A volta aos tablados nos CTG’s

Por Vivian Domingues Mattos   

A retomada das danças nos Centros de Tradição Gaúcha canguçuenses no pós-pandemia

                      O Grupo Sentinela das Coxilhas promove cultura e música gaúchas na cidade de Canguçu           Fotos: Vivian Domingues Mattos

A integração e o contato entre colegas, presenciado nas danças tradicionalistas dos Centros de Tradições Gaúchas (CTG’s) do Rio Grande do Sul, esteve paralisado temporariamente pela pandemia de Covid-19. Agora, após as flexibilizações sanitárias permitirem maior contato, as atividades foram retomadas gradualmente e, no município de Canguçu, não foi diferente.

Incluído na 21ª Região Tradicionalista, Canguçu é uma terra que culturalmente mantém viva as tradições gaúchas e campeiras, principalmente as que envolvem as atividades em entidades tradicionalistas. Assim, o retorno das atividades dos CTG’s aconteceu de forma gradual, seguindo os protocolos indicados pelo município.

O Grupo Sentinela das Coxilhas é um dos oito CTG’s em atuação no município

Retomada gradual das atividades

Conforme levantamento da Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Cultura da Prefeitura, o município de Canguçu tem ao todo oito CTG’s ativos. O retorno das atividades ocorreu de forma sucessiva e contou com a elaboração do Programa Municipal de Retomada das Entidades Tradicionalistas pós-pandemia.

Entre as realizações de fomento cultural do folclore gaúcho, como declamação, canto e rodeio, estão as danças tradicionalistas que envolvem esforço e condição física ao serem realizadas.

O dançarino de 19 anos, integrante da invernada adulta do CTG Joaquim Paulo de Freitas, Diego Chico da Silva, comenta que a retomada dos ensaios foi estranha inicialmente e desconfortável. “Logo no começo nós cansamos bastante pelo uso da máscara, era difícil de interpretar e complicou bastante”, descreve.

O CTG Joaquim Paulo de Freitas pratica atividades do folclore gaúcho como as danças tradicionalistas

 

O peão de 24 anos do CTG Sentinela das Coxilhas, Henrique dos Santos Romel, explica que no início existia uma ansiedade sobre poder retornar ou não e que a pandemia mudou a vida em muitos aspectos, principalmente, quando ocorre o contágio por Covid-19 com algum integrante do grupo. “Sempre teve aquela dúvida de se vamos poder retornar ou não? Também é um momento de desafios e de uma vida nova, já que a pandemia mudou tudo, não só no sentido sanitário, mas como ser humano. A gente passou a pensar em cuidar mais do próximo, tentar evitar tantas aglomerações no início e se colocar mais no lugar do outro”, diz.

A prenda de 20 anos do CTG Joaquim, Joana Kohls, comenta que o uso de máscara atrapalhava a respiração e contribuiu para um maior cansaço nos ensaios. “Dançando e se movimentando nós acabamos suando muito o rosto, mas, como é algo que gostamos de fazer, não nos impedia de dançar”, lembra.

A integrante de 15 anos do CTG Sentinela das Coxilhas, Tahuana Bertinetti, despertou a paixão pela dança na infância e para alguém acostumada ao ritmo de ensaios, apresentações e concursos, retornar é uma experiência diferente, mas recompensadora. “No começo foi estranho voltar e me adaptar de novo à rotina, passei um pouco mal no início, até me acostumar, mas amo dançar, sempre foi algo que gostei. Toda experiência é sempre gratificante, sabe?”, destaca.

Os instrutores Karine Schwartz Gehrmann e Mauricio Gomes  estão à frente dos ensaios do CTG Sentinela das Coxilhas

 

A paralisação das danças para quem vive dela

O amor pelo tradicionalismo é algo em comum para o casal de ensaiadores Karine Schwartz Gehrmann e Mauricio Gomes. Dividindo a vida e os palcos, ambos os instrutores têm a dança como a principal forma de trabalho e, dentre suas turmas, estão à frente dos ensaios do CTG Sentinela das Coxilhas.

Há cerca de 10 anos atuando como instrutora, Karine comenta que a pandemia foi um período desafiador. No trabalho diário, ela mantém um contato frequente com crianças, adolescentes e adultos, que durante o isolamento, deu lugar à distância. “No início, nós tentamos fazer aulas remotas e não deu certo, porque a dança é o contato, né? É estar junto, tu estares presente, pegares na mão e ensinar, já não era a mesma coisa”, comenta.

Durante a pandemia, Karine engravidou de sua filha, Ana Clara, agora com dois anos de idade. Ela comenta que a gestação contribuiu para aliviar os sentimentos no período. “Ela veio para amenizar um pouco a dor que é estar longe das pessoas que a gente gosta. Por isso, digo que não foi tão difícil, mas foi um momento que eu rezo muito todos os dias para não retornar”, diz.

O companheiro e instrutor, Maurício, reforça que a pandemia foi uma quebra de rotina e de convívio. Ele comenta que principalmente na categoria juvenil, os relatos de aumento de ansiedade e desmotivação eram mais frequentes. “A gente esperava todos os dias um avanço. Tínhamos aquela esperança, de que iria melhorar, mas vinha uma onda, depois a outra onda, então foi bem angustiante, principalmente nos primeiros meses”, descreve.

