História de três gerações de mulheres é contada pela escritora Jarid Arraes
Por Roberta Muniz
Em seu romance “Corpo Desfeito”, a autora cearense Jarid Arraes narra a história de uma família que vive no interior do Ceará, e na qual ocorre uma sequência de abusos. Três gerações de mulheres – avó, mãe e filha – sofrem dores particulares e se veem em uma situação de abuso, tanto físico quanto mental.
Dando voz à Amanda, uma menina de 12 anos, lemos em sua narração o cotidiano dessa família e o que levou aos abusos sofridos por essa neta. Ela viu a avó materna, Marlene, sofrer violência doméstica por parte do avô, que era alcoólatra, e o avô cometer violência psicológica contra a filha, sua mãe, Fabiana. Quando o avô falece, parece até que os problemas acabaram, mas não. A avó, que sofreu nas mãos dele, acaba cometendo abuso semelhante, tratando a neta com descaso e a filha com certo desprezo. Mas essa filha, mãe de Amanda, é uma mulher forte e batalhadora que vive para trabalhar e, quem sabe, conseguir dar uma vida melhor à filha, que tanto ama.
Porém, por uma fatalidade, Fabiana acaba perdendo a vida. Agora são só Amanda e a avó, que já não lhe tratava bem. E é nesse momento que é tirado o mínimo de paz que essa garotinha tinha. Afogada no luto, a avó não faz mais nada e Amanda é obrigada a aprender a se virar sozinha. Ela faz limpezas, paga as contas e cuida da avó, que só lhe faz chorar e ficar na cama. Mas, certo dia, a avó diz que teve um sonho e que, nesse sonho com a filha, ela lhe passava inúmeras regras.
O inferno começa. Marlene pira e os abusos contra a neta se intensificam e são humilhação atrás de humilhação, violência atrás de violência. E é tão doloroso de ler essa história. Amanda tem apenas uma amiga no mundo com que contar e, mesmo assim, ela pouco pode fazer, a não ser acolher e ouvir. O ciclo de sofrimento é intenso. E a sequela deixada em cada uma delas por conta dessas violências é palpável.
Uma escrita potente que provoca sentimentos diversos em seu leitor. É possível sentir raiva, angústia, dor, compaixão. Uma escrita com muitas camadas, com muitas provocações e muita reflexão deixada em quem lê essa história. Afinal, o amor familiar esperado nem sempre acontece. Às vezes, quem mais deveria cuidar e compreender é quem menos o faz. E quantas crianças não sofrem abusos dentro de suas próprias casas? É uma história que também serve de alerta.
Além disso, é uma escrita que nos insere realmente no interior do Ceará, com a cultura e linguajar do local sendo presentes. Um romance de poucas páginas, mas que devasta e arrebata. Lançado esse ano pela editora Alfaguarra, o livro de apenas 128 páginas mostra todo poder de Jarid como escritora. Uma potência da literatura contemporânea nacional.
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