8M marcha nas ruas de Pelotas no Dia Internacional das Mulheres
No dia histórico de 8 de março, marcado pela luta internacional das mulheres, as frentes feministas de Pelotas se reuniram para marchar pela cidade, reivindicando a defesa de direitos fundamentais e se manifestando contra a exploração de classe e todos os tipos de opressões.
Por Maria Eduarda Lopes e Larissa Rodrigues / Em Pauta
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas, foi palco da concentração da marcha organizada pela Frente Feminista 8M, em parceria com o Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (GAMP). Com saída às 16h30 da tarde, a chamada principal do ato foi “Mulheres Contra a Exploração de Classe e Contra Todas as Opressões”. Na concentração, também foi celebrado o aniversário de 33 anos de existência do GAMP. Estavam presentes no ato diversos coletivos, partidos políticos e pessoas autônomas, com destaque à participação da população trans e LGBTQIAPN+. O trajeto da marcha atravessou a cidade e chegou até o Quadrado, onde foram recebidas pelo coletivo feminista de percussão Batucantada.
Mais do que uma data comemorativa, o dia 8 de março reafirma a nossa necessidade de seguir lutando por todas nós. A origem do dia está enraizada na luta histórica das mulheres por direitos fundamentais, melhores condições de trabalho, participação política, cargos de poder e entre tantas outras lutas. A data tem registro de mobilizações desde o início do século XX, com destaque para as greves operárias lideradas por trabalhadoras têxteis nos Estados Unidos e na Europa, que denunciavam jornadas de trabalho exaustivas, salários inferiores aos dos homens e ambientes insalubres. Em 1911, após um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, que matou mais de 140 mulheres devido à precariedade do ambiente de trabalho, a indignação cresceu e impulsionou ainda mais o movimento feminista.
Foi a partir dessas lutas que, em 1917, na Rússia, uma greve liderada por mulheres operárias marcou a Revolução Russa e consolidou o 8 de março como um símbolo da luta feminina. O reconhecimento oficial da data veio em 1975, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o Dia Internacional da Mulher.
Desde então, as mulheres vêm conquistando direitos fundamentais, como o direito ao voto, à educação e ao mercado de trabalho. No Brasil, a luta feminista garantiu avanços como a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340), promulgada em 2006 como mecanismo de enfrentamento à violência doméstica, e a Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104) que completa 10 anos, qualificando o assassinato de mulheres como feminicídio e o incluindo no rol de crimes hediondos.
Entretanto, a caminhada ainda é longa e ainda é necessário sair para as ruas nesta data. “A gente ainda luta por direitos básicos no dia a dia”, destaca Niara de Oliveira, jornalista, delegada regional do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul em Pelotas e integrante da Frente Feminista 8M desde 2017. “Ainda precisamos vir para rua hoje, ainda somos tratadas como mercadorias com prazo de validade vencido. Então, nesse momento, mais do que nunca, precisamos reafirmar nossa luta”.
O machismo estrutural continua a limitar as mulheres em diferentes espaços, desde o mercado de trabalho, onde a desigualdade salarial é alarmante e nossa representatividade ainda é reduzida. A violência de gênero, outro grande obstáculo, segue sendo uma realidade alarmante. Dados da ONU mostram que aproximadamente 85.000 mulheres e meninas foram mortas intencionalmente no ano de 2023. Além disso, a luta por direitos reprodutivos e pelo acesso ao aborto legal continua sendo um dos principais desafios para os movimentos feministas em muitos países.
Niara também ressaltou que o avanço dos movimentos ultraconservadores no mundo tem colocado os direitos das mulheres em risco. “Como disse Simone de Beauvoir, basta uma crise para que os direitos das mulheres sejam os primeiros a serem questionados, revogados e atacados. Estamos vivendo esse momento. É um momento internacional da ascensão do fascismo, em que as mulheres são o alvo principal. Por isso, não se trata apenas de lutar para avançar nos direitos, mas também de garantir a manutenção dos direitos que já temos. A gente está num momento de resistência, de afirmação, de manter o que já conquistamos e, sempre que possível, buscar novas brechas para avançar”.
Atuação feminista do 8M e do GAMP
O 8M é uma frente feminista que teve seu início no ano de 2016, sendo assim a mais longeva da cidade de Pelotas. Composta por diversas entidades, coletivos, sindicatos, partidos políticos e pessoas autônomas, a frente surgiu, a princípio, para a organização do ato 8 de Março, e depois estabeleceu-se como uma “frente ampla do movimento feminista de Pelotas organizada durante o ano todo”, conforme o seu manifesto. Com organização democrática e horizontal, ou seja, que se organiza sem coordenação, a frente tem como única instância deliberativa as plenárias mensais presenciais onde se decidem eixos, estratégias e ações.
Defendendo diversas pautas sociais, o 8M se coloca como uma frente feminista de esquerda contra o capitalismo, o racismo, o capacitismo e a LGBTQIA+fobia (o preconceito e a violência contra pessoas LGBTQIAPN+). Além disso, compõem a luta no cenário político local de Pelotas pela garantia e avanço de direitos, se posicionando contra qualquer tipo de violência e opressões de gênero e raça, assim como a exploração de classe.
Dentro do 8M, o Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (GAMP) também marcou presença na concentração da marcha realizada na Praça Coronel Pedro Osório. Comemorando o aniversário dos 33 anos de existência, a organização que surgiu no dia histórico do 8 de março, em 1992, possui envolvimento em diversas políticas públicas para mulheres que foram criadas na cidade, como a Casa de Acolhida Luciety, o Conselho da Mulher e o Centro de Referência da Mulher (Cram).
Integrante do GAMP, Maria Heloísa Martins, mais conhecida pelo apelido de Helô, relata as diversas conquistas do grupo: “Toda essa rede que existe tem origem na luta e no engajamento do GAMP. Já chegamos a ser referência no estado por conta dessa rede, que é complexa. É uma luta muito grande, não só do GAMP, mas de todos os movimentos de mulheres”.
Apesar das frentes feministas terem conquistado muitos direitos em Pelotas, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a sua manutenção e garantia. “O que a gente mais anseia é o que a gente mais reivindica. Temos uma Delegacia da Mulher, mas que tem um horário de funcionamento muito restrito. A violência mais acontece geralmente nos finais de semana, em horário não comercial. Então a mulher precisa se submeter a uma delegacia comum, de atendimento geral”, comenta Helô sobre as reivindicações da organização, como o funcionamento 24 horas da Delegacia da Mulher de Pelotas.
Considerando o cenário político atual, onde presenciamos diariamente ataques diretos a existência das mulheres e o retrocesso de direitos com inúmeras revogações, a coordenadora do Centro de Referência da Mulher (Cram), Miriam Vegas, comenta: “A gente avança, dá uns passos na frente, mas sempre tem um atrás. E isso é histórico, não é uma coisa desse momento. Tem ganhos, sim. Não tínhamos a rede que hoje está constituída em Pelotas, e ela foi construída através do movimento das mulheres. Esse movimento de mulheres em Pelotas é muito forte, tanto que o setor público fica pressionado a construir espaços como o Cram, que realmente foi o resultado dessa luta”.
Miriam já atuou como presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Pelotas (COMDIM) e também como coordenadora da Coordenadoria de Políticas para Mulheres, onde realizou o plano municipal de políticas para as mulheres. “Então tudo que se ganha é muito difícil, é muito suado. Isso eu posso dizer pela minha trajetória de muitos anos nessa caminhada. É alguns passos na frente e um atrás, e vamos indo assim, hora ganhando e hora perdendo. Mas tem que haver sempre a esperança, a motivação para seguir a luta”.
O cenário para mulheres em Pelotas
Pelotas atualmente conta com uma Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, com espaços como o Cram e a Delegacia de Atendimento à Mulher, conquistadas através da luta feminista das frentes organizadas. Entretanto, no primeiro semestre de 2024, a cidade liderava o ranking de violência entre outras da região, conforme levantamento do Observatório Nosotras. No mesmo período, foram registrados 25 estupros e 326 casos de lesão corporal, além de 4 feminicídios tentados. A cidade ainda tem muito a melhorar nas suas políticas de enfrentamento e no atendimento e acolhimento dessas mulheres vítimas de violência.
A quantidade de ocupação de cargos políticos por mulheres em Pelotas também deixa a desejar. Na Câmara de Vereadores, apenas 3 mulheres foram eleitas para compor a Câmara. Uma delas é a vereadora Fernanda Miranda (PSOL), reeleita para um segundo mandato como a candidata mais votada da cidade. Presente na marcha 8M, Fernanda é uma importante representação na luta contra a violência de gênero, além de defender pautas da educação e da saúde pública. Atualmente é uma das principais representantes políticas femininas do cenário pelotense, atuando em diversas frentes, com destaque na frente feminista.
Sobre ocupar um espaço tão significativo na política local em um cenário historicamente dominado por homens, a vereadora do PSOL afirma: “É uma responsabilidade muito grande, mas é um entendimento de que aquele espaço é uma conquista nossa, não é uma conquista individual, é algo coletivo. Então é uma conquista coletiva. O nosso mandato teve sempre uma característica de ampliar as nossas lutas, de conversar com vários setores, de estar levando para aquele espaço as nossas reivindicações. É um espaço da nossa militância, é mais uma ferramenta das nossas lutas. Sabemos que lá dentro ninguém vai fazer a revolução, que não vai se mudar essa sociedade dentro de um espaço totalmente engessado, totalmente masculino e totalmente frio. Dizem que é a casa do povo, mas a gente chega ali e muito pouco o povo se identifica com aquele lugar”.
Apesar dos desafios, a resiliência das mulheres segue sendo a força que impulsiona a transformação social. Elas resistem, reivindicam, ocupam espaços e reescrevem a história todos os dias. Estão na linha de frente da ciência, da política, da arte, do jornalismo, da educação e de tantas outras áreas, provando que lugar de mulher é onde ela quiser. O 8 de março não é apenas um dia para lembrar das batalhas do passado, mas um chamado à ação. A luta feminista não tem um final, pois enquanto houver desigualdade, violência e silenciamento, as mulheres continuarão nas ruas, nos espaços de decisão e na resistência diária.