Empreendimentos econômicos solidários de Pelotas: a preservação cultural através de iniciativas coletivas

Empreendimentos de Economia Solidária na cidade fortalecem tradições locais, gerando renda e promovendo a sustentabilidade por meio da colaboração e respeito às culturas regionais

Produtos do grupo Mata em Flor associado ao Bem da Terra. Fotos Yasmin Arroyo/Em Pauta

Por Leonardo Armendaris e Yasmin Arroyo / Em Pauta

Em Pelotas, os Empreendimentos de Economia Solidária (EES) desempenham um papel fundamental para a preservação e valorização de algumas expressões culturais. Através de coletivos de pessoas, como exemplo de uma associação ou cooperativa, as distribuições de tarefas e os trabalhos não só geram renda para diversas comunidades, como também contribuem para manter vivas tradições artísticas, gastronômicas e artesanais da cidade.
Segundo Antonio Carlos da Cruz, doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e docente com experiência em Economia Solidária, os empreendimentos de economia solidária são empreendimentos econômicos permanentes, geridos de forma coletiva e cooperativa e nos quais as decisões e resultados são compartilhados em condição de equidade. Portanto, é um modelo econômico pautado pelas decisões e acordos coletivos e que nem sempre se estabelecem de forma a beneficiar igualmente a todos. O objetivo desse modelo econômico é reunir pessoas de pouco ou nenhum capital para realizarem empreendimentos produtivos, de crédito, de prestação de serviço ou de consumo, para ganharem escala, reduzirem os custos e melhorarem a eficiência.
Em Pelotas, cidade reconhecida como Capital Nacional do Doce, há, dentre outras iniciativas, a manutenção da cultura doceira a partir da existência de uma cooperativa.

Iniciativas na cidade

Em 2007, na cidade de Pelotas, iniciou-se o desenvolvimento da Associação Bem da Terra, consolidada com CNPJ próprio em 2009. Até hoje, ela se estabelece como uma das principais referências de empreendimento de economia solidária da cidade, agrupando 11 coletivos de diferentes produções e culturas.

Feirante Clarice Veiga, coordena a Associação Bem da Terra

Feirante Mara Sodré, coordenadora do grupo Kimerengue

Clarice Veiga, coordenadora da Associação Bem da Terra e integrante do Grupo Emanuel, pertencente à associação, afirma que o trabalho coletivo é transformador.
“Na Associação Bem da Terra ninguém está sozinho. A gente decide tudo junto, crescemos juntos e cuidamos uns dos outros. Também temos o compromisso com a sustentabilidade e com o meio ambiente. Quando trabalhamos juntos, respeitamos as
tradições e mantemos de pé diferentes culturas. Cultivamos antigas práticas, como receitas, artesanatos, cultivo orgânico, tudo que queremos preservar”, aponta Clarice.
Dentre os 11 grupos ativos da Associação Bem da Terra, cada um está dedicado à preservação e ao desenvolvimento de suas respectivas culturas e tradições.

Na gastronomia, o grupo Kimerengue, coordenado por Mara Sodré, é responsável pelo sustento de quatro gerações de mulheres de uma mesma família, as quais, por meio da economia solidária, são capazes de preservar receitas de confeitaria e panificados que poderiam não existir sem a associação.
Outro grupo da associação é o Mata em Flor, de Mariana Dode, onde há a produção e o beneficiamento de plantas curativas, mantidos pela economia solidária. Segundo Mariana, a única possibilidade de sobrevivência da humanidade é mudar o conceito
de evolução, o que ela percebe que está presente na proposta social dos empreendimentos de economia solidária. Ela acredita que essa alternativa sustentável de economia tem o poder de preservar a cultura pois valoriza a história, a geografia e todos os seres vivos.
Um dos grandes desafios que empreendimentos de economia solidária enfrentam é a predominância do capitalismo, que está disseminado e intrínseco à população. Mariana também acrescenta que muitos produtores não compreendem o conceito.
“Em Pelotas, muitos produtores não compreendem bem o conceito e a população consumidora também não desperta para esse tipo de consciência. Às vezes tem consciência mas não tem poder aquisitivo. E também falta organização de eventos”, diz a empreendedora social.

Feirante Mariana Dode, da associação é o Mata em Flor onde há a produção e o beneficiamento de plantas curativas

Papel da universidade

As comunidades urbanas e rurais encontram, também, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), um apoio na busca pela criação e fortalecimento de empreendimentos econômicos solidários por meio do Núcleo Interdisciplinar de Tecnologias Sociais e Economia Solidária (Tecsol). Formado por docentes e estudantes de diversas áreas do conhecimento, o Tecsol tem como foco a promoção da autogestão, da educação popular e a construção de soluções para questões econômicas e sociais. Sua atuação ocorre por meio de projetos de ensino, pesquisa e extensão, que buscam responder de forma direta e eficaz às demandas desses grupos organizados.
Além de promover a solidariedade e a cooperação, o Tecsol também fomenta a valorização das culturas locais e busca fortalecer o conceito de economia solidária, como explica Renato Waldemarin, professor do núcleo, que envolve sua visão sobre a importância dessas iniciativas para o fortalecimento de uma economia mais justa e equitativa.

“A maneira solidária de desenvolver uma atividade econômica diverge um pouco, ou bastante, da maneira tradicional. Por exemplo, um empreendimento econômico solidário não tem um dono. Não é de uma pessoa só, nem de um grupo de acionistas. Ele é organizado pelo coletivo. Por isso, não segue uma estrutura hierárquica em que os donos mandam e os trabalhadores obedecem. Como os trabalhadores são os próprios donos do empreendimento, ele é organizado de forma horizontal, onde todos participam”.
Renato ainda coloca a responsabilidade social como um princípio fundamental da Economia Solidária. Ele destaca que a responsabilidade entre todos os envolvidos no ciclo econômico, produtores e consumidores, rompe com a forma capitalista de pensar a economia onde normalmente se terceirizam os prejuízos. “Privatizam os lucros, os resultados benéficos, mas tentam terceirizar para a sociedade os resultados negativos da sua produção”.

Produtos grupo Emanuel associado ao Bem da Terra

Analisando o cenário pelotense em relação ao potencial de desenvolvimento de empreendimentos de economia solidária, há uma visão otimista quanto ao futuro, pois além do Tecsol, o núcleo Nesol, do IFSul, se soma como uma influência significativa
no apoio ao desenvolvimento desses empreendimentos. Renato acrescenta: “Pelotas tem um grande potencial, tanto na demanda quanto ao considerar as dificuldades que as incubadoras enfrentam na incubação desses empreendimentos”.
Em resumo, a economia solidária, promovida por iniciativas como o Tecsol, surge como uma alternativa viável e transformadora, capaz de fortalecer a equidade e a solidariedade nas relações econômicas. Ao contrário dos modelos tradicionais, ela prioriza a participação coletiva, a responsabilidade social e a horizontalidade na gestão dos empreendimentos, oferecendo uma nova perspectiva para o desenvolvimento local. Pelotas, com seu potencial e apoio de instituições como essa, se apresenta como um espaço propício para o crescimento dessa economia, que visa não apenas gerar lucro, mas também contribuir para uma sociedade mais justa e sustentável. Com o apoio das incubadoras e a crescente conscientização sobre a importância dessas alternativas, o futuro da economia solidária na cidade é promissor, o que pode servir de exemplo para outras regiões que buscam alternativas à economia tradicional.

Produtos do grupo Ki-Merengue empreendimentos de economia solidária de Pelotas

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