Dois olhares ecológicos sobre o capital e a morte do planeta

Apresentamos aqui duas visões ideológicas, resumidas e adaptadas, sobre a questão ambiental e o futuro da vida humana. A primeira é O Ecossocialismo; a segunda é O Marxismo Resgatado e Elucidado.

 

Rosana Bond / especial Em Pauta

Representação gráfica do ecosocialismo / banco de dados / Em Pauta

 

 O Ecossocialismo como Caminho

Marcos José de Abreu, Florianópolis-SC, ambientalista, engenheiro agrônomo, mestrado em Agroecossistemas. Conhecido como Marquito, é deputado e presidente da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da ALESC (Assembleia Legislativa de S.Catarina).

“O modelo capitalista, ele é baseado num princípio que é extrair (componentes) da natureza, transformar isso em mercadoria e esta mercadoria ser consumida. Numa perspectiva de crescimento ilimitado, que não condiz com (a finitude/restrição) dos recursos naturais. Isso tudo mobiliza especialmente carbono, que é um dos principais pontos do aquecimento global na atmosfera.”

“E revela também a falta de políticas de restauração, de recuperação, indicadores que o capitalismo não considera sobre a degradação ambiental, a perda de biodiversidade, a perda de solo, a perda de água e assim por diante.”

“Então, no capitalismo não vai ter espaço pra gente reconstruir, recuperar ou restaurar. (Por isso) a gente precisa caminhar numa perspectiva do Ecossocialismo, onde as questões da justiça social caminham (ao lado) da justiça ambiental.

É necessário, portanto, rever este modelo de consumo. De produção e de consumo.”

“É urgente que a gente crie agendas de convergência globais. E nisso a gente tem encontrado cada vez mais dificuldades, o mundo está muito mais polarizado nas suas discussões, uma disputa por hegemonia e por imperialismo.

Então a gente está vendo inúmeras guerras acontecendo concomitantemente e cada vez mais dificuldades de convergências globais, o que é muito preocupante.

“É resultado também do mundo capitalista ter que criar essas crises para poder se reproduzir. Então, o caminho e o horizonte é o Ecossocialismo. É preciso marchar neste caminho, senão a gente dificilmente vai conseguir restaurar e recuperar aquilo que é necessário (para evitar o fim da vida humana e do próprio planeta).”

 

O Marxismo Resgatado e Elucidado

Karl Marx, F.Engels e outros nomes que os seguiram foram acusados, majoritariamente por reacionários e suas camarilhas, de não terem escrito ou se importado com as agressões ao meio-ambiente, feitas pelo capitalismo.

A calúnia e a mentira vêm sendo demonstradas hoje, com o resgate e a releitura elucidadora dos clássicos do marxismo, o grande formulador mundial do comunismo e da revolução do proletariado.

A seguir, uma síntese (adaptada) do artigo Marx e a Exploração da Natureza, publicado em 2018 por Le Monde Diplomatique Brasil. O autor, John Bellamy Foster, tem suas limitações e problemas, porém enfrenta com destemor os críticos antimarxistas:

“Para alguns, a crise ecológica invalidaria as análises de Karl Marx, acusado de ter negligenciado a questão ambiental.Outros trabalhos sugerem, pelo contrário, que ecologia e socialismo (socialismo- comunismo) constituem as duas abas de um mesmo projeto.”

“Nos últimos anos, a crescente influência das questões ambientais se manifestou sobretudo pela releitura, sob o prisma da ecologia, de muitos pensadores, de Platão a Gandhi. Mas, de todos, foi sem dúvida K.Marx quem deu origem à literatura mais abundante e mais polêmica.”

“Anthony Giddens afirmou que Marx, embora tenha oferecido uma sensibilidade ecológica particularmente desenvolvida inicialmente,adotou depois uma ‘atitude de Prometeu’ (algo como uma ‘insistência negativista desafiante’).

M.Redclift e Alec Nove também fizeram seus reparos. Mas essas críticas se justificam?”

 

Trabalho gráfico sobre a imagem de Karl Marx

Até ossos de mortos

“Nas décadas de 1830 a 1870, a diminuição da fertilidade do solo pela perda de seus nutrientes constituiu a principal preocupação ecológica da sociedade capitalista, tanto na Europa como na A. do Norte.

“(Apesar de que) a preocupação causada por esse problema não pode ser comparada à crescente poluição das cidades, ao desmatamento de continentes inteiros e (aos)medos malthusianos da superpopulação.”

“Nas décadas de 1820 e 1830, na Grã-Bretanha e logo nas outras economias capitalistas, a preocupação geral com o esgotamento do solo levou a um aumento fenomenal da demanda por fertilizantes.”

“Durante esse período, os agricultores reviraram os campos de batalha napoleônicos como os de Waterloo numa busca desesperada de ossos para espalhar em suas áreas de cultivo.”

 

Roubo de nutrientes

“Longe de se mostrar cego em relação à ecologia, Marx (foi) influenciado pelos trabalhos de Liebig (radicado nos USA, o químico alemão Justus von Liebig observou que poderia haver centenas ou milhares de km entre os centros de produção de cereais e seus mercados. Os elementos formadores do húmus eram, portanto, enviados para longe de seu local de origem, tornando mais difícil a reprodução da fertilidade do solo).

