Propostas criativas na noite LGBT de Rio Grande

O DJ Diogo Azevedo dá continuidade ao seu trabalho com a música funk e busca novas alternativas        

Por Nathalia Farias

Rio Grande, município localizado no sul do Rio Grande do Sul. Possui uma população de 207 036 habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vizinha de Pelotas, cidade universitária considerada referência quando se trata em vida noturna e entretenimento, Rio Grande está se mostrando uma grande aliada da população jovem e LGBT, agitando os finais de semana da cidade com propostas criativas, festas inclusivas e preços acessíveis a todos os públicos.

Com mais de dois mil seguidores no Twitter e no Instagram, a Lambe, produtora de festas totalmente rio-grandina, vem ascendendo significativamente nesse universo de entretenimento, elaborando eventos inovadores, como festas apenas com temáticas de músicas brasileiras, “sunsets”, temática “brega”, festas onde só entram mulheres, etc.

Diogo Azevedo, formado em Administração e Artes visuais, e Isadora Simões, formada em Pedagogia, são os rostos por trás da Lambe. Diogo também trabalha como DJ e afirma que começou a produzir festas depois de uma realização para o curso de Artes de Visuais na FURG, no final da sua graduação: “Depois dessa festa, acabei me interessando nesse mercado e colocando algumas ideias em prática. A abrangência da Lambe é algo que não consigo medir, tentamos abordar diversos gostos musicais diferentes, muitas vezes, eles se contrapõem e, de certa forma, perdemos público em um terreno enquanto conquistamos outros, então é uma fluidez muito intensa”.

O DJ rio-grandino ressalta que, para ele, o importante é entregar o que é prometido para o público que acompanha fielmente a produtora. “Procuro fazer um bom trabalho e esperar o resultado no dia da festa, casa cheia é sinal que conquistamos uma grande parcela, mas uma casa mais vazia com o público realmente interessado na proposta também é um resultado a se comemorar”. E quando se trata de audiência fiel, a Lambe conhece muito bem. Prova disso é a Sonzeira, festa que inclusive mudou de data para alcançar o público que iria participar do ENEM no final de semana. Com menos de duas horas no ar no Facebook, o evento já tinha mais de mil pessoas confirmadas.

A vida de DJ começou também na primeira festa produzida, o Sarau das Artes, para reduzir os gastos. “O DJ sempre compartilha um pouco de si com o público conectado na pista, é uma espécie de transe quando o trabalho flui, mas, claro, tudo depende da proposta na line-up”, explica Diogo. “Às vezes estou ali para suprir a necessidade de tocar hits comerciais do funk e, às vezes, para trazer um estilo diferente que me toca de maneira bem mais profunda. Tudo isso varia, tem que saber ler a pista e se conectar com ela para entender qual som encaixa no momento, lugar e proposta”.

“O que mais funciona ainda é o funk, é uma construção da periferia que dominou todo o cenário comercial” Foto: Stephany Borges

 

Diogo afirma estar sempre se inovando e aprendendo com outros DJs e na prática, mas o funk sempre acaba o “assombrando”: “O que mais funciona ainda é o funk, é uma construção da periferia que dominou todo o cenário comercial, o ritmo é realmente perfeito para o formato de festa. A grande resistência contra esse estilo são letras que, por muitas vezes, têm apologia misógina e machista. Tento ao máximo trazer produções que evitam essa visão”.

O funk continua sendo o seu principal material de trabalho, mas Diogo também busca outras alternativas. “Esse ainda é o estilo que trabalho como DJ, o público e os produtores esperam um set de funk vindo de mim. Porém, como produtor, vou na vertente contrária. O funk é um patrimônio cultural de peso e merece toda visibilidade que tem tido, mas já tem tantas produções abordando isso que prefiro dar visibilidade a outros estilos quando posso. É importante fugir do ciclo comercial vicioso”, opina.

Blackmay Clouds performa como drag queen desde 2017 e tem muitas fontes de inspiração, inclusive vilões Foto: Stephany Borges

Não é só de produtoras e DJs que a vida noturna LGBT é feita. Maicon Aurélio, também conhecido como Blackmay Clouds, performa como drag queen desde 2017. Drag queen (ou drag king) é o termo dado a transformistas de personagens criados por artistas performáticos que se travestem, fantasiando-se cômica ou exageradamente com o intuito profissional artístico. “Eu sempre me considerei uma criança meio esquisita e fascinada com vilões, de certa forma, identifico-me com eles pela sua história, pois normalmente os vilões se tornam vilões como uma forma de defesa após serem machucados. Então, essa foi a minha forma de canalizar toda a raiva e tristeza que eu sentia pela sociedade e o sistema em que a gente vive, criando um personagem e uma narrativa que fosse contra tudo isso”, ressalta o artista.

Ele considera que ser uma drag queen é uma forma de sobrevivência, além de ser um ato político. Maicon, que também atua como DJ, afirma que a ideia é criar atmosferas e universos: “Ser LGBT e estar em um palco produzindo conteúdo pra pessoas LGBTs me traz o sentimento de realização e esperança porque eu tento cada vez mais ocupar esses lugares, mesmo ainda sentindo que certos ambientes não nos querem como protagonistas”.

Blackmay – nome originado de um lado mais melancólico e obscuro do artista e também por sempre ser dito que ele aparentou  ter “a cabeça nas nuvens” – confessa que se inspira em absolutamente tudo ao seu redor: “Sinto-me muito inspirado o tempo inteiro, pode ser vendo uma pedra na rua ou até estando em contato com a natureza ou caminhando beira-mar. Muitas pessoas ao meu redor me inspiram, entre elas estão meus amigos e minha vó. Também sou fascinado por esse mundo de vilões, eu acho que eu sempre tento dar um toque disso nas minhas montagens por me identificar demais com esses personagens e com a história deles. Por muito tempo, eu fui excluído. E me senti uma ‘aberração’ em vários momentos da minha vida. Eu canalizo e conto tudo isso em forma de arte, usando experiências e sentimentos ruins que tive como uma força e inspiração”.

Com cada vez mais adeptos, criando cada vez mais artistas, DJs, beatmakers, cantores e dançarinos, Rio Grande se mostra uma cidade relativamente avançada para seu tamanho e sua localização, sendo berço de uma criatividade que beneficia todos os jovens através de ambientes acessíveis e confortáveis, gerenciados por pessoas também jovens que se preocupam em produzir meios em que todos sejam bem vindos.

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