No ano do centenário de nascimento de José Saramago sua obra segue impactando leitores pelo mundo
Por Roberta Furtado Muniz
Chocante, cru, aterrorizante. Três adjetivos que descrevem em parte o que é ler “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago. Não há como ler essa obra sem sentir angústia, medo e a sensação de sufocamento que a história carrega. Embora esse livro seja recomendável para todo mundo, também é preciso lembrar de cenas tão difíceis de ler, que talvez não sejam exatamente indicadas para todos.
Sem nos dizer em que tempo, local exato em que se passa, começamos acompanhar uma trama em que um homem fica cego de repente. Estava ele em um semáforo, quando simplesmente perde a sua visão e só passa a enxergar branco, como se tivesse sua cabeça sido mergulhada em leite. Ele grita por ajuda, desesperado, e pessoas correm em seu auxílio.
É levado para casa e, quando sua mulher chega, ela toma a providência de levá-lo ao oftalmologista. O médico não consegue explicar o que lhe passa, não há nada de anormal em seus olhos. O que será isso? Mais exames serão necessários, então, pensa o médico. Que caso intrigante ele tem em mãos. Porém, infelizmente, não haverá muito tempo para estudos já que outros estão cegando.
O próprio médico cega. O mal branco, como também começa a ser chamado, está infectando a todos, pelo que parece. O governo é acionado e os isolamentos serão feitos. O médico será levado embora. Enquanto ainda não tinha ficado cega, sua esposa não deixa levarem seu marido sozinho. E, na sequência, ela lhes diz: acabei de cegar.
Agora o leitor mergulha junto com os personagens dentro de um prédio em isolamento. A única a ver, ainda é a esposa do médico, que acaba se mostrando a protagonista dessa história. Não se sabe por que, mas ela permanece com sua visão, embora o caos que se instaura, às vezes a faça sentir vontade de ficar cega também. E é isso, a desordem toma conta de tudo quando o mundo inteiro aparentemente para de enxergar.
Fome, abuso sexual, violência, podridão. Mortos, feridos, dejetos humanos espalhados por qualquer lugar. Sujeira. O cenário é angustiante. É devastador. O leitor sente-se completamente imerso dentro da história, que, por mais assoladora que seja, também evidencia o grande escritor que foi Saramago. Hoje em dia, fica quase impossível de não fazermos um paralelo da narrativa com a pandemia da Covid-19, pela qual passamos e ainda permanece presente entre nós. O caos em “Ensaio sobre a cegueira” foi extremamente maior, mas enquanto lemos uma história dessas, lembramos inevitavelmente de nossos hospitais lotados, de países com mortos nas ruas e dentro das suas casas, de não haver mais lugar onde alocar os pacientes.
O livro de Saramago, com seus personagens sem nome, evidenciando a desumanização deles diante da cegueira de todos em volta, sem que haja distinção entre eles, nos faz pensar nos tantos nomes que se apagaram ao nosso redor após a pandemia da Covid-19. Em nosso estado, já se somam mais de 41 mil vidas perdidas.
Publicado pela primeira vez no ano de 1995, há quase 20 anos, Saramago não poderia saber o quanto sua história lembraria uma parte da nossa realidade, e nem o impacto e a importância que tem hoje em dia na literatura mundial. E, no ano de 2022, em que é comemorado o centenário de nascimento desse autor português, sua obra segue viva e nos brindando com excelência.
A edição comemorativa foi lançada esse ano pela editora Companhia das Letras, contando com informações adicionais para além da história fictícia. E para quem pretende ler ou já leu e ainda não assistiu, recomenda-se também a adaptação cinematográfica, lançada no ano de 2008 e dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles. Apesar de algumas mudanças, a essência da obra está totalmente captada na tela, gerando, como o livro, um misto de sentimentos enorme em quem assisti.
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