Por Ester Caetano
Glau Barros coordena o projeto Sambaobá, que dá visibilidade às mulheres sambistas
De uma ancestralidade musical, a cantora Glau Barros já carregava nas veias a arte, a religiosidade, a serenata, o batuque e o gaiteiro. No ano passado, ela foi destacada com o Prêmio Açorianos de disco do ano e artista revelação local pela gravação de Brasil Quilombo, lançado em 2019. Vinda de uma família que sempre teve um olhar atento à sua inclinação cultural e a incentivou a seguir nas artes, hoje, por uma inquietação, tem uma busca incessante por encontrar mulheres sulistas no samba, e, desse desejo, nasceu o projeto Sambaobá-Raízes femininas do samba.
O Sambaobá tem como proposta mapear a presença de mulheres compositoras e artistas mulheres que têm no gênero samba seu fazer artístico, elencando e evidenciando o legado cultural das diferentes regiões do Rio Grande do Sul a que pertencem. A proposta também quer desmistificar a visão masculina sobre o fazer samba.
O projeto é focalizado em cinco cidades fora da região metropolitana do Rio Grande do Sul, que são Gravataí, Pelotas, Uruguaiana, São Borja e Rio Grande. Glau, no início de sua pesquisa, conta que sentiu a necessidade de estar próxima das narrativas femininas no samba do interior, nos lugares que ela já tinha passado, tido contato e deixado seus encantos em forma de apresentações. As cidades ainda são escolhidas pelas suas musicalidades, pela presença das mulheres que fazem arte, contatos de músicos com quem já trabalhou e cidades que têm uma presença marcante no Carnaval, clubes sociais negros e outros elementos que constituem a cultura negra gaúcha.
Mesmo a artista indo às cidades com raízes africanas fortes, percebeu que talvez não teria tão presente as características em todas, como acontece em São Borja, uma localidade em que as pessoas não negras abraçam os costumes dos povos africanos e as pessoas negras deixam de ser protagonistas de suas próprias vivências. Glau conta que não é um erro ou um problema mas “justamente um apagamento”. “Na verdade, é que, às vezes, a apropriação das nossas raízes culturais, da nossa cultura afro diaspórica, é abraçada não por nós, até porque a gente não quer, às vezes, por falta de condições de dar seguimento a uma carreira artística. E a coisa da grana, uma estrutura que nos coloca à margem de diversas formas, é bastante forte na questão da cultura”, revela.
O projeto já era algo pensado pela artista antes da pandemia, a ideia era mergulhar nas mais variadas experiências que cada lugar poderia proporcionar, tendo um encontro com outra mulheres sambistas. Mas, com a pandemia, a situação foi outra. Tornou-se necessário fazer “um trabalho de formiga” para conseguir os resultados da pesquisa, que começaram a ser divulgados através de lives no mês de julho deste ano. Pelo Instagram, foram cinco “ao vivos” em que Barros apresentou as cantoras, intérpretes e instrumentistas. O estudo foi completado por uma produção de podcasts com as entrevistas realizadas pela cantora e foi encerrado com a execução de um samba autoral.
Artistas participantes
Pelotas ficou representada pela dupla de cantoras e compositoras, Daniela Brizolara e Dena Vargas, conhecidas como Dani & Dena que compartilham há 13 anos os palcos da cidade do doce e região cantando samba, MPB e também participando de festivais renomados. Uruguaiana esteve presente através da cantora Patrícia Di Guyan, que começou sua carreira no Rio de Janeiro, cantando em pequenos bares, mas hoje desenvolve uma intensa participação na vida cultural de Uruguaiana, promovendo e realizando shows que buscam divulgar o samba.
Drika Carvalho, musicista e cantora representa Gravataí, é autora do projeto MPB Samba que traz uma releitura do melhor MPB e do samba de raiz. Já, de Rio Grande, está a Gil Colares, que iniciou profissionalmente como cantora aos 18 anos e hoje já ganhou espaço na cena musical abrindo shows nacionais de renomes. Luciara Batista foi a última a ser entrevistada. A cantora, compositora, produtora cultural e afro influencer é de Canoas e a única intérprete mulher do Carnaval canoense e de Porto Alegre. É idealizadora do Projeto Samba da Roda de Saia que reúne amigos e familiares através do samba.
O Sambaobá carrega a essência de dar visibilidade às narrativas de mulheres no samba. Glau conta que, por muito tempo, as mulheres foram postas nos lugares subalternos por uma visão machista. Não tiveram espaços para mostrar seus talentos e composições. “Na escola, ou, enfim, na roda de samba, ela dança, na roda de samba ela canta uma ou duas músicas. As mulheres estão, em um ambiente como as escolas de samba, em outros lugares, não na realização das letras, compondo e criando. Muitas das vezes, estão na cozinha, na dança, mas não na cabeça e na direção decidindo”, expõe a cantora.
Ela complementa que hoje já se presencia o movimento de mulheres sendo valorizadas, tirando suas composições da gaveta e conseguindo se empoderar diferentemente do que acontecia nos primórdios. “Antigamente, a gente buscava uma história como a da Dona Ivone, que é a mais simbólica que a gente tem, nossa referência maior. Ela não podia assinar um samba, eles nem ouviam, eles nem liam seu samba, sabendo que era de uma mulher. Ela tinha que passar para um primo que chegava lá ‘ó eu tenho esse samba aqui’. Eu estou conseguindo isso hoje, me sinto até privilegiada de assistir esse movimento de fortalecimento das nossas narrativas feitas por nós mesmas”, descreve.
Glau afirma que o samba é genuinamente brasileiro, ter mulheres como protagonistas é exaltar uma ancestralidade que construiu lutas e que hoje elas têm como resultado o poder de fazer samba. “É resistência, luta, um movimento, é uma mistura da das nossas culturas, da nossa ancestralidade”, conclui.
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