Festival Cabobu: charqueadas pelotenses, a omissão da realidade e os impactos sociais e políticos nos dias atuais

A terceira mesa redonda realizada no segundo dia do festival trouxe um tema muito pouco questionado pela sociedade de Pelotas: as charqueadas

Por Maria Eduarda Lopes / Em Pauta

O mediador José Batista.- Foto: Maria Eduarda Lopes

No último sábado (22), o segundo dia do Festival Cabobu se iniciou com a mesa redonda “Charqueadas Pelotenses: A Omissão da Realidade e os Impactos Sociais e Políticos nos Dias Atuais”. Na Bibliotheca Pública Pelotense, às 08h30, o Espaço Mestra Griô Sirley Amaro abraçou novamente seus convidados para seguir com mais uma manhã de debates e reflexões. Os participantes foram Andréa Mazza, Mario Maia, Marielda Barcellos e Ledeci Coutinho, com mediação de José Batista.

Mario Maia é professor e doutor em Etnomusicologia. Atualmente leciona na área da História da Música, História da Música Popular Brasileira e Oficina de Construção de Instrumentos. Integrou o corpo docente da Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Marielda Barcellos é doutora em Antropologia, professora aposentada e ativista do Movimento Negro Unificado (MNU). Também integra a coordenação da “Marca Mestra Griô Sirley Amaro”. Marielda participou de mesas anteriores.

Ledeci Coutinho, que também teve participação ativa em uma mesa do dia anterior, é ativista do movimento negro há mais de 30 anos. Foi Secretária de Educação de Canguçu, de 2013 a 2016. Licenciada em História e mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas, Ledeci atua hoje como diretora de uma escola estadual e é conselheira do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Pelotas.

Andréa Mazza é produtora cultural, cenógrafa e pesquisadora da história do charque. Tem formação em teatro e possui muitos trabalhos voltados para o cinema, televisão e produção de eventos. Andréa relata a felicidade de colaborar com o Festival Cabobu, e exalta sua relação com os mestres: “Uma enorme honra ter estado com Giba num momento tão importante, no intuito de trazer de volta a nossa própria história, o nosso coração, pois o sopapo é o coração do charque, e nós somos charque. Ao nosso grande mestre, eu devo muito e quase tudo a ele. Ele me abraçou, me cuidou, e me deu generosamente o subsídio para juntar as pecinhas do meu quebra-cabeça e hoje estar aqui pra contar a história que a vida me ensinou”.

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A partir do final do século XIX, as charqueadas foram grandes espaços rurais onde se produzia o charque, uma carne salgada e seca ao sol. Considerado um dos piores lugares para escravos no Brasil, as charqueadas pelotenses lograram na cidade por volta de 1780 e 1910. Até 1873, o número de propriedades existentes era de 38. Negando o passado e comercializando a memória de negros e negras que foram escravizados e submetidos à condições subumanas, na época atual as charqueadas possuem diversos atrativos turísticos e, inclusive, servem como local de hospedagem.

O escritor pelotense Vitor Valpírio (pseudônimo de Alberto Coelho da Cunha), escreveu em seu livro de contos “Pai Felipe”: “Vai a safra a todo o rigor e a negrada estrompada pelo cruel serviço da charqueada geme e resmunga sobre o boi que a perita faca acaba de sangrar. Pelos regos sujos da charqueada que conduzem ao rio, o sangue em ondas negras corria velozmente em borbotões. À noite, enquanto os donos do negócio dormiam tranquilos em seus palacetes, arrebentados de cansaço e de frio, sofrem a dureza da sorte os desvalidos filhos da escravidão”.

O encerramento da mesa teve muitos abraços e aplausos.- Foto: Maria Eduarda Lopes

A mesa examinou e discutiu essa problemática tão ignorada pela sociedade pelotense, que continua a atrelar a ascensão econômica da cidade às charqueadas, e esquece de atribuir o progresso às mãos dos escravos que ergueram com sangue e lágrimas a Princesa do Sul.

O Festival Cabobu apresentou, no total, seis mesas redondas que contemplaram temáticas profundas e significativas com o objetivo de acrescentar conhecimento ao público e fazê-lo questionar sobre diversos pontos da história e das estruturas sociais vigentes em que vivem, principalmente sob o recorte da cidade de Pelotas.

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