“Longlegs: Vínculo Mortal” faz parte da crise de identidade que o gênero de horror vem sofrendo
Por Gabriel Veríssimo
O filme “Longlegs: Vínculo Mortal”, dirigido por Osgood Perkins, tem se destacado como uma das obras mais comentadas do cinema de horror deste ano. A trama gira em torno de uma agente do FBI (interpretada por Maika Monroe), convocada para reabrir um caso arquivado de um serial killer (vivido por Nicolas Cage). Lançado mundialmente em 12 de julho, o longa já ultrapassou a marca de US$100 milhões em bilheteria.
Esses números são notáveis, especialmente considerando que “Longlegs” competiu nas salas de cinema com grandes lançamentos como “Deadpool vs Wolverine” e “É Assim que Acaba” durante julho e agosto. Um dos fatores que pode ter contribuído para esse sucesso é o forte marketing, que desde 2023 promove o lançamento como “um dos filmes de terror mais assustadores de todos os tempos”.
Não é surpreendente que os fãs do gênero tenham demonstrado grande interesse por “Longlegs”, especialmente considerando a escassez de filmes de terror que realmente se propõem a assustar o público. No entanto, surge a pergunta: “Longlegs” é realmente tão assustador quanto promete?
A resposta correta seria: depende. O medo é uma experiência subjetiva; o que aterroriza alguns pode não causar o mesmo efeito em outros. Porém, vamos analisar essa questão de uma perspectiva histórica. Assim como qualquer forma de arte, o cinema evolui em termos de linguagem e técnica ao longo do tempo. Podemos comparar o cinema atual, por exemplo, com os primeiros filmes, mudos e em preto e branco, que se limitavam a cenários em movimento com uma câmera fixa. Hoje, cenas são criadas inteiramente através de efeitos visuais de computação gráfica.
No caso específico do cinema de horror, essa evolução também é evidente. O gênero tem se tornado cada vez mais eficaz em criar experiências assustadoras e realistas para o espectador. Podemos observar essa mudança comparando os clássicos do expressionismo alemão, como “O Gabinete do Dr. Caligari” e “Nosferatu” – filmes mais lentos, com atuações teatrais e longos planos – com produções contemporâneas como “A Bruxa de Blair” e “Atividade Paranormal”. Estes últimos, no estilo *found footage*, utilizam câmeras digitais amadoras para transmitir uma sensação de maior realismo.
Terror próximo ao cotidiano
Essa evolução no cinema de horror também reflete uma mudança na forma como o medo é apresentado. Enquanto filmes mais antigos buscavam criar uma atmosfera de estranheza e suspense por meio de uma estética visual e narrativa mais teatral, as produções do final da década de 1990 e início dos anos 2000 tendiam a utilizar novas técnicas para aproximar o terror da realidade cotidiana do espectador. No entanto, em meio a essa transformação, surgem obras como “Longlegs”, que desviam para outros gêneros, mostrando que o foco atual do horror não é a frontalidade.
Voltando à pergunta inicial: “Longlegs” é realmente assustador? A resposta é não, pois o filme não se propõe a isso. Embora possua uma atmosfera de tensão muito bem desenvolvida no primeiro ato, ela é descartada no decorrer da história.
“Longlegs” se transforma no seu decorrer, adotando um tom mais voltado ao drama psicológico e ao thriller policial, abandonando a frontalidade e o medo explícito característicos do gênero.
Esse distanciamento da estética do terror tem se tornado uma tendência nos últimos anos, marcada por uma espécie de crise de identidade do gênero. Filmes de horror que parecem ter medo de assustar são cada vez mais comuns. Obras como “Midsommar”, “X”, “Pearl”, e outros filmes de estúdios como a “A24”, exemplificam essa nova fase, em que o terror é frequentemente misturado com drama psicológico. Estes filmes oferecem uma narrativa mais densa e lenta, voltada para as histórias de traumas e situações semelhantes, mas ao fazer isso, deixam de lado o impacto direto que muitos espectadores associam ao terror.
Essa tendência pode ser vista como uma tentativa dos estúdios de moldar um novo padrão de gosto entre o público, onde o terror se aproxima cada vez mais do drama psicológico, afastando-se de suas raízes mais gráficas e assustadoras. Com isso, o gênero vai se transformando e buscando novas formas de manter a relevância, ao mesmo tempo em que se afasta da sua essência original, construída ao longo de décadas.
Essa mudança pode estar ligada ao desejo de elevar o gênero de terror nas grandes premiações. Ao incorporar elementos de drama psicológico e se afastar da frontalidade, esses filmes buscam reconhecimento crítico, almejando ser vistos como algo mais “elevado” do que o terror tradicionalmente é. Essa busca por legitimidade no mundo cinematográfico se torna problemática, pois acaba desvalorizando ainda mais o terror como gênero, transmitindo a ideia equivocada de que essa tendência representa uma evolução ou, até mesmo, a salvação do terror, o que definitivamente não corresponde à realidade.
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