Liberdade sobre rodas: a aula que ninguém quer perder
De palestras a primeiras manobras, a Mercado Skate Shop e a Nova Geração Skate aproximam jovens do universo do skate.
Por Alenka Wyse e Franciele Vargas
Iniciado pela Mercado Skate Shop, loja de artigos de skate de Pelotas, e a Nova Geração Skate, iniciativa que acontece na cidade desde 2007 liderada pelo skatista Emanuel Bueno e que busca aproximar pessoas à cultura do skate, o projeto “Invasão nas Escolas” surgiu em outubro de 2023 motivado pelo desejo de apoiar e incentivar o skate, como conta Larissa Conceição (integrante da equipe Mercado Skate Shop), e está transformando a forma como crianças e adolescentes se aproximam do universo do skate.
Conhecida na cidade por vender produtos e acessórios como tênis, moletons, skates, a loja sempre carregou a essência da cena urbana e cultivou uma relação próxima com skatistas locais. Mas, em 2023, a equipe percebeu que poderia levar o skate para quem nunca teve a oportunidade de segurá-lo nas mãos.
“Sempre acreditamos que o skate vai muito além de um esporte, é estilo de vida, comunidade e expressão. Então, levar essa experiência para dentro das escolas e ter contato direto com o pessoal mais novo foi um passo grande pra nós”, conta Larissa Conceição, Social Media da Mercado Skate Shop.
Já o Coletivo Nova Geração Skate, com mais de 18 anos realizando projetos, surgiu nas pistas de skate da cidade, como relata Bueno, que enxerga as escolas e os bairros como o berço da Nova Geração, onde encontram pessoas criativas e que, muitas vezes, começam a criar com os mesmos: “Por isso, levar o skate até esses locais é fundamental: nossos projetos têm o objetivo de expandir a cultura, resgatar o que não pode se perder — o amor pelo que fazemos — e valorizar a expressão única de cada pessoa. Afinal, não somos iguais, e essa diversidade é o que fortalece o skate” informa Emanuel Bueno, líder da Nova Geração Skate.
Do pátio à pista
O formato do Invasão nas Escolas é simples, mas de grande impacto. A equipe chega carregada de skates, com skatistas da loja e professores da Nova Geração Skate dispostos a ensinar e com muitas histórias para contar. Primeiro, acontece uma conversa sobre a cultura do skate e o cenário atual, que une música, moda, arte e atitude. Depois, vem a prática. Manobras básicas são demonstradas, regras de segurança são explicadas e, para os mais corajosos, há até a chance de subir no skate e sentir o equilíbrio pela primeira vez, há também sorteios de camisetas e brindes para a criançada.
O público é formado principalmente por estudantes do ensino fundamental e médio. As escolas parceiras são escolhidas levando em conta a possibilidade de proporcionar a experiência a crianças que não têm fácil acesso ao skate ou a espaços adequados para praticá-lo. Dentre estes colégios, o projeto já foi realizado em locais como Instituto de Menores (Imdaz), E.M.E.F. Núcleo Habitacional Dunas, Colégio São José e Escola Santa Mônica.
Impacto na cultura e nas crianças
“Em 2007 existiam apenas duas pistas públicas em Pelotas: uma no bairro Arco-Íris e outra onde hoje fica a PPP… Eram espaços pequenos… Mesmo assim, aos domingos, as pistas lotavam de skatistas, famílias e crianças. Muitas dessas crianças, sem skate ou brinquedos, deslizavam nas rampas com garrafas PET, improvisando a diversão… Foi aí que nasceu a ideia: ao invés de afastar, aproximar. Começamos a ajudar essas crianças, ensinando os primeiros embalos no skate” declara Bueno.
Projetos como esse cumprem um papel cultural que vai além do esporte. O skate, por muito tempo, foi alvo de estereótipos, sendo associado a rebeldia, marginalidade ou descuido. De acordo com informações divulgadas pela Central do Skate, entidade que regulamenta o skate no Brasil, a primeira Pista Pública de Pelotas surgiu nos anos de 1980, no Parque Dom Antônio Zattera, conhecida como Praça Júlio de Castilhos, era chamada informalmente de “Panelão” e representou um marco nesta cultura para a cidade, atraindo praticantes do esporte, telespectadores e fomentando a criação de comunidades e grupos de apoio à atividade física.
Já em 2020, foi inaugurada a nova Pista de Pelotas, agora conhecida como “PPP” entre os populares, marcada por reformas e ampliação nas suas áreas para a prática do esporte, o que fomentou a circulação de skatistas, admiradores do esporte, bem como crianças que buscam se divertir e aprender cada vez mais sobre manobras e a cultura do skate, que é feita de apoio mútuo e incentivo. Segundo Conceição, o projeto é importante pois: “mantém viva a essência do skate: troca de experiências, incentivo mútuo e evolução. Ao apoiar novos skatistas e apresentar o esporte para quem talvez nunca tenha tido contato, ajudamos a manter a cena do skate ativa e autêntica, criando oportunidades para que mais pessoas conheçam e se apaixonem pelo skate”.
O skate e as Olimpíadas: um impulso extra
O momento também é favorável. Desde que o skate estreou como modalidade olímpica nos Jogos de Tóquio 2020, sua visibilidade cresceu. Atualmente, o Brasil já conquistou 5 medalhas nos jogos olímpicos. Sendo, duas em Tóquio e duas em Paris. Ídolos do skate como Rayssa Leal, Kelvin Hoefler e Letícia Bufoni despertaram ainda mais o interesse de uma nova geração. “A presença do skate nas Olimpíadas colocou o esporte em evidência e despertou a curiosidade de muitas crianças e famílias. Hoje vemos um número maior de jovens querendo aprender e vivenciar a cultura do skate, e isso é incrível”, afirma Conceição.
Essa visibilidade também ajudou a romper barreiras. Pais que antes viam o skate com receio agora enxergam benefícios: desenvolvimento motor, equilíbrio, confiança e socialização.
“Muitas vezes encontro adultos que me dizem: ‘Participei do projeto na infância, e aquilo foi marcante para o que faço hoje’. Esses relatos são muito significativos e mostram como o skate pode transformar trajetórias. No lado pessoal, fico realizado com minha profissão de professor e produtor cultural. Em cada projeto, consigo ver no olhar das pessoas a alegria de fazer parte, e isso me motiva a continuar”, declarou Bueno.
O Invasão nas Escolas não se limita a ensinar manobras. Em um momento em que boa parte das infâncias é vivida diante de telas, ele devolve às crianças o contato com a experimentação, o corpo em movimento, a convivência coletiva e ensinamentos como que está tudo bem cair, mas é preciso se levantar e tentar de novo até acertar o seu objetivo, no caso a manobra. É sobre manter a perseverança e abrir espaços para que elas se descubram em um ambiente criativo, plural e acolhedor, transformando o pátio em território de troca e invenção.
Talvez nem todos sigam no skate, mas todos carregam algo novo ao final: a sensação de que existem outras formas de se expressar e de ocupar o mundo e que, às vezes, elas começam com um simples deslizar sobre o chão.




