Por Júlia Koenig
Liddia Krolow fala da experiência de ser rapper e, ao mesmo tempo, exercer a maternidade
A figura materna é cercada de crenças e estereótipos que, apesar de muitas vezes ultrapassados, atravessam a vida das mulheres e mães contemporâneas das mais diversas formas. Para fomentar o debate sobre as dificuldades de ser uma mãe que não corresponde exatamente às expectativas da sociedade, convidamos Liddia Krolow, rapper e polidancer para uma conversa aberta sobre suas vivências como mãe e profissional do âmbito artístico.
Arte no Sul – Trabalhar no meio do rap por sí só já traz na vivência a questão do machismo quase que diariamente, lidar com o machismo de forma tão intensa te afeta como mulher, mãe e profissional?
Liddia – Antes de eu entrar no meio do rap, achei que seria acolhida, mas quando estamos inseridos no meio é que começamos a ver onde está o machismo nosso de nada dia, né. E comigo não foi diferente. Os caras, quando estão trabalhando no rap, só precisam se preocupar com o trabalho deles. Normalmente, os meios são muito mais acolhedores para eles que são homens. Já nós mulheres enfrentamos o machismo e, se não cuidar a cabeça, tu te afetas mesmo, porque é questão de menosprezo, de não ter oportunidade para trabalhar, de sofrer assédio nos estúdios. Ou seja, quando somos mulheres, além de fazer o nosso trabalho, ainda temos que driblar todos os assédios e o fato de nos subestimarem. E, como mãe, obviamente me afeta porque eu tenho que ensinar a minha filha a se defender. E não tem como eu dizer que ela está cem por cento segura em qualquer meio que ela esteja.
Arte no Sul – Eu observei nas suas redes sociais que não há publicações com a tua filha. Isso é porque tu buscas não expor a tua vida privada ou tem relação com assédio? E uma tentativa de protegê-la da exposição?
Liddia – A gente não divulga muita coisa assim porque temo o histórico de pessoas que me assediaram e assediaram a ela também. Sempre tem aquele comentário assim “ah tua mãe é mó gostosa”. E, se ousarem falar pra mim, “ah tua filha é mó gostosa”, eu já nem converso mais, porque acho isso de uma deselegância. Então, a gente optou por ser um pouco mais seletiva e não é por causa nossa. O mundo não é um lugar muito confortável, não é muito seguro pra nós mulheres. Por eu já ter sido muito ameaçada, inclusive de estupro, de espancamento e de morte, eu tento evitar. Recentemente tem acontecido muitas coisas que eu não estou levando a público nas minhas redes sociais, para não dar margem para outras pessoas pegarem como exemplo. Mas tem gente batendo na minha porta, me seguindo no trabalho, às vezes, sofro ameaças. Então, é melhor evitar por causa dos caras.
Arte no Sul – As mulheres são bombardeadas de estereótipos por todos os lados, por trabalhar rap e também com sensualidade, tu sofres ou já sofreu ataques no sentido de não ser uma “boa mãe”?
Liddia – Não só de não ser uma boa mãe, mas como de não ser um exemplo, né, porque as pessoas querem te ver como um exemplo quando tu estás exposta publicamente. Mas eu não quero isso, eu sempre deixo muito claro nas minhas redes sociais que eu não estou aqui para ser exemplo. Estou aqui para contar a minha história antes que alguém conte errado, e é óbvio que a minha palavra vai ser colocada em jogo porque eu me exponho, exponho meu corpo, exponho o que eu penso [pausa]. Então eu tento lidar com as coisas da melhor maneira possível, tento ser a mais verdadeira possível ali, naquele momento, e criar uma identificação com o público. O que eu acho que é legal eu repasso. E o que acho que não é legal, às vezes, repasso também, porque a gente não é só coisa boa, somos um combo de coisas ruins e boas. Acho que a gente tem que aprender a falar sobre tudo e não ter vergonha disso.
Arte no Sul – Através das tuas redes sociais, tu transmites uma imagem de mulher forte, empoderada, dona de si. Essa é a mulher que tu escolheste ser ou a que precisou ser?
Liddia – Eu não escolhi não. Nasci um pouco assim, tem relatos na família de que eu já era assim. Lembro de muita coisa de quando era criança. Acho que acabei ficando assim por conta de tudo que eu tive que passar. Não sei se chegou a ser uma escolha ou necessidade, acho que mais necessidade do que escolha porque foi meio que sem pensar muito. Quando eu me dei conta, já era assim. Eu nunca engoli muito o conformismo com o machismo. Ouvi muito na minha família que “os homens são assim mesmo”. E eu nunca gostei disso, nunca aceitei e nunca vou aceitar! Eu sempre fui considerada uma mulher à frente do seu tempo e isso dói pra caralho, tá?! Não é uma coisa que nos deixa cem por cento do tempo satisfeita, dói bastante.
Arte no Sul – Os ataques e assédios que tu sofres já te fizeram pensar em desistir?
Liddia – Todos os dias tem alguma coisa que me faz pensar em jogar o rap pro alto e, ao mesmo tempo, todos os dias tem alguma coisa que me puxa de volta. Isso saiu até em umas cartas minhas. Eu pensava em desistir muitas vezes porque às vezes é foda, é horrível. São os próprios “amigos” do cara, sabe? Coisas que a gente vai notando, coisas que a gente ouve e, se a gente ratear, desiste mesmo. Mas acho que isso não é uma exclusividade do rap. Em todas as profissões que são majoritariamente compostas por homens, vai ter uma mulher que vai parar uma hora e vai pensar “meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?”. Mas aí a gente acaba pensando que, se não formos nós a fazer isso, quem vai fazer?
Arte no Sul – Nesses momentos que tu pensaste em desistir, o que te manteve firme?
Liddia – Ter certeza de que eu estava certa, de que isso é uma coisa mutável, o comportamento humano e a sociedade em geral levam tempo, mas mudam com o passar dos anos. Então, eu me mantive firme por conta dessa certeza que eu carrego de que eu estou fazendo o que eu tenho que fazer.
Arte no Sul – Você tem algum recado para as mães e mulheres que, assim como tu, sofrem com estigmas em relação ao trabalho ou à forma como levam a vida?
Liddia – Tenho, se tem uma coisa que eu desejo para nós mulheres é resiliência, porque vontade de desistir nós vamos ter, mas temos sempre que voltar mais fortes. Eu acho que, independente da profissão que a gente escolhe, independente dos caminhos para que a vida leva a gente, a gente tem que se manter firme e procurar ter certeza do que a gente quer. Só quando temos certeza do que queremos é que a gente consegue chegar a algum lugar. Tem uma frase que gosto muito: “eu não posso parar o que eu estou fazendo para cada cachorro que latir para mim durante o meu caminho”. Não tenho como parar, entendeu? Tem coisas muito mais importantes em jogo para uma mulher do que ela ficar ligando para a opinião alheia ou para alguém que está dizendo que ela não pode fazer determinada coisa.
Arte no Sul – A pergunta que não pode faltar, o que podemos esperar agora? Tem algum trabalho para ser lançado nas próximas semanas?
Liddia – Estou terminando um clipe agora, montei um podcast também e gravando som. Então, estou trabalhando bastante, trabalhando quietinha e podem esperar bastante trampo nesse ano.
COMENTÁRIOS
Você precisa fazer login para comentar.