Por Sabrina Lacerda Borges
Comédia holandesa, lançada em 2021, está disponível na Netflix e conta a história da marroquina Leyla
O filme “Minha vida incomoda muita gente” é uma comédia romântica holandesa dirigida por David Bukvic e lançada pelo sistema de streaming Netflix no ano passado. A obra conta a história de Leyla, uma mulher marroquina solteira, sem companheiros, filhos e que, por isso, é rotulada de “Meskina”, uma perdedora ou patética, segundo tradução local. Essa palavra também dá título ao filme na sua versão em inglês.
A história é narrada pela protagonista, que sonha em escrever livros infantis, mas que vive em um processo bem lento de escrita. Como a maioria das histórias para o público infantil é apresentada na forma de um reino onde existem princesas e príncipes, essa relação fica apenas na imaginação mesmo. O enredo do filme se passa em um cenário atual, que evidencia no seu decorrer algumas questões culturais e machistas.
Leyla casa e vê seu “conto de fadas” desmoronar ao ter a traição do marido exposta pela mídia. Ela se divorcia e, mais uma vez, passa a ser considerada uma “meskina” pela família. Ela volta a morar com a mãe e pede emprego para uma prima empreendedora de sucesso na área de produção de eventos.
Mesmo estando se sentindo bem no trabalho, isso não é o bastante, pois ela não tem um marido, e esse é o ponto principal da história. A família passa a procurar um cônjugue para Leyla, pois ela está ficando “velha e feia” e ninguém mais vai querer se casar com ela. A mãe procura um pretendente com a indicação de familiares e a ajuda da internet, afinal, o tinder está aí para isso, não é?
Leyla vai nos encontros arranjados pela irmã e pela mãe e gosta de conhecer os dois homens, decidindo manter os encontros com os dois, sem que ninguém saiba. É isso mesmo que você está pensando, ela começa a namorar escondido com os dois homens, até que tudo dá errado e a farsa termina. E é neste ponto que a personagem consegue se encontrar e perceber os motivos que a levaram a ter a vida que tem.
Leyla decide ficar sozinha, supera sua fobia de falar em público e faz um discurso incrivelmente inspirador. Ela questiona o que as pessoas veem nela, uma rejeitada, traidora, promíscua, e relaciona com a forma que mulheres que não fazem o que esperam delas são chamadas. Além disso, ela aponta que esses problemas começam na infância, quando histórias são contadas para meninas dizendo que elas devem se encaixar em padrões, obedecer às regras, ceder para agradar os outros, esperar para ser salva…
Fica muito claro no silêncio da personagem em frente ao público enquanto tira a coroa que está usando e deixa na bancada, que ela está se encontrando, encontrando a voz dela. “Eu sou Leyla e isso é mais do que suficiente”, diz ela. A personagem deixa a mensagem que você não precisa de um príncipe para ser feliz.
De modo geral, o filme é belíssimo, a fotografia é bonita, a música consegue enfatizar os sentimentos das personagens e passa uma mensagem muito importante. O recado do filme não fica apenas em relação aos relacionamentos românticos, mas em relação à pressão estética que as mulheres sofrem, de constituir família, sendo que muitas não desejam ter filhos, de seguir as regras e os padrões que são esperados. Esses são maiores ou menores quando consideramos o contexto cultural em que elas estão inseridas.
Que todas tenhamos a coragem de Leyla para seguir nossos sonhos, atuar na carreira que desejamos e construir nossa vida com base no que faz sentido para nós, e não para os outros. Que tenhamos coragem para que nossas vidas sigam incomodando muita gente.
Confira um trecho do discurso de Leyla:
“Começa nos contos de fada que a gente conta. A princesa precisa ser beijada antes de acordar. O sapatinho de cristal tem que caber. Ela tem que ir para casa na hora ou a carruagem vira uma abóbora ou ela abre mão da voz dela para ter duas pernas e poder correr até o príncipe dela. É isso que estamos contando para as nossas filhas, que é heroico para uma princesa sacrificar a voz dela para ser feliz no amor […] tentamos corresponder aos seus desejos e expectativas tão desesperadamente que deixamos de ouvir a nossa própria voz […] foda-se, eu não preciso ser salva ou beijada antes de acordar. Não preciso de aprovação e não preciso estar com alguém para me sentir inteira. Eu sou Leyla e isso é mais do que suficiente!”
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