Mais do que um clássico da infância, obra literária revela as camadas complexas da formação cultural brasileira, também há 50 anos na sua versão televisiva, entre encantamento, crítica e contradições
Por Bárbara Beatriz Carvalho

A personagem Emília ganha vida na sua primeira adaptação televisiva do Sítio, nos anos 1970, em preto e branco, marcando gerações com sua irreverência e liberdade Foto: Acervo O Globo/Divulgação
Em julho de 2025, o programa “Sítio do Picapau Amarelo” completa 50 anos de sua primeira exibição televisiva na Rede Globo. A data reacende o interesse por uma das maiores obras infanto-juvenis da literatura e da televisão brasileira, cuja trajetória atravessa livros, desenhos animados e debates sobre identidade cultural. Ainda hoje, o universo criado por Monteiro Lobato permanece como um marco da imaginação nacional, mesclando fantasia, folclore e crítica social.

A primeira edição do livro de 1920, que inaugurou o universo do Sítio e deu início a uma das obras mais marcantes da literatura infantil brasileira
Foto: Fundação Biblioteca Nacional
Uma obra entre encantos e críticas
Monteiro Lobato (1882–1948) é um dos nomes mais influentes da literatura infantil no Brasil. Sua contribuição se firmou na capacidade de construir narrativas que uniam pedagogia e fantasia, como no caso do “Sítio do Picapau Amarelo”, publicado inicialmente em 1920 com “A menina do nariz arrebitado”. Ao longo dos anos, o autor desenvolveu esse universo com personagens icônicos como Emília, Visconde de Sabugosa, Dona Benta e Tia Nastácia.
É possível analisar o Sítio como produto das vivências de Lobato e como espelho da formação cultural brasileira, refletindo tanto suas virtudes quanto suas contradições. A importância da série, tanto literária quanto televisiva, ultrapassa o autor: ela se transformou em uma lente através da qual gerações de brasileiros aprenderam a olhar para o mundo e para si mesmos.

Exibida a partir de 2001, nova versão atualiza clássico sem perder encanto original Fonte: Acervo Globo/Divulgação
Cultura e brasilidade no sítio encantado
O “Sítio do Picapau Amarelo” não é apenas uma obra de ficção. Ele é, antes de tudo, um reflexo simbólico do Brasil profundo. O cenário rural, os personagens arquetípicos e os elementos do folclore nacional, como o Saci, a Cuca e a Iara, ajudam a formar um imaginário coletivo brasileiro que une passado e presente, realidade e fantasia.
Além disso, a série sempre trouxe temas de ciência, política, história e filosofia de maneira lúdica. Emília, a boneca falante, representa a liberdade de pensamento; o Visconde de Sabugosa, o desejo pelo conhecimento; Dona Benta, a figura da sabedoria popular; Tia Nastácia, mesmo sob olhares mais críticos hoje, é vista por muitos como guardiã das raízes africanas na culinária e nas histórias.
Na televisão, essas representações ganharam forma e cor. A adaptação de 1977 se tornou um clássico, sendo exibida em horários nobres e conquistando uma geração. Já o desenho animado de 2012 atualizou a estética sem perder a essência, abrindo espaço para uma nova geração acessar o conteúdo com linguagem visual mais próxima dos padrões contemporâneos.
Um legado em movimento
Em tempos de debates sobre educação, memória cultural e pertencimento, revisitar o “Sítio do Picapau Amarelo” é um exercício de reconhecimento do que há de formador — e também de reformável — em nosso patrimônio simbólico.
Celebrar os 50 anos de sua presença na TV não é apenas um gesto nostálgico. É refletir sobre como uma obra consegue atravessar décadas e ainda ser ponto de partida para diálogos sobre infância, cultura e identidade. O sítio criado por Monteiro Lobato continua sendo, para muitos, o primeiro contato com o prazer da leitura, com o folclore nacional e com a ideia de que o Brasil também pode ser o cenário da imaginação.
Linha do tempo: do livro à televisão
1920 – Publicação de A Menina do Nariz Arrebitado, primeiro livro da série do Sítio.
1933 – Lobato lança Reinações de Narizinho, consolidando o universo do Sítio como um marco da literatura infantil.
1952 – Primeira adaptação do Sítio para a televisão, na extinta TV Tupi.
1977 – Estreia da versão mais marcante na Rede Globo, com produção de 1977 a 1986.
2001 – Nova adaptação televisiva pela Globo, com linguagem atualizada e efeitos visuais mais modernos.
2012 – Lançamento da versão em desenho animado, coproduzido com a Mixer e exibido pela TV Cultura, destacando-se como forma de reinvenção da série para o público contemporâneo.
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