Identidade afro-brasileira em teatro on-line

Por Ester Caetano

“A Última Negra” estreia no dia 15 e vai com apresentações até 25 de abril

O espetáculo teatral “A Última negra”, com data de estreia nesta quinta-feira (15), enfatiza os debates sobre as questões raciais e as causas sociais no Brasil. Configura seu cenário a partir do encontro do corpo de uma mulher negra congelada há 100 anos. Em um período histórico em que não existe rastro de pessoas negras, reacende as discussões sobre o racismo institucional presente no País. A atriz gaúcha Hayline Vitória protagoniza o espetáculo, no qual dá luz ao papel de “Dandara”. O texto ficou a cargo do dramaturgo Pedro Bertoldi. E as apresentações vão até o dia 25 de abril. de quinta-feira a domingo, sempre às 20h, no Canal do Coletivo Projeto Gompa.

A peça tem a proposta de aguçar as reflexões sobre o apagamento histórico sistemático que a população negra vem sofrendo, como também instigar sobre como um ser humano sem memória tem a dificuldade de reconhecer seus vínculos e encontrar sua identidade. A situação de descobrir o corpo da mulher negra de outra época faz com que reacenda a discussão da história brasileira. 

A atriz Hayline Vitória diz que “as Dandaras de hoje, presas de algum modo pelo racismo e nas mazelas dessa sociedade, têm sede e urgência de libertação, pois desejam ecoar as suas vozes e estarem sentadas nos tronos que lhe são de direito”.

A atriz Hayline Vitória faz o papel de “Dandara” no espetáculo que fala de questões afro-brasileiras

Furando as estatísticas e desempenhado o papel principal na quebra de paradigmas, vencedora do prêmio Açorianos na categoria melhor atriz revelação em 2016, Hayline Vitória, professora formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e produtora cultural, mostra que mesmo sendo clichê, o lugar da mulher negra é “onde ela quiser estar”. Percorrendo caminhos que acredita que foram abertos por seus ancestrais, pensa que a memória é a melhor forma de encontrar seu “eu” e poder perpetuar a abertura das trilhas para o triunfo da população negra.

Como na realidade de muitos negros, que lutam para se reafirmar dia após dia, está estafada. “Eu estou cansada também de falar só de dor, estou cansada de falar só de racismo, mas parece que a gente precisa falar disso. Porque muitas pessoas ainda não entenderam que ele existe”, desabafa. Ela expõe a angústia das especificidades que o meio artístico a impõe. “Nos colocam em diferentes subcategorias, aí, atriz, negra. Ah, é dramaturgia negra. É um caminho longo, até a gente conquistar o lugar de sermos atrizes e dramaturgas, sem precisar dizer a nossa cor”, lamenta.

Com a vivência gritante de um Brasil racista estruturalmente e padronizado, nos vários casos de discriminação e preconceito que enfrenta, vê-se silenciada e sem resposta, mas acredita que a arte e o seu trabalho são o alvorecer, como, também, o seu escape.  “A arte é a válvula, o lugar onde eu liberto as minhas coisas, onde falo, eu me protejo ali naquele lugar. E, com a arte, eu consigo dar essas respostas, mesmo que, muitas vezes, fique paralisada diante de situações que, infelizmente, a sociedade não cansa de nos mostrar que existem”, explica.

No século XXI, ainda existe o discurso de que “somos todos iguais”, remetendo à declaração do ator estadunidense Morgan Freeman de que “para o racismo deixar de existir é só parar de falar nele”. Camufla-se falas racistas e discriminatórias. Contudo, não é preciso virar muito a cabeça para enxergar que existe muita diferença e desigualdade que paira sobre a sociedade brasileira. Hayline indaga sobre quem está nos postos de poder. Nas artes dramáticas, quem está nos papéis principais? Os negros estão em quais peças de teatro? Quem são os atores? Onde estão os dramaturgos? Os diretores? “Quando a gente não tem referência, a gente não se enxerga”, diz.

Retomada da cultura teatral negra

Dando um passo para a inclusão, o economista Abdias do Nascimento escreveu a história que tem relevância até hoje no teatro brasileiro. Em 1944, idealizou um resgate da herança da cultura afro-brasileira com o Teatro Experimental do Negro (TEN), que buscou promover o protagonismo do negro em detrimento às representações caricatas e estereotipadas que se figuravam nos palcos brasileiros. O TEN recriou diversas peças como Otelo, de William Shakespeare.

A presença de Nascimento é sentida na dramaturgia brasileira da atualidade. A atriz Hayline entende que o TEN é uma referência inegável para uma crítica ao sistema racista. “O Teatro Experimental do Negro é muito importante, sem dúvida, até hoje. É a referência de teatro negro que, infelizmente, eu não tive dentro da universidade”, lamenta.

Mesmo percorrendo um caminho que tem que ser de resistência todos os dias, lutando contra a discriminação racial, Hayline acredita na mudança, acima de tudo. “É preciso oportunizar que artistas negros e negras tenham seus espaços nos trabalhos, não só para as pautas raciais. Então, chamar, por exemplo, um dramaturgo negro, ou uma dramaturga negra, para fazer a dramaturgia de um espetáculo sobre tema X, mas de uma forma diferente. Chamar uma assessora de imprensa, uma diretora, uma atriz para protagonizar uma Bela Adormecida, uma Cinderela, não sei, um João Pé de Feijão, chamar pessoas, negras, artistas, negros, realocando. E é mostrando que a gente consegue. A gente pode, obviamente, embora, às vezes, as coisas não são tão óbvias. Mas a gente deve estar em todos os lugares. E fazendo todos os personagens”.   

Solidariedade

O projeto da peça “A Última Negra” incentiva o acesso à cultura. Adquirindo os ingressos de valor único, de cinco reais, pode-se fazer uma doação para que jovens das periferias do Estado tenham a oportunidade de assistir ao espetáculo, como também, o valor arrecadado será convertido em alimentos não-perecíveis e doados para a ONG MISTURAÍ, da cidade de Porto Alegre. O espetáculo está sendo realizado com recursos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul por meio do Pró Cultura RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura.

Espetáculo virtual A Última Negra

Datas: de 15 a 25 de abril – de quinta a domingo
(As apresentações dos dias 17 e 23 de abril, aos sábados, terão tradução em LIBRAS)

Ingressos: R$ 5 (+ taxa de conveniência)

Vendas online: pelo site EntreAtos | compre aqui seu ingresso  

Onde assistir: Canal do Coletivo Projeto Gompa no YouTube (receba os links ao comprar o ingresso para acesso ao espetáculo e ao bate-papo)

Duração: 60 minutos + 20 min de bate-papo com elenco

Classificação: 14 anos

Para mais informações sobre o espetáculo A ÚLTIMA NEGRA acesse o site e o Instagram @aultimanegra

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