Música leva ao debate de ideias em Rio Grande

Por Rayla Ribeiro e Vitor Porto      

Batalhas de Rap acontecem a Praça Tamandaré às quartas-feiras

Desde a Grécia antiga até as cidades empobrecidas da América Latina nos dias de hoje, as pessoas se reúnem em praças para falarem e serem ouvidas. No extremo sul do Brasil não é diferente. E a versão mais recente desse encontro para a troca de ideias são as batalhas de rap, como ocorrem em Rio Grande.

Todas as quartas-feiras à noite, jovens de Rio Grande se enfrentam em uma batalha, na Praça Tamandaré. Não com violência como a palavra sugere, mas com pensamentos e palavras. É a Batalha do Cassino.

Cada artista tem sua vez para improvisar rimas contra seu oponente. Ao final, plateia escolhe vencedor da rodada

 

Rio Grande não tinha a cultura do rap. Nos últimos anos, e, aos poucos, esse cenário foi sendo alterado pelas novas gerações, como fala o rapper de batalha rio-grandino, Yago Gonçalves, também conhecido como Rose G. “O cenário do rap em Rio Grande, hoje em dia, é constituído numa mescla de gerações e já conta com nomes conhecidos da antiga escola”.

Ele também conta sobre a importância das batalhas e do rap para a cidade, já que possuem grande “impacto nas áreas de vulnerabilidade social, dando voz a quem não tem, até mesmo como forma de protesto”. Assim, o rap ajuda pessoas que poderiam estar em situações de risco, transformando suas dores em arte.

O rapper ainda apresenta as maiores dificuldades dos artistas na cidade, que incluem a falta de visibilidade e “também o espaço que é concedido para o pessoal, principalmente para os mais novos”. Segundo ele, muitas vezes, essa cultura não é bem-vista pela sociedade, o que também atrapalha os artistas a lançarem suas carreiras.

A Batalha do Cassino

Tentando mudar esse cenário, jovens rio-grandinos se reuniram para fundar a “Batalha do Cassino”, evento de batalhas de mc’s. “É também um sonho de poder fazer uma coisa diferente na cidade e mostrar que temos cultura aqui e o hip-hop é bem forte em Rio Grande”, comenta Felipe Potrich, um dos organizadores.

Os eventos de rap têm recebido apoio da iniciativa privada

“Batalha de rap” é o nome dado ao confronto entre dois rappers. Elas são divididas em rounds. Nele cada artista tem sua vez para improvisar rimas contra o seu oponente. Ao final, a plateia, através de aplausos e gritos de suporte, escolhe o vencedor da rodada.

“A ideia de começar a Batalha do Cassino surgiu com o intuito de cultivar o hip-hop na cidade e ter um evento semanal em que os mc’s pudessem ter o espaço para aprimorar a rimas, o conhecimento e treinar o free style…”, complementa Felipe, que também participa das batalhas.

O rap historicamente é marginalizado. O seu berço é a Jamaica, nos anos 60, e logo o novo estilo musical chegou aos bairros de imigrantes pobres em Nova Iorque. Com letras contendo relatados do dia a dia dessas comunidades, afetadas por guerras de facções, racismo, drogas, violência e abandono do poder público, logo não foram aceitas pela alta sociedade. No Brasil não foi diferente.

Ainda que seja um dos estilos musicais mais ouvidos do País, principalmente nas cidades médias e grandes, o rap não é bem-visto, tanto pelo poder público quanto pelos agentes de segurança.

“Não contamos com nenhuma ajuda do poder público, até hoje não conseguimos participar de nenhum edital, não fomos chamados para eventos da Prefeitura. Os eventos em que nós participamos foram de iniciativa privada, por parte de networking, pessoas que a gente conhece e que nos chamaram. Mas, a partir da Prefeitura ou poder público, nós nunca tivemos esse espaço ou ajuda. Pelo contrário, houve algumas interferências da Guarda Municipal, como uma abordagem com truculência em que eu acabei saindo levemente ferido. [Estão] sempre procurando alguma coisa para interferir na Batalha. Teve mais uma interferência do que uma ajuda. Ajuda, até hoje, não teve”, afirma Felipe.

Mesmo sem incentivo do poder público, aos poucos a Batalha do Cassino vai ganhando o seu espaço. Empresas locais já notaram o movimento e abraçaram a ideia. A Mala Records recentemente forneceu microfones sem fio para a Batalha e outros pequenos empreendedores da cidade ajudaram com a premiação aos mc’s vencedores dos encontros.

Um marco importante para o grupo foi a realização de duas edições da Batalha na casa de festas Espaço Lambe. Com ingressos esgotados, os dois eventos contaram com a participação de diversos artistas da cena local, com apresentações e exposições artísticas. 

Esse é só o começo. Diversos artistas conhecidos nacionalmente surgiram nas famosas Batalha da Aldeia e Batalha do Tanque, em São Paulo e Rio de Janeiro respectivamente, quem sabe um dia um dos jovens que hoje rimam na Praça Tamandaré às quartas-feiras à noite não levem suas rimas para o mundo.

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