“Noites Alienígenas”: o ser humano e a fuga da realidade

O grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado de 2022 chegou recentemente no catálogo da Netflix       

Por Jaime Lucas Mattos         

                                      Filme conquistou cinco kikitos no ano passado                               Imagem: Divulgação/Vitrine Filmes

Vencedor de diversos prêmios no 50º Festival de Gramado (2022), na Mostra Competitiva do Festival Guarnicê de Cinema (2022) e na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2022), “Noites Alienígenas” é um filme produzido no estado do Acre que retrata as sensibilidades de uma região pouco explorada pelo audiovisual brasileiro.

O longa-metragem conta a história de um grupo de personagens, em especial três jovens – Rivelino (Gabriel Knoxx), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo) –, que levam a vida na periferia de Rio Branco, e são impactados pelo conflito entre facções criminosas e pela violência urbana, que, nos últimos dez anos, quase triplicou o assassinato de crianças e jovens no Estado do Acre.

A vitória deste filme em diferentes festivais e mostras de cinema deu luz a uma produção que representa um enriquecimento cultural de uma região pouco explorada e conhecida pelo restante do País.

O Acre tem uma história muito rica. Depois de muitas disputas pelo domínio da área, travadas entre os bolivianos, peruanos e os brasileiros que viviam no território do Acre, o Brasil adquiriu a região em 1903, através de um tratado assinado com a Bolívia.

Por ser uma região agregada ao território nacional “recentemente” (e que foi elevada à categoria de estado apenas em 1962), tem sofrido um apagamento na memória popular e sofre muito preconceito, ganhando um espaço praticamente nulo para contar suas histórias no contexto nacional.

Gabriel Knoxx e Gleici Damasceno em cena     Foto: Reprodução/Vitrine Filmes

“Noites Alienígenas” apresenta uma história que se distancia do eixo Rio-São Paulo, mas que explora e retrata uma realidade que dialoga com as realidades de outras regiões do País. A criminalidade é retratada no filme como pano de fundo para a narrativa, atravessando a vida dos personagens de maneiras distintas.

Os jovens representados no longa-metragem não têm muita perspectiva de futuro, mas sentem que a vida que levam é desconfortável e incômoda. Essa necessidade de fugir de seus espaços é explorada pela narrativa de diferentes maneiras. Há personagens que “encontram” a fuga nas drogas, no tráfico, na religião, nos sonhos de estudo. Mas essa fuga ainda não é suficiente, pois mesmo assim estão em lugares desconfortáveis e incômodos. Então, que fuga eles estariam buscando?

Questão da dependência química é tratada através do personagem de Adalino  Foto: Reprodução/Vitrine Filmes

A proposta de fuga para o desconhecido dialoga com o título do filme, usando o “alienígena” como metáfora para a fuga e para o desconhecido. Ninguém sabe se o “alienígena” vem para o bem ou para o mal, mas ele muda tudo na sua visão do que é a vida. Esse paralelo dialoga com a vida desses jovens, que estão perdidos em uma vida e em uma localidade que não projeta alguma perspectiva além da criminalidade.

Para acompanhar o título e dar múltiplos significados à narrativa, “Noites Alienígenas” insere o realismo mágico como parte da trama, explorando-o nos diálogos, nas alucinações, nos rituais indígenas e no jogo de luzes. O realismo mágico pode parecer deslocado na trama, pois ele não faz parte do cerne da narrativa, mas do seu entorno. No entanto, apesar disso, ele tem a sua função significativa na história.

A filmagem contrasta com o realismo mágico e transmite a ideia de realidade da vida, com o uso da câmera em movimento, não apenas fixa, como é feito na maioria dos filmes mainstream.

Chico Diaz e Gabriel Knoxx em uma das primeiras cenas       Foto: Reprodução/Vitrine Filmes

O elenco caminha muito bem com a narrativa. O grande destaque vai para Chico Diaz, que atua muito bem e entrega um diálogo magistral em uma das primeiras cenas, o qual resume a ideia por trás dessa história. Outros destaques no promissor elenco jovem vão para Gabriel Knoxx, Adalino e Kika Sena. Gleici Damasceno também está muito bem para o seu primeiro trabalho no cinema.

O maior destaque talvez seja para o diretor Sérgio Carvalho, que consegue apresentar, em apenas uma hora e meia, uma narrativa que discute uma problemática social – a criminalidade – e que pensa e repensa os motivos, os sonhos e os desejos de uma juventude que se sente perdida em um local incômodo – seja ele físico ou sentimental.

Equipe de “Noites Alienígenas” no palco do 50º Festival de Gramado           Foto: Divulgação/Edison Vara

 

Vale lembrar que “Noites Alienígenas” ganhou cinco prêmios no Festival de Cinema de Gramado do ano passado, nas seguintes categorias: Melhor Filme; Melhor Filme pelo Júri da Crítica; Melhor Ator, com Gabriel Knoxx; Melhor Atriz Coadjuvante, com Joana Gatis; e Melhor Ator Coadjuvante, com Chico Diaz.

Se ficou interessado em conferir, o filme está disponível no catálogo da Netflix.

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