“Alias Grace”: o estereótipo da inocência feminina

Drama histórico, com uma pitada de suspense, instiga e questiona as relações de poder na sociedade     

Por Hillary Orestes       

 

Cinéfilo ou não, você já assistiu ou ao menos ouviu falar de “The Handmaid ‘s Tale” (“O Conto da Aia”) uma adaptação da obra homônima da escritora canadense Margaret Atwood que ganhou fama pelo mundo distópico criado pela autora. Aborda temas como o extremismo religioso, o feminismo e a perversidade de um mundo dominado pelos homens. Mas esta não é a única obra de Margaret adaptada para as telas.

“Alias Grace” é uma série derivada da obra homônima de Atwood de 1996, que é baseada em fatos reais. Lançada em 2017 e dirigida por Sarah Polley, a produção de seis capítulos é uma boa opção para os espectadores que buscam conteúdos mais curtos para “maratonar” em um único dia. O título está disponível na plataforma de streaming Netflix.

A trama se passa entre 1940 e 1943 e gira em torno de Grace Marks, uma imigrante irlandesa que se muda para o Canadá e, três anos depois de sua chegada, é condenada por um duplo assassinato: de Thomas Kinnear, dono da fazenda em que trabalhava e suspeita da morte de Nancy Montgomery, governanta da casa. Junto com ela, James McDermott, outro funcionário da casa, é condenado à forca pelo mesmo crime.

A moça jura ter sido acusada injustamente e alega não ter memória alguma do acontecido, enquanto McDermott insiste até seu último suspiro que Grace foi, não só a mandante dos crimes, como também a executora.

Enquanto McDermott sofre a pena máxima, Grace recebe uma sentença de 30 anos de cadeia e cumpre a pena entre uma penitenciária e centros psiquiátricos. Ao longo dos episódios, o espectador fica dividido entre a possibilidade da protagonista ter sido falsamente incriminada ou se de fato ela teria se envolvido no crime.

Grace ganha a simpatia de alguns membros da sociedade local, que montam um comitê para ajudá-la a provar sua inocência e reverter a pena sofrida pela moça.  O grupo contrata um médico, Dr. Simon Jordan, que, 15 anos após a condenação, investiga nas memórias de Grace, alguma pista que possa provar que a moça não estava envolvida nos crimes.

 

Sarah Gadon interpreta Grace Marks, em performance que revela mulher complexa e misteriosa     Foto: Divulgação

 

Durante as sessões com Jordan, a moça revive sua trajetória desde a chegada no Canadá, até o dia do crime, relatando uma série de abusos e violências sofridas por ela ao longo da vida.

O mistério em torno da inocência de Grace faz da obra uma instigante busca pela verdade, enquanto incita o próprio telespectador a se questionar sobre como a sociedade da época, em um sistema feito para punir e reprimir as mulheres, que as violenta e as usa, na verdade, não é o verdadeiro culpado. 

A série é notável pela sua cinematografia e excelentes atuações. Sarah Gadon, que interpreta Grace Marks, entrega uma performance incrível como uma mulher complexa e misteriosa, que é simultaneamente uma vítima e uma possível assassina.

Também se destaca por sua abordagem inteligente e sutil da questão do gênero e do poder, bem como por sua exploração da psicologia humana e da natureza da verdade.

Na obra, Margaret traz dois pontos importantes sobre as nuances do feminino: a primeira expõe a fragilidade e a exploração do corpo da mulher, que não é protegido ou cuidado pela sociedade, de modo que Grace é, incontáveis vezes, abusada por diferentes figuras de poder dentro destes espaços.

A segunda expõe outra nuance, menos conhecida e menos vista: a força da mulher e sua capacidade de lidar e gerenciar as situações, mesmo que isto implique em utilizar métodos questionáveis.

Um exemplo disso é quando Grace manipula o júri, que é constituído inteiramente por homens, para escapar da sentença de morte. Atua com pureza e inocência, de modo que, em uma visão masculina, seria impossível que tal criatura dotada de tanta bondade, pudesse ser capaz, por vontade própria, cometer atos tão horríveis.

No geral, Alias Grace é uma série envolvente e bem-feita, que oferece muito para os fãs de dramas históricos e psicológicos. Apesar de um enredo um pouco mais arrastado em alguns momentos, a série é um exemplo notável de adaptação de literatura para a tela e vale a pena conferir para quem procura uma história intrigante e bem contada.

Veja o trailer:

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