Na Cinemateca Capitólio, atores refletem sobre o processo de criação de seus personagens e semelhanças com a produção nacional “Ainda Estou Aqui”
Por Murilo Schurt Alves
No dia 25 de novembro, a Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, recebeu os atores Átila Bee e Carol Duarte para a sessão comentada de “Malu”, longa-metragem dirigido e escrito por Pedro Freire. Após uma bem-sucedida trajetória em festivais nacionais e internacionais, incluindo o Festival de Sundance, e a conquista do prêmio máximo no Festival do Rio, o filme estreia nos cinemas e convida o espectador a refletir sobre conflitos intergeracionais, traumas familiares e os desafios do trabalho artístico-cultural no país.
Em seus aproximados 100 minutos de duração, acompanhamos a história de Malu (Yara Novaes) na década de 1990, uma atriz desempregada que, vivendo no ostracismo, precisa conviver com Lili (Juliana Carneiro da Cunha), sua mãe conservadora, numa comunidade da zona oeste do Rio de Janeiro. Esse estado de descontentamento é potencializado com o retorno de sua filha, Joana (Carol Duarte), também atriz, após uma temporada nos palcos parisienses, trazendo questões existenciais e novos embates para a vida da protagonista. Embora de cunho ficcional, o filme é uma homenagem do diretor à sua mãe, Malu Rocha, atriz paulista com uma extensa carreira no teatro e na TV que faleceu em 2013, por complicações de uma doença neurodegenerativa.
Após a exibição do filme, o jornalista Roger Lerina conduziu a discussão com o público, ressaltando a influência de John Cassavetes e Ingmar Bergman na abordagem dramatúrgica do diretor Pedro Freire. Sob esse viés, a atriz Carol Duarte menciona o uso de uma técnica de Stanislavski para a preparação do elenco, que consiste em ler as cenas e improvisar a partir das ações para, somente depois, decorar o texto. Para ela, esse método foi imprescindível para o entrosamento dos atores e, por consequência, para o andamento das filmagens: “O Pedro tinha pouco tempo. Sem romantizar filmes de baixo orçamento, a gente não precisa fazer tanto ‘na guerra’, mas foi um filme que foi feito em três semanas. Se a gente não tivesse afinado, três semanas seria quase impossível”. O ator Átila Bee complementa a reflexão: “Experimentar aquilo que se entendeu para depois decorar o texto e ir para o set é a perfeição do processo”.
No que diz respeito aos personagens, Duarte destaca que a construção de sua personagem é a junção dos filhos de Malu da vida real: “O Pedro constrói o roteiro muito a partir das memórias dele e da irmã, selecionando o que ali era potente para o cinema e o que não era. […] A Joana é mais quieta, ela pouco fala. Talvez seja esse o desafio desse trabalho para mim”. Além disso, a atriz cita “Sonata de Outono” como uma das referências utilizadas para a construção de sua personagem, filme dirigido por Bergman que retrata um acerto de contas entre uma mãe negligente e sua filha emocionalmente fragilizada.
Nesta dinâmica entre três mulheres, o personagem Tibira serve como um contraponto na história. Interpretando o amigo da protagonista que mora nos fundos do terreno, o jovem ator reflete sobre o seu papel no decorrer da narrativa: “Eu tive muito medo no início, eu fiquei muito inseguro de ser essa figura que vai ocupar uma cota preta no filme. Nesse caminho, fui entendendo a importância daquele personagem. Eu acho que todos nós temos um amigo, uma pessoa importante na vida que a gente precisa para seguir de pé, juntos”.
Outro aspecto discutido no debate foi a experiência dos entrevistados com Yara de Novaes e Juliana Carneiro da Cunha, duas veteranas da indústria cinematográfica: “Eu sinto pelo cinema brasileiro de ter descoberto Yara a essa altura, acho que ela brilha muito em Malu. Ao mesmo tempo, eu me lembro quando eu era adolescente e assistia Juliana Carneiro. Quando o Pedro falou que seriam elas, eu fiquei bem chocada, muito ansiosa e muito feliz”, comenta Carol.
Como último ponto de discussão, o mediador aponta semelhanças de “Malu” com “Ainda Estou Aqui”, filme dirigido por Walter Salles também lançado recentemente. Carol aponta as coincidências das obras, principalmente por retratar o período da ditadura militar: “São duas atrizes incríveis, personagens muito bons, contadas por filhos de alguma maneira, porque o livro [de “Ainda Estou Aqui”] parte da perspectiva do Marcelo Rubens Paiva, ele conta a história da mãe também. É interessante analisar essas duas mulheres contando um passado terrível que é o nosso”.
Ao final do evento, Duarte e Bee agradeceram ao público pela presença e reforçaram a importância da divulgação boca a boca para atrair mais espectadores ao filme, destacando que as primeiras semanas de exibição são cruciais para sua continuidade no circuito nacional de cinema. Nesse contexto, Malu segue em cartaz na Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1085, Centro Histórico, Porto Alegre), com sessões diárias às 17h, até o próximo sábado (7 de dezembro).
Ficha Técnica:
Direção: Pedro Freire
Roteiro: Pedro Freire
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.
Montagem: Marília Moraes
Som: Marcel Costa
Desenho de som: Daniel Turini
Direção de arte: Elsa Romero
Elenco: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte, Átila Bee
Produção: Tatiana Leite, Léo Ribeiro, Sabrina Garcia, Roberto Berliner
Veja o thriller do filme:
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