Filme de 2008 viralizou nas redes após entrar em catálogo no streaming
Por Beatriz Gomes
Se você é usuário da internet e, em especial, de aplicativos de vídeos como o “TikTok”, é possível que já tenha se deparado com alguma cena do documentário “Juízo” na sua timeline. Lançado em 2008, o filme documental dirigido por Maria Augusta Ramos e produzido por Diler Trindade, acompanha o processo de julgamento de jovens acusados de cometer crimes na cidade do Rio de Janeiro e retrata a realidade dos sistemas judiciário e carcerário no Brasil, revelando suas falhas, a falta de recursos e a falta de treinamento adequado para lidar com jovens infratores. A cineasta já dirigiu outros filmes como “Justiça”, “Futuro Junho”, “Morro dos Prazeres” e “O Processo”, todos de cunho político e social.
Uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe o uso de imagens de menores de 18 anos, a fim de preservar suas identidades, os casos apresentados no documentário são retratados por meio de jovens pertencentes a três comunidades do Rio de Janeiro que compartilham das mesmas condições de risco social. No entanto, todas as outras personagens desempenham seus verdadeiros papéis.
Recentemente adicionado ao catálogo de conteúdo da Netflix, “Juízo” passou a viralizar nos últimos meses. Nas redes, diversos trechos vêm sendo publicados, gerando comoção e debates. As cenas mais comentadas e mais assistidas são justamente as das audiências que julgam o futuro dos menores em questão, principalmente, nas quais a juíza Luciana Fiala aparece. Polêmica e controversa, a forma de tratamento dada por ela aos menores divide opiniões: enquanto uns aclamam o que consideram ser uma abordagem mais “rígida”, outros rechaçam e apontam falta de ética, excessos e preconceito.
Fiala mantém um tom firme, direto e, por vezes, intransigente em sua comunicação com os adolescentes, sempre passando por uma sessão de “sermão” com “conselhos” direcionados aos julgados. Utilizando uma linguagem mais próxima ao coloquial e aparentando pouca paciência e irritabilidade, por vezes, a juíza parece não levar em consideração a realidade e contexto social em que os menores estão inseridos, apresentando uma abordagem que soa simplista para situações tão complexas. É bom lembrar que, neste caso, estamos falando de uma maioria de jovens que acaba na criminalidade, pois são oriundos de famílias desestruturadas e em vulnerabilidade socioeconômica. Será mesmo que utilizar o grito e a ironia são as melhores escolhas para lidar com casos como estes?
Além das cenas viralizadas das audiências, outros momentos são cruciais para compreender em totalidade o trabalho de Ramos. A diretora explora muito bem as instalações precárias (que são reais) do extinto Instituto Padre Severino, reformatório tradicional conhecidíssimo no Rio de Janeiro, retratando os adolescentes vivenciando situações rotineiras naquelas estruturas, trazendo o espectador para dentro daquela realidade. A diretora não costuma utilizar o recurso da trilha sonora nestas sequências, fato que, combinado com os poucos cortes que faz, torna de certa forma angustiante acompanhar tais cenas, momento em que o espectador é obrigado a adentrar aquele universo, nem que seja por um momento. Ramos busca humanizar. São diálogos despretensiosos entre os adolescentes, encontros com familiares em dias de visita, conduções feitas por funcionários da DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), etc.
Fato é que durante o documentário entramos em contato com duras vivências e, através do olhar de Maria Augusta Ramos, fica perceptível que todos ali fazem parte de um sistema quebrado por dentro que tende apenas a punir, ao invés de ressocializar, perpetuando assim um ciclo de violência e exclusão.
Ao expor as limitações desse sistema, a obra nos convida a repensar que sociedade estamos construindo. Parece clichê, mas o óbvio precisa ser dito, pois o óbvio não tem sido feito: para além da punição, é necessário revisitarmos as políticas públicas brasileiras relacionadas à juventude em conflito com a lei, bem como as medidas socioeducativas propostas, a fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Em tempo, deve-se antecipar que “Juízo” termina sem nos dar essa solução. E, se você tem algum coração, por aí, com certeza, irá chegar ao final do documentário se sentindo impotente. Depois disso, o que assistiu vai levar a muitas reflexões.
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