores autoritários dos prévios Elite Way School e é tão desprezível quanto os seus antecessores. Talvez até mais que eles, pois no decorrer da trama descobrimos que ele foi o responsável pela morte de um jovem cantor da qual ele era empresário ao lhe dar acesso a drogas que pioraram o seu estado mental já abalado pela depressão, levando-o ao suicidio. Muito bem construído e totalmente odioso graças a boa atuação de seu intérprete, o diretor Bauman é um personagem que, a cada passo do desenrolar da história, vai despertando mais e mais o ódio do espectador, principalmente quando descobrimos outros podres em relação à ele, gerando uma boa expectativa sobre o momento em que ele será desmascarado – que sim ocorre, mas não surte grande efeitos. 

Mesmo tendo os seus crimes expostos na internet, isso não é o que de fato acaba com Gus, mas sim um tropeço digno de novela mexicana que o faz rolar escada abaixo. Apesar de ser um tipo de final satisfatório para um vilão – especialmente os que fazem parte desse formato tão querido no país onde a série se passa -, neste caso ele é totalmente frustrante, pois agora Gus não é mais um criminoso, mas sim uma vítima, sobretudo devido às circunstâncias de sua morte, fazendo com que ele seja tão inocente quanto os jovens que ele matou ou tentou assassinar.

Bauman, o novo diretor tirano do Elite Way. /Foto: Netflix

Seja lá quem estiver por trás da série e tenha dito que ela seria uma espécie de “homenagem” à primeira versão mexicana, claramente esqueceu de ter isso em mente na hora de escrever – e aprovar – alguns momentos dessa segunda temporada. E isso está mais do que evidente quando ao apresentar o grande projeto de final de ano letivo – um musical inspirado na história do RBD – temos Bauman dizendo que a história de Mia (Anahí) e Miguel (Alfonso Herrera) é a única que vale a pena contar, considerando que o casal superou a banda, reduzindo os outros quatro membros do grupo a meros coadjuvantes dentro da história que eles também foram protagonistas e que não seria a mesma sem eles.

Sinceramente, assim que ouvi tais palavras, parece que fui transportada diretamente para as páginas de fãs do RBD na internet nos anos 2000 – ou até mesmo para as que ainda existem hoje – comandadas por adolescentes ou jovens que vivem constantemente brigando entre si para provar que o seu integrante favorito do sexteto é o melhor com base na sua opinião e achismos. Completamente imaturo e nenhum pouco honroso para o que deveria ser um tipo de tributo – ou o que alegaram que seria.

Mas nem só de coisas ruins e ridículas – como as constantes frases de efeito em inglês que surgem do nada – vive a série mexicana. A história dessa temporada até possui um um enredo relativamente interessante com o novo método de avaliação que o Sr. Bauman instaura no Programa de Excelência Musical: uma competição online entre os alunos. Eles precisam cumprir algumas tarefas que o mestre designa ao longo dos episódios e aquele que tiver mais visualizações e likes se torna o melhor na disciplina e consequentemente consegue o melhor papel no musical do final do ano. Tudo isso para fazer uma analogia ao que é a indústria musical atual.

Enquanto o RBD só precisou de talento e músicas bem produzidas para se consolidar como um dos maiores atos musicais mexicanos no mundo e na indústria, a nova geração precisa lidar com um novo fator para triunfar na música: a urgência de ser viral na internet – a todo e qualquer custo. Tal necessidade não só mostra como o cenário musical vigente está tratando os seus músicos e cantores, mas também expõe o quão baixo uma pessoa pode chegar para tentar ser alguém nesse ramo, principalmente aqueles que não se garantem no próprio potencial e talento que tem, seja através do desespero de querer fazer a dancinha do momento até a publicação de um material que pode prejudicar a vida do seu colega profundamente, tanto profissional ou pessoalmente.

Os alunos do EWS na cerimônia de final de ano. /Foto: Netflix

Apesar de continuar com uma qualidade musical impecável através dos covers e composições originais da trilha sonora e alguns momentos instigantes, chega a ser vergonhoso que a única produção que possui os símbolos, a imagem, as músicas e o nome de Rebelde e do RBD para uma nova geração no maior serviço de streaming seja uma série que cada vez mais deixa de ser sobre a boa, coerente e sincera rebeldia dos jovens para ser um compilado de enredos que parecem ter sido retirados dos outros dois grandes sucessos latinos da plataforma, tendo a parte musical como o seu único diferencial ao compará-los.

Mas como diz um dos próprios personagens da série, nada mais importa do que se tornar viral na internet, não é mesmo? Nem que seja às custas daqueles que deveriam ter o mínimo de respeito, já que é graças a essas pessoas que a nova produção existe e está onde está.

 

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