Atualmente, ambos retornaram com o ensaio dos grupos, recomeçando com turmas maiores do que antes do período de isolamento.

A rotina de ensaios do CTG Joaquim Paulo de Freitas foi interrompida  durante a pandemia

 

A dança como equilíbrio emocional

Há cerca de um ano e seis meses, a prenda do CTG Sentinela das Coxilhas, Bruna Riemer Silveira, explica que foi diagnosticada com depressão, ansiedade e transtorno de pânico. Para ela, a dança é uma forma de apoio à saúde mental e os aprendizados são um ponto de calma durante a rotina. “É como se quando eu colocasse meus pés nesse salão e ligasse a música, todos os sentimentos baixassem, deixando espaço para concentração e uma sensação de bem-estar. A dança é a única coisa que eu penso naquele momento”, comenta.

Já para o peão de 19 anos, integrante da invernada adulta do CTG Joaquim Paulo de Freitas, Gabriel Nunes, a dança gera uma rotina de ensaios e uma dedicação diária que foi quebrada durante a pandemia. Dançarino há mais de dez anos, ele comenta que foi um período difícil para paralisar repentinamente uma atividade que é sua paixão. “A dança em si me traz tranquilidade, uma paz e alegria. Senti falta do companheirismo com o grupo e tentava procurar isso em outras atividades, mas não é a mesma coisa”, diz.

Tradição que envolve gerações

No envolvimento e encontro com a cultura gaúcha nos CTG’s, muitos integrantes acabam tendo contato com a dança ao apoiar um familiar que está inserido neste cenário, transmitindo a paixão pelo tradicionalismo.

A prenda de 37 anos do CTG Sentinela das Coxilhas, Fabrine Simões Nunes, ingressou na dança por conta de seu filho, acompanhando-o nos ensaios. Por conta de seu envolvimento na atividade, aceitou um convite para ingressar como dançarina na invernada adulta. “Sempre gostei da dança, sempre foi um sonho, mas nunca tive oportunidade. Meu filho, que agora tem 14 anos, foi convidado para dançar e consequentemente nos levou para o CTG”, diz.

Fabrine acompanhava o filho nos ensaios e apresentações, contudo, ainda não havia tido a experiência de participar de um grupo de dança. “No início eu fiquei meio receosa, com medo, mas depois que eu comecei, foi a realização de um sonho e, ainda melhor, podendo dançar junto com meus filhos”, afirma.

No período de isolamento social, Fabrine comenta que a ausência dos ensaios fez falta na rotina. Ao retornar, ela explica que as reuniões feitas antes na sede campeira do CTG Sentinela da Coxilhas, próxima à sua casa, foram adaptadas agora para a cidade, devido ao aumento de membros na região. Mesmo assim, ela se propôs a continuar na atividade pelos filhos e por si mesma,

Já para o peão de 36 anos, também do CTG Sentinela das Coxilhas, João Dolizete Maia Ferreira, sua história como dançarino é semelhante à de Fabrine. No início, Dolizete acompanhava suas filhas nos ensaios e criou, assim, afinidade com a atividade. O envolvimento com as filhas no CTG despertou a vontade de dançar e o incentivou a participar como dançarino na categoria adulta.

Para Dolizete, a paralisação das atividades foi a quebra de um ritmo, tornando a retomada um pouco difícil para alcançar o mesmo andamento que o grupo tinha antes. “Os ensaios e apresentações criam um envolvimento. Tu ficas sempre em uma correria na rotina. Chegas do trabalho, tomas um banho, acompanhas os horários para chegar aqui e começar as atividades com o grupo. Fica mais complicado para começar a reagir de novo, mas é tudo muito gratificante”, diz.

Laços criados pelo ritmo

O convívio diário e a construção de harmonia com o grupo, gera relações de amizade e companheirismo entre os colegas, sendo um dos aspectos ressaltados como uma falta durante o período de isolamento na pandemia de Covid-19.

O peão de 27 anos da invernada adulta do CTG Sentinela das Coxilhas, Guilherme Costa, tem a dança como uma forma de contato com os amigos e foi incentivado pelos seus atuais instrutores a pisar pela primeira vez no tablado, assim, partilhando um compromisso e os acompanhando onde for preciso. “O que eu mais estranhei nessa época de pandemia foi me afastar dos meus amigos. Com o passar dos anos eu criei muitas amizades dentro dos CTG’s e senti falta do convívio com o pessoal”, diz.

A prenda de 17 anos da invernada adulta do CTG Joaquim Paulo de Freitas, Bibiana Quintana Mattos, comenta que sentiu falta do convívio e ensaios com o grupo no período de isolamento. “Às vezes, o nosso patrão do CTG enviava alguns vídeos no grupo e rever os nossos ensaios aumentava a saudade”, exclama.

Desde cedo, o peão de 19 anos do CTG Sentinela das Coxilhas, Renan Neitzke Munsberg, esteve envolvido com o tradicionalismo em sua vida e, após um período afastado das danças, a identificação com o grupo foi o incentivo que precisava para retornar. “Eu sempre tive vontade de voltar a dançar, sabe? Eu me identifiquei muito com o pessoal do grupo e me senti acolhido por eles, por isso, escolhi voltar”, relata.

No momento, as entidades tradicionalistas estão focadas na retomada de ritmo para as futuras apresentações e ansiosas pela volta aos tablados.

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