Homeschooling: aprovação do projeto de lei causa repercussão

A medida ainda tem etapas para serem concluídas até fazer parte da legislação, mas causa preocupação em educadores

Por Caroline G. Quincozes

Nos últimos dias, aqui no Brasil, o homeschooling (também conhecido como ensino domiciliar) foi aprovado como projeto de lei (PL) na Câmara dos Deputados, tornando esse assunto bastante discutido nos últimos dias. Essa prática é, basicamente, um método educacional cujas crianças e adolescentes são ensinadas em casa, pelos pais ou responsáveis. 

A PL ainda deve ir ao Senado, mas fez com que muitas pessoas se manifestassem acerca do modo de ensino domiciliar. Os defensores acreditam que os pais têm o direito de ensinar o seu filho da forma que acharem melhor e, a maior parte desse público, considera como o motivo principal, a crença de que a educação no país é falha ou não é qualificada o suficiente. Além disso, em diversos momentos, os indivíduos que apoiam a decisão relatam que os valores ensinados nas instituições de ensino não são compatíveis com os valores da família em questão. No outro lado da discussão, os argumentos mencionados pelos que são contra o homeschooling consistem em ressaltar a falta de convivência com outras crianças e adolescentes, que aconteceria diariamente caso esse indivíduo fosse à escola.      

De acordo com dados recentes sobre o cenário do modelo de ensino em casa, divulgados pela Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), são mais de 7 mil famílias e 15 mil estudantes dessa modalidade no país. Conforme a associação, “o homeschooling é o primeiro modelo educacional praticado na História, e grandes nomes da humanidade foram e têm sido educados assim. O direito e o dever de prover educação e instrução aos filhos sempre coube naturalmente aos pais e, trata, assim, de um direito natural”. Como previsto, essa visão também é compartilhada pelos que são a favor do método mencionado.

A pedagoga e pós-graduada em Educação Infantil, Marina Beier, não acha que a pauta seja viável para se tornar prática. Ela compreende que os pais que desejam esse modelo possuem uma demanda legítima, seja por terem más experiências com a escola ou por terem uma rotina de trabalho inviável para o ensino regular, além do fator do local da moradia da família, que pode não ser tão fácil o acesso à escola. 

“Acredito que estes pais estão lutando pelo melhor para o seu filho, mas o que precisamos entender é que quando se trata de políticas públicas, não é sobre o que é melhor para o nosso filho em específico. Quando uma legislação é aprovada, ela tem consequências na vida de todas as crianças. O projeto de lei não possui nenhum órgão fiscalizador que garanta que estas crianças em ensino domiciliar não possam estar em situações de vulnerabilidade, por exemplo”, ressalta Marina.

Além disso, a educadora compartilha dados de que 89,9% das denúncias de abuso sexual são cometidas em ambiente familiar e, um dos principais órgãos de denúncia são as escolas. “É preciso que o aluno se depare com situações de diversidade, que aprenda a viver com outros indivíduos”, completa.

De fato, seguindo números do Disque 100, esse tipo de crime teve um aumento de 92%, se for feita a comparação de janeiro a abril de 2020 para o mesmo período em 2022, na Grande ABC (conjunto de municípios em São Paulo). E ainda tem mais: as flexibilizações que foram instauradas a partir de um momento mais tranquilo da pandemia, fez com que a convivência no ambiente escolar voltasse, contabilizando um pico de denúncias de abuso sexual. Em 2021, foram registradas mais de 18 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Os dados também confirmam o relato de Marina: na maioria dos casos, o abuso é sim, cometido por alguém de confiança, tanto da criança, quanto da família. 

A também pedagoga, Gabrielle Coelho, tem ideias que vão ao encontro das já expostas por Marina, adicionando que a prática é inviável por limitar a socialização do estudante, já que não possibilita o contato com diferentes realidades e visões do mundo. 

“Não garante-se que o aluno terá acesso a práticas pedagógicas adequadas ao seu desenvolvimento e nem a diferentes interações no seu meio familiar. Hoje, mais do que nunca, podemos observar que a construção de novos conhecimentos se dá através das interações entre os pares. Negar a escola é também admitir o abandono intelectual”.

A psicóloga Elir Bertolini, que tem experiências na área de educação infantil, acredita que seria viável esse formato educacional, mas, simultaneamente, reforça que surgiriam muitas implicações na vida dos pais e crianças envolvidos. A profissional exemplifica a pandemia, já que foi o momento em que houve a exigência de uma maior participação da família na educação e aprendizagem das crianças e adolescentes.

“Os pais não conseguiram preencher essa lacuna que foi deixada pela escola por não ter o aluno de forma presencial, sem falar nas questões sociais, psicológicas e  emocionais. Os vínculos e interações sociais para essas crianças e adolescentes faz falta e é importante para o desenvolvimento de todos os seres humanos. Isso pode trazer consequências negativas para vida adulta, pois os primeiros vínculos sociais e emocionais se estabelecem na infância e adolescência”.

Como bem lembrado, a Covid-19 trouxe um considerável aumento quando se fala de transtornos mentais. As estatísticas mostram: o aumento de depressão, ansiedade e outras doenças relacionadas causa preocupação, ressaltando a fragilidade dos assuntos emocionais, principalmente no público mais jovem. Como exemplo, é possível relembrar o episódio recente, ocorrido no mês atual, cujo 23 alunos de uma escola estadual do Recife sofreram uma “crise de ansiedade coletiva”, mostrando sintomas como crises de choro e falta de ar. Antes dessa ocasião, outro acontecimento parecido repercutiu nas redes sociais, onde foi exposta a situação em que 26 alunos apresentavam crises de choro e ansiedade, tontura e tremores. 

“A pandemia causou uma defasagem enorme na vida dessas crianças e adolescentes, essa lacuna está difícil de sanar”, diz Elir. A psicóloga ainda salienta que, em sua área, a procura por terapia aumentou muito, trazendo diversos pacientes com sintomas depressivos e de ansiedade.

A educadora Marina destaca que, além dos fatos já evidenciados acerca do impacto na saúde mental dos estudantes, há outros quesitos envolvidos no período de ensino à distância ocasionado pelo coronavírus, frisando que o modelo pode ter sido mais fácil para uma pequena parte dos estudantes, como discentes que possuem ambiente adequado, facilidade para o ensino digital e, também, para aqueles que foi possível o acesso aos meios digitais. 

“Celular, computador e internet adequada não é realidade para uma grande parte da população que vive em situações de vulnerabilidade social. Também precisamos nos atentar que ao retorno destes alunos à escola, é notável os atrasos cometidos por uma aprendizagem não satisfatória”, relembra a educadora.

No momento atual é comum ver crianças chegando aos anos finais do ensino fundamental sem saber ler ou escrever, o que demonstra a grande importância da escola e das interações entre colegas, professores e demais membros da comunidade escolar”, informa Danielle. “Acredito que o grande benefício do período de aulas remotas foi demonstrar para todos a grande importância do papel da escola e, principalmente, do papel do professor. Vivemos um momento em que cada vez mais os educadores têm sido desvalorizados e marginalizados na sociedade e, o projeto em questão, é um dos grandes indícios dessa afirmação”.

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