“(Foi assim que Marx) entre 1850 e 1860 desenvolveu, a respeito da terra, uma crítica da exploração capitalista, no sentido do roubo de seus nutrientes e da incapacidade de garantir sua regeneração.”

 

Empobrecendo terra e trabalho

“Marx concluiu suas principais análises da agricultura capitalista explicando de que maneira a indústria e a agricultura em grande escala se combinavam para empobrecer o solo e os trabalhadores.”

“O essencial (desta) crítica é resumido numa passagem da ‘gênese da renda fundiária capitalista’, no livro 3 de O Capital: ‘A grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo, a uma quantidade que cai constantemente diante de uma população industrial, concentrada nas cidades, e que cresce sem cessar; ela cria assim condições que causam um hiato no complexo equilíbrio do metabolismo social composto pelas leis naturais da vida; segue-se um desperdício das forças do solo, desperdício que o comércio transfere para bem além das fronteiras do país em questão.”

 

Arruinando forças naturais

E prossegue a transcrição do trecho de Marx: “(…)A grande indústria e a grande agricultura explorada industrialmente agem na mesma direção. Se, na origem, elas se distinguem porque a primeira devasta e arruína mais a força de trabalho, portanto a força natural do homem, e a outra, mais diretamente, a força natural da terra, elas acabam, ao se desenvolverem, por se dar as mãos: o sistema industrial no campo termina também por debilitar os trabalhadores, e a indústria e o comércio, por seu lado, fornecem à agricultura os meios para explorar a terra”.

 

Metabolismo descreve relação com natureza

“A chave de qualquer abordagem teórica de Marx nessa área é o conceito de metabolismo (stoffwechsel) socioecológico, que está enraizado em sua compreensão do processo de trabalho.”

“Marx utilizou o conceito de metabolismo para descrever a relação do ser humano com a natureza por meio do trabalho: ‘O trabalho é primeiramente um processo que acontece entre o homem e a natureza, um processo em que o homem regula e controla seu metabolismo com a natureza pela mediação de sua própria ação. Ele põe em movimento as forças naturais de sua pessoa física, braços e pernas, cabeça e mãos, para apropriar-se da matéria natural de uma forma útil à sua própria vida. Mas, agindo sobre a natureza exterior e modificando-a, ele altera também sua própria natureza.”

 

O Tâmisa e ideias sobre os dejetos

“Para ele, assim como para Liebig, a incapacidade de restituir ao solo seus nutrientes encontrava sua contrapartida na poluição das cidades e na irracionalidade dos sistemas de esgoto modernos.” “Em O Capital, ele inclui esta nota:‘Em Londres, por exemplo, não se encontrou nada melhor a fazer com o fertilizante proveniente de 4,5 milhões de homens do que usá-lo para empestear, a um enorme custo, o Tâmisa.”

“Segundo ele, os ‘resíduos resultantes das trocas fisiológicas naturais do homem’ deveriam, assim como os dejetos da produção industrial e do consumo, serem reintroduzidos no ciclo da produção, dentro de um ciclo metabólico completo.”

 

O solo irlandês e sustentabilidade ecológica

“O antagonismo entre cidade e campo e a ruptura metabólica a que ele dava origem eram igualmente evidentes em âmbito mundial: colônias inteiras tinham suas terras, seus recursos e seu solo roubados para apoiar a industrialização dos países colonizadores.”

“Por um século e meio”, escreveu Marx, ‘a Inglaterra indiretamente exportou o solo irlandês, sem mesmo fornecer àqueles que o cultivam os meios de substituir seus componentes.”

 

Preservar para gerações seguintes

“Ao enfatizar a necessidade de preservar a terra para ‘as gerações seguintes’, Marx capturou a essência de (uma) ideia contemporânea (satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades).”

“Para ele, é necessário que a terra seja ‘consciente e racionalmente tratada como propriedade perpétua da coletividade, condição inalienável da existência e da reprodução das sucessivas gerações.”

“Assim, em uma passagem famosa de O Capital, ele escreveu que, ‘do ponto de vista de uma organização econômica superior da sociedade, o direito de propriedade de alguns indivíduos sobre partes do globo parecerá tão absurdo como o direito de propriedade de um indivíduo sobre seu próximo”.

 

Natureza superando valor de troca

“Marx concordava com a opinião de economistas liberais que, de acordo com a lei do valor do capitalismo, nenhum valor é reconhecido à natureza. Como no caso de qualquer mercadoria no capitalismo, o valor do trigo decorre do trabalho necessário para produzi-lo. Mas, para ele, isso apenas refletia a concepção estreita e limitada da riqueza inerente às relações de mercado capitalistas, em um sistema construído em torno do valor de troca.”

“A verdadeira riqueza consistia em valores de uso – que caracterizam a produção em geral, para além de sua forma capitalista. Portanto, a natureza, que contribuía para a produção de valores de uso, era, tal como o trabalho, também uma fonte de riqueza.”

 

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