Projeto de extensão da ESEF (Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia) ocorreu no dia 8 de dezembro, levando esporte, música e lazer
Por Lorenzo Goulart Bonone
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentava a pior catástrofe de sua história, 323 municípios em situação de emergência e dezenas de cidades alagadas pelas chuvas e cheias de rios. Neste cenário, a região sul tomava as primeiras precauções para quando a água chegasse na Lagoa dos Patos. No dia 7 de maio, a Prefeitura de Pelotas divulgou um mapa referente às zonas de risco de inundação, na orientação os 13 bairros, povoados e regiões próximas a bacias e canais de água (como o São Gonçalo e o Arroio Pelotas) foram orientados a evacuar para os abrigos municipais. Incluso nesses bairros estava um dos primeiros a ser erguido na cidade, o Navegantes.
Fundado através do trajeto percorrido pelos escravizados para as charqueadas de Pelotas, o Navegantes chegou a ser considerado para iniciar a urbanização da região. Segundo documentos históricos, o mau cheiro devido aos tratos dos animais foi um fator para a elite da época optar por construir a cidade a partir da Catedral São Francisco de Paula. Desta forma, a região cresceu longe do centro urbano edificado, mas desenvolveu uma forte cultura que, cada vez mais, busca pelo resgate histórico da região. Um dos marcos desse resgate foi pelo pleito público pela não construção de um condomínio que desalojaria diversos moradores da região e destruiria a Ponte do Passo dos Negros, construída em 1854, que se tornou símbolo de resistência do bairro e lembrança dos crimes cometidos contra os escravizados da região.
Em 8 de dezembro, a 15ª Edição do Ruas de Lazer, um projeto de extensão da ESEF (Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia) que visa levar esporte, cultura e lazer para as comunidades da cidade, ocorreu no bairro. Segundo o coordenador adjunto do projeto e professor da ESEF, Inácio da Silva, foi um momento especial para os moradores e para os alunos do curso, pois, de acordo com os dados oficiais da Prefeitura, cerca de 170 pessoas do Navegantes foram alocadas no abrigo da ESEF e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), durante as enchentes.
“A gente tentou tornar aquele espaço mais agradável possível para a comunidade, isto envolveu nossos alunos em várias atividades, ações com eles no dia a dia, tivemos uma vivência muito bacana e muito intensa. A gente pensou que trazer o Ruas pra cá era um momento de reencontro, num outro cenário, é um dia de sol maravilhoso que também é contrastante com aquele período, mas principalmente o momento de um pouquinho mais tranquilidade. É bem bacana voltar aqui para esse reencontro com eles”, destacou Inácio.
Durante a tarde de eventos do Ruas de Lazer, diversos projetos da universidade são levados para os moradores, com o intuito de conectar a pesquisa e extensão acadêmica à sociedade. Um exemplo é o Projeto Carinho, que promove atividades físicas, como dança, para pessoas com Síndrome de Down. Mas, o Ruas de Lazer também dá voz à localidade onde se faz presente, promovendo espaço para artistas locais, falas de representantes e histórias da região. “A gente faz todo um processo de aproximação com as comunidades, reconhecendo o território para onde está indo, falando com as lideranças, com os mais velhos e com os mais novos, para que se compreenda os espaços em que se está. A proposta tem um pouco de imersão nas comunidades […] fica muito evidente isso a partir das participações: a gente tem criança, a gente tem adulto, a gente tem mais velho, tem projetos fora da Universidade, tem artistas locais. Aí faz sentido pensar nessa Universidade comprometida com social,” comentou Raquel Dias, coordenadora adjunta do projeto e membro da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPel.
Além do resgate histórico, a cultura também é um agente transformador para Sérgio Prestes, conhecido como Serginho MC, que trabalha diretamente com crianças e adolescentes em escolas e no Centro de Atendimento Socioeducativo Regional Pelotas. “É importante tudo isso porque mobiliza a população e, através da informação, que a gente leva nas letras das nossas músicas, conseguimos conscientizar as pessoas e resgatar algumas,” destacou o músico. No hip-hop desde 1988, Serginho passou por diversos eventos comunitários na cidade, e participou do Ruas como um representante do Navegantes. “Como um pioneiro do movimento em Pelotas, eu tenho acompanhado a evolução e o impacto que causa esse tipo de eventos dentro das comunidades. São de extrema importância dentro do bairro para a evolução e para a construção de diversas coisas dentro da comunidade”.
Outro símbolo de resistência do Passo dos Negros e do Navegantes é o Campo do Osório, espaço que serve de sede para o Osório Futebol Clube, clube de futebol amador do bairro, e onde o Ruas de Lazer aconteceu nesta edição. A equipe surgiu em 1933, sendo um clube para o lazer dos funcionários do Engenho de Pedro Osório, parte da indústria arrozeira do Coronel Pedro Osório. Desde que a empresa fechou, o campo ficou sob administração da comunidade local, e serve como espaço de convivência de todo o bairro.
O campo é mantido pela comunidade, com doações de materiais de construção, jardinagem e eventos. Para a reportagem, o presidente do Osório Futebol Clube, Dirceu Monteiro, ou Aniba, como é conhecido, comentou sobre diversos episódios do clube, como quando o refrigerador estragou e alunos da UFPel conseguiram doar um novo ou a dificuldade de formar um projeto para as crianças. “As crianças da Periferia hoje não têm uma alimentação, eu tenho vontade de fazer um projeto, mas como vou fazer um projeto ou tirar uma bola no campo se não tem um pão com um pouco de manteiga? Não tem um suco pra dar pra essas crianças, mas nós acreditamos que um dia aquelas coisas vão melhorar para Osório, as coisas boas virão”.
Aniba também comentou a importância da presença da Universidade em eventos como o Ruas de Lazer para a preservação do clube. “Aqui é grandioso, nós estamos de portas abertas para receber vocês, de braços abertos. Acho que a presença de vocês, aquele pouquinho de cada um, cada vez mais nos dá força. Meu tempo tá passando, 60 anos, já tá passando a minha época, só que eu não quero que isso aqui morra. Isso aqui é uma história. Nós temos que trazer essas crianças para dentro, pegar a raiz e manter isso aqui. Quando eles (os jovens) pegarem isso aqui, vai ser a coisa mais gratificante, que vai cada vez mais engrandecer a história do clube. E eu agradeço a presença da Universidade nessa atividade, que trouxe dezenas de crianças do bairro aqui pra dentro”.
O espaço do clube também foi visto pela especulação imobiliária de condomínios fechados que tentou derrubar a Ponte do Passo dos Negros. Alguns anos atrás, construtoras ofereceram para comprar todo o terreno que pertence ao Osório. Aniba, diz que respondeu a proposta com bom humor: “Vocês viram alguma placa de ‘vende-se’ por aí?”. O objetivo é manter o clube cada vez mais conectado e vivo como patrimônio da comunidade. “Estamos lutando, e não vamos deixar morrer enquanto eu estiver aqui vamos lutar para viver”.
Ele ainda destacou que o clube aceita doações de materiais de construção, ferramentas e cimento, e espera que os empresários da cidade olhem com mais atenção onde a, nas palavras de Aniba, “a riqueza de Pelotas começou”. “O Osório se mantém hoje com muita dificuldade, não tem apoio de ninguém (patrocínio ou verba pública), é uma luta para manter isso aqui. Hoje eu sou presidente do clube, eu estou aqui lutando por uma história, por esse patrimônio rico, no coração de Pelotas. Muitos passaram por aqui e deixaram a sua história. Então vamos conservar isso aqui, porque nós temos alguma coisa humilde para oferecer para alguém, nós temos nosso sonho de que o Osório vai chegar muito longe. Um dia, com dinheiro honesto, vamos ser maiores do que já somos”.
COMENTÁRIOS
Você precisa fazer login para comentar.