Em cartaz nas salas do cinema traz um recorte criativo sobre o período da ditadura militar
Por Gabriel Ribeiro da Silva

O ator Wagner Moura e a atriz Tânia Maria são dois destaques do elenco diferenciado Fotos: Divulgação
“O Agente Secreto”, filme dirigido por Kléber Mendonça Filho e protagonizado por Wagner Moura, despontou como um dos principais títulos a representar o Brasil na temporada de premiações, sendo inclusive selecionado como nosso representante no Oscar. A trama se passa durante o período ditatorial, com um recorte regional, poucas vezes visto. Mas o que esperar do longa?
Na cena de abertura do filme, vemos várias imagens que referenciam o audiovisual brasileiro, como uma foto dos Trapalhões, Maria Bethânia e a novela “A Escrava Isaura”, que apontam para a cultura brasileira e seus símbolos. Logo em seguida, somos introduzidos a Marcelo, o personagem de Vagner Moura, conduzindo um icônico fusca amarelo em direção a um posto de gasolina. Ali já temos o primeiro choque do filme, e fator crucial para ditar o tom. Há um corpo abandonado no pátio, coberto apenas com um pedaço de papelão, há dias, largado ao sol. Um incômodo, mas normal e institucionalizado, pois, na sequência, dois militares chegam ao posto, não ligam para o cadáver, apenas para o ilustre veículo de Marcelo. O ser humano não é visto, é tratado como um objeto abandonado.
A cidade do Recife é o cenário principal de toda a trama. E, aqui, é importante destacar o trabalho sensacional de reconstituição daquele contexto nos anos 1970. Não é somente a reconstrução de alguns prédios, mas o cenário como um todo. A estética é vibrante, as roupas, acessórios e, até mesmo, os carros são partes fundamentais nessa composição, carregam com eles as cores e traços clássicos desse período, além dos aspectos regionais do Nordeste. A capital pernambucana torna-se personagem do enredo.

Registro das gravações, com o ator Wagner Moura sendo dirigido por Kleber Mendonça Filho
Kleber Mendonça opta por trabalhar com uma narrativa em duas linhas temporais diferentes, mas bem delimitadas. Com Marcelo, ficamos no Carnaval de 1970 durante o governo de Ernesto Geisel. Já, no tempo presente, vemos duas pesquisadoras investigando os arquivos da época e, consequentemente, as “memórias de Marcelo”. A opção de alternar as épocas, durante o filme, é uma tentativa de resgate, de contar a história daqueles que foram silenciados durante a ditadura. Porém, para alguns espectadores, isso pode gerar uma quebra na imersão narrativa. Embora por pouco tempo, saímos da bela e tensa Recife, para um cenário frio e calmo de um escritório.
Marcelo, mesmo que de volta em Recife, ainda não está em casa, e sendo um dos perseguidos pelo regime busca abrigo com Dona Sebastiana, interpretada pela apaixonante Tânia Maria. Ela administra uma espécie de pensionato, que concentra outros personagens que, assim como Marcelo, estão escondidos. Tânia toma pra si o protagonismo em todas as cenas em que aparece, traz leveza. É nítido que a personagem carrega consigo certas cicatrizes, mas não deixa que isso a abale. Até Marcelo parece se divertir na presença da senhora, com um olhar sempre de admiração.
Fora do pensionato, conhecemos a família de Marcelo, ou o que sobrou dela. Seu filho mora com os avós maternos, e descobrimos que sua mulher está morta. Nos silêncios, percebemos que não foi uma causa natural. Ele se emprega no centro de identificação da polícia, tendo como motivo razoável buscar os registros e a memória da sua mãe, há muito tempo falecida.
O diretor nos faz viajar por belos cenários, coisas que só quem viveu a Recife da época poderia contar. É sutil nos detalhes, faz referência ao filme “Tubarão”, mas utiliza a figura como símbolo da violência, do perigo que está à espreita. Mostra um gato de duas faces, em alusão à vida dupla do protagonista. Já de sutil, a polícia não tem nada, é fator central para a corrupção e manutenção dos privilégios, é cruel, e como o tubarão, age nas profundezas, fora da superfície.

O cine São Luiz fez parte da reconstituição da cidade de Recife nos anos 1970
O título do longa pode confundir os mais desavisados. Ao pensar no tema “Agente Secreto”, imaginamos um filme de ação e espionagem, o que não é o caso. O nome serve pra fixar a mensagem proposta pelo filme e os dilemas vividos por Marcelo, ou melhor, Armando. Esse é o verdadeiro nome do protagonista. E é, nessa dicotomia, que Wagner Moura brilha. As duas facetas do personagem começam sutis, mas à medida que nos envolvemos na narrativa, entendendo os nuances e trejeitos de cada um. Armando é um pesquisador e professor de universidade, e como um dos representados do corpo docente, tem uma postura mais confiante, sisuda, já Marcelo, é muito mais receoso, acuado, com ombros levemente caído, passa um pesar maior no olhar. Além das faces de Marcelo e Armando, o ator vai reaparecer na pele de mais um personagem, que dá um desfecho cheio de mensagens para a história.
Em o “Agente Secreto”, Kleber Mendonça possui como grande feito a capacidade de nos imergir em uma envolvente Recife nos anos 1970. E o recorte escolhido, bem segmentado, contribui muito para que o público se conecte com todos os membros desse grande emaranhado. Há os policiais sórdidos, violentos e corruptos, e, principalmente, as pessoas que escondem sua identidade para fugir da perseguição ditatorial, entendendo o que os move, mas, fundamentalmente, os seus medos. Mesmo com figuras ficcionais, a história é muito bem-sucedida ao resgatar sentimentos e memórias de um período obscuro e violento, e, ainda assim, permite momentos de alento, mesmo que breves.
O filme está em cartaz no Cineart (Pelotas), no Cineflix Shopping Pelotas e no Cinesystem do Praça Rio Grande Shopping.
Título: “O Agente Secreto” (2025)
Duração: 158 min
País: Brasil, França, Países Baixos, Alemanha
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Maria Fernanda Cândido, Alice Carvalho, Gabriel Leone, Wagner Moura